29/03/2010

O Dia de Estudante de 1962. Um livro


Abalancei-me a relatar a minha visão pessoalíssima do que tinha sido para mim o Dia de Estudante de 1962. Tirando um ou outro pormenor que fui consultar à Internet, como seja os nomes pelos quais alguns dos participantes eram mais conhecidos e não encontrei de todos, limitei-me às minhas recordações pessoais. No entanto, ao fim de 48 anos, mesmo que a memória sobre o passado ainda esteja a funcionar, há sempre um grau de subjectividade, de parcialidade e até de omissão, de que não nos damos conta.
Por isso, fui recorrer a um livro que possuía, publicado em 2001, e se refere a estes acontecimentos: Grandes Planos, Oposição Estudantil à Ditadura - 1956-1974, de Gabriela Lourenço, Jorge Costa e Paulo Pena (Âncora editora). O livro é muito romanceado e feito ao estilo jornalístico, entrecruzando a biografia de alguns dos participantes, que os autores entrevistaram, e os acontecimentos.
Foi aí que confirmei que o restaurante que eu chamava Castanheira, se chamava de Castanheira de Moura. Já está corrigido no post.
Pelo livro também sobe que “mais de dois mil estudantes aguardavam no Estádio Universitário o resultado da reunião” – as tais negociações de que falei no post anterior –, “enquanto decorre o festival desportivo do Dia do Estudante” – não me lembrava que os jogo que se realizavam nessa tarde tinham a ver com o próprio Dia –. “Porém a única novidade que lhes chega é a primeira carga policial. Sem saberem como nem porquê, pouco versados em técnicas de fuga, alguns estudantes são espancados e alguns vão presos. A investida detém-se quando saltam as primeiras frases do hino nacional. A confusão é grande entre os polícias – muitos põem-se em sentido fazendo continência. Os estudantes continuam a cantar e sentam-se na relva.
Este episódio, que eu não descrevo deste modo, pois baseio-me na minha própria aprendizagem sobre o que era uma carga policial, tem alguma veracidade. Não sei se houve continências ao hino nacional, mas é um facto que teve um efeito apaziguador nos polícias. Também tenho uma vaga memória que os estudantes se sentaram na relva, mas penso que foi sol de pouca dura.
Não me parece, em relação ao que depois vi, que a polícia tenha espancado estudantes ou que os tivesse prendido. Mas o erro pode ser meu. O número de estudantes também me parece exagerado.
Os autores do livro falam do convite de Marcello Caetano para o jantar, dado que a Cantina, onde se devia realizar o jantar do Dia de Estudante, tinha sido encerrada pela polícia. Os termos empregues por aquele seriam: “A reitoria convida-vos para jantar no Castanheira de Moura”. Dito assim ou de outra forma, a verdade é que o convite existiu e as pessoas começaram a deslocar-se para lá. Os autores falam que se desceu a Alameda da Universidade, eu quase que jurava que foi a então chamada Av. 28 de Maio.
Falam também na carga policial do Campo Grande, que me parece que se verificou precisamente quando as pessoas, vindas de Entrecampos, estavam a chegar à Av. do Brasil. Exageradamente, de quem não conhece as armas da polícia, falam que os estudantes fugiam à frente da coronha das metralhadoras, tenho quase a certeza que não havia metralhadoras, mas sim as velhas Mausers, que serviam muito bem para agredir estudantes contestatários. Até porque dois parágrafos à frente falam que os estudantes saíram do Castanheira de Moura entre alas de capacetes de ferro e espingardas Mauser. Contradições de quem não revê o texto.
Depois é afirmado que “três dezenas de estudantes são levados ao hospital, sob prisão”. Parece-me, por aquilo que sei da história do meu amigo Brás, que eles estavam à espera deles à porta do Santa Maria e foi aí que os foram prender. Tenho a ideia que nem de perto nem de longe chegou àquele número.
Fala-se também que Marcello Caetano nunca chegou a ir ao Castanheira de Moura, mas que alguns professores, que de manhã tinham defendido os estudantes, entre eles Lindley Cintra, chegaram até lá e ainda tentaram negociar com a polícia, o que me parece ser exacto.
A manhã de Domingo, dia 25, está mais ou menos como a descrevo.
Na noite de 25, a Reunião Inter Associações (RIA), decide, em função do que se passou decretar o luto académico, que era nem mais nem menos do que a greve às aulas, que no caso de Ciências englobava as aulas teóricas, de frequência não obrigatória, e as aulas práticas, que obrigavam a presença e o chumbo na cadeira se o número faltas ultrapassasse um certo valor.

Este pequeno post não é uma crítica ao livro referido, mas unicamente um confronto entre o que permanece na minha memória e a recreação, por três jovens, muitos anos depois de acontecimentos de que não foram testemunhas. Voltarei aos dias da Crise Académica de 62 em próximo post.

PS. (04/04/10). Resolvi ir confrontar o meu amigo Brás com o que passou de facto com a sua prisão. Foi depois de ser tratado no Santa Maria do lenho que a polícia lhe tinha feito e de sair pela porta das traseiras é que apareceu um polícia a prendê-lo. Levou-o depois para a esquadra do Campo Grande, onde esteve lá até tarde e de seguida foi transferido para os calabouços do Governo Civil, dormindo numa sela com todos os meliantes que nessa noite tinham sido caçados. No dia a seguir é lavado para a PIDE, onde teve um interrogatório sumaríssimo e onde lhe foi feita a ficha que o havia de perseguir até depois do 25 de Abril. Com ele só esteve um outro estudante do Técnico, que fez o mesmo percurso. Para que fique como testemunho desse Dia.

7 comentários:

Artur disse...

Já agora aproveito para confirmar o que vem nesse livro: não se desceu a av. 28 de Maio,mas a Alameda da Universidade até porque o convite surge feito pelo Marcelo da varanda da Reitoria.Não te corrigi no meu comentário enterior por não me parecer muito importante.Daqui arrancou-se para o restaurante e "chegados ao Campo Grande houve porrada da grande" como se diz na letra do Fado do Dia do Estudante que relata os acontecimentos na perfeição. O fado começa assim " Certo Dia do Estudante deu-se um caso interessante a mandado do min istro Mandou fechar a cantina com polícia a cada esquina, sem o reitor saber disto" e continua com todos os pormenores. Quanto ao plenário no estádio universitário, devo esclarecer que nessa altura se realizava um jogo de futebol entre uma equipa de Direito e outra, se não estou em erro, de Agronomia. Por isso o plenário foi marcado para aí, pois os presentes podiam passar por espectadores do prelio. Há até uma fotografia muito gira em que os "espectadores" estão todos de costas para o jogo que está a decorrer no relvado e de frente para a tribuna ondes estavam os dirigentes académicos.
Abraço
Artur

Artur disse...

Já agora aproveito para confirmar o que vem nesse livro: não se desceu a av. 28 de Maio,mas a Alameda da Universidade até porque o convite surge feito pelo Marcelo da varanda da Reitoria.Não te corrigi no meu comentário enterior por não me parecer muito importante.Daqui arrancou-se para o restaurante e "chegados ao Campo Grande houve porrada da grande" como se diz na letra do Fado do Dia do Estudante que relata os acontecimentos na perfeição. O fado começa assim " Certo Dia do Estudante deu-se um caso interessante a mandado do min istro Mandou fechar a cantina com polícia a cada esquina, sem o reitor saber disto" e continua com todos os pormenores. Quanto ao plenário no estádio universitário, devo esclarecer que nessa altura se realizava um jogo de futebol entre uma equipa de Direito e outra, se não estou em erro, de Agronomia. Por isso o plenário foi marcado para aí, pois os presentes podiam passar por espectadores do prelio. Há até uma fotografia muito gira em que os "espectadores" estão todos de costas para o jogo que está a decorrer no relvado e de frente para a tribuna ondes estavam os dirigentes académicos.
Abraço
Artur

Artur disse...

E quero prestar mais um esclarecimento: a descida da av. 28 de Maio, agora das Forças Armadas, deu-se mais tarde quando se foi em manifestação até ao Min. da Educação, na altura no Campo de Santana, julgo que onde é hoje o Instituto Goethe. A primeira carga policial dá-se, de facto, junto a Entrecampos e vai até ao Campo Pequeno. A malta dispersa-se, mas continua até ao Campo de Santana onde há nova carga policial. Tudo isto está em boa parte fotograficamente documentado

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Caro Artur Pinto
Desculpa só agora responder, mas nem sempre tudo nos corre de feição e por vezes outros afazeres nos impedem de retorquir na volta do correio.
Sobre a tal descida da Cidade Universitária para o Campo Grande, apesar de na minha memória ter ficado com a ideia de que foi como escrevi, pode ser que tenhas razão. Não confirmo e acho estranho esse aparecimento do Marcelo Caetano na varanda da reitoria a convidar-nos para o jantar. Ouvi outros amigos que garantem que ele falou foi perto do Estádio Universitário. Mas deixemos isto para algum historiador mais esmiuçador.
Quanto a ter havido porrada da grande no Campo Grande não tenho dúvidas. Eu próprio fugi à frente da polícia e o nosso comum amigo, o Brás, que também andou no Gil Vicente, levou como descrevo, com uma Mauser na cabeça. Onde já tenho mais reticências foi se no Estádio Universitário a intervenção da polícia atingiu a mesma violência que no Campo Grande. Parece-me que não.
Sobre o jogo que se realizou durante a tarde na Estádio Universitário e disso ter servido como pretexto para agregar e informar os estudantes não tenho a mais pequena dúvida.
Um abraço com amizade.
Jorge

Artur disse...

O meu atraso deve-se ao facto de não ser muito "blogueiro". Só depois do nosso jantar de ontem me lembrei de vir ler as tuas respostas. Quanto ao Marcelo na varanda da reitoria não tenho a menor dúvida e até tenho uma fotografia da situação que, eventualmente, sairá nos Caminhos da Memória agora próximo.
Abraço amigo
Artur

Anónimo disse...

Boa tarde, por outros motivos, encontrei este post que refere um restaurante Castanheira de Moura. Precisava de saber se ainda existe e qual a sua morada. É um pedido relativamente urgente. Obrigada.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

A única coisa que recordo é que ficava para o lado da Alameda das Linhas de Torres, em Lisboa. Se existe e qual a morada exacta não sei. Mas ou uma pesquisa no Google ou na lista telefónica resolveriam o problema.
Venha sempre