Congresso Internacional Karl Marx
Vai realizar-se nos dias 14, 15 e 16 de Novembro, na faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, o Congresso Internacional Karl Marx. A organização é da Cultura, do Instituto de História Contemporânea e da Transform!. Para obter o programa completo, clique aqui .
Pretendia inserir o programa neste post. Mas, como estas habilidades dão sempre muito trabalho, achei que era melhor remeter os interessados para o próprio site onde está toda a programação, com o nome das comunicações e dos seus autores.
Para fazer a ligação com o capítulo seguinte, gostaria de realçar que algumas das comunicações apresentadas neste Congresso têm o mesmo protagonista e título de outras que foram apresentadas no Colóquio de Os Comunistas em Portugal.
Devo confessar que, quando tive conhecimento que este Congresso ia ter lugar, imaginei que as comunicações seriam referentes a aspectos da obra de Marx, principalmente à parte filosófica, política e económica, e que eu não tinha nada preparado, nem estava particularmente activo na reflexão sobre o seu pensamento.
Hoje, depois de ver o programa e de o confrontar com algumas das comunicações que foram apresentadas no Colóquio sobre Os Comunistas em Portugal, fico triste porque o texto que elaborei e a que dei o nome O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril, aqui publicado, e também neste blog, não era inferior a outros que eu já conheço e que são comuns às duas realizações. No fundo este Congresso tem uma abrangência tão vasta, que quase tudo pode ser incluído, e, com muito mais razão, qualquer reflexão sobre o Partido Comunista, como era o meu caso. A uma semana do Congresso já não vou a tempo de apresentar qualquer comunicação. Paciência, é a vida.
1º Colóquio “Os Comunistas em Portugal”
Este Colóquio, que foi publicitado neste blog, realizou-se no passado fim-de-semana, na Biblioteca Museu República e Resistência.
Há que sublinhar que ele foi organizado pela revista Política Operária, que foi dirigida por Francisco Martins Rodrigues (FMR) até à sua morte, ocorrida há alguns meses. Chico Martins, como era mais conhecido, era um dissidente dos anos 60 do PCP, tendo o seu afastamento resultado de sérias divergências políticas com este Partido, quer no modo como encarava a Revolução em Portugal, quer pela posição pró-chinesa que assumiu no dissídio sino-soviético, quer quanto ao papel que Estaline desempenhou na União Soviética. Pode-se dizer, para simplificar, que FMR saiu pela esquerda do PCP e assim se manteve até ao final da vida. Por isso, sem o nomear explicitamente este Colóquio era também uma homenagem àquele revolucionário. Muitos dos oradores a isso se referiram.
Era evidente que estas opções determinaram que o Colóquio fosse mais a defesa de uma determinada concepção política, do que uma reflexão desapaixonada sobre o Movimento Comunista em Portugal. No entanto, houve a preocupação de convidar maioritariamente académicos, com estudos feitos nesta área que, na maioria dos casos, reflectiram serenamente sobre a história, a sociologia e até a antropologia do comunismo e dos comunistas em Portugal. Não fosse algumas reflexões mais apaixonadas, que depois referirei, estávamos perante uma selecção bastante razoável do pensamento académico sobre o assunto. Faltaram, no entanto, e eu sei que tentaram convidá-los, o João Arsénio Nunes, que esteve presente durante a maioria das comunicações e que é um dos poucos historiadores do PCP, filiados no Partido, com trabalhos publicados nesta área, e o José Neves, que tem uma tese de doutoramento sobre Comunismo e Nacionalismo em Portugal – Política, Cultura e História no Século XX, e cuja defesa presenciei e que foi por mim assinalada neste post. É provável que haja muitos outros trabalhos notáveis de académicos sobre os comunistas, mas que eu não conheço.
Um dos males do Colóquio, é que se pretendeu meter o Rossio na Rua da Betesga, provavelmente o que irá suceder no Congresso que se lhe segue. Facto extremamente difícil de controlar, dado que ao pretender abranger um vasto leque de temas é preciso forçar a pontualidade do começo das sessões. Assim, a partir de certa altura fomos a mata-cavalos, sem tempo para a discussão e obrigando os intervenientes a terem que cortar nas suas intervenções. É sempre difícil, nestes casos, conseguir um balanço entre tudo aquilo que se quer comunicar e o seu debate. São opções que os organizadores têm que assumir e utilizar pulso de ferro se querem que haja tempo para tudo.
Dito isto, passemos às comunicações propriamente ditas. O seu programa está afixado neste post, por isso não me irei referir a ele pormenorizadamente.
O primeiro bloco de comunicações, sexta-feira ao fim da tarde, tinha a intenção de dar um retrato do PCP em três fases distintas da sua história: a sua origem, o período da Frente Popular defendida no VII Congresso da Internacional Comunista e depois uma experiência menos importante de frentismo, verificada entre 1956 e 1958, e que resultou do XX Congresso do PCUS. Quanto a mim, e por isso interroguei a mesa sobre este aspecto, faltava a experiência importantíssima de frentismo dos anos da II Guerra Mundial, que em Portugal tiveram repercussão na criação do MUNAF e no MUD. A mesa concordou.
O segundo bloco desse dia, com um trabalho que será igualmente apresentado no Congresso sobre Marx, referia-se às posições de Mário Dionísio em relação ao PCP, de que tinha sido seu militante, quando este no seu livro A Paleta e o Mundo estabelece uma clara distinção entre a liberdade de criação artística existente na União Soviética nos primeiros anos da revolução e o que depois se veio a verificar, com a imposição do realismo socialista, facto que até à data o PCP tinha ignorado. O autor estabelece claramente uma distinção entre os dois períodos, criticando certa historiografia universitária inglesa revisionista que tem insistido na tecla de que o período leninista da liberdade artística, que dura até 1934, anunciaria o período repressivo estalinista. Confrontei o autor da comunicação sobre aquilo que é hoje para mim uma pedra de toque de toda a historiografia oficial reaccionária e não só, também social-democrata, de que não haveria diferenças entre aqueles dois períodos, que a União Soviética, desde o início, tinha sido “um imenso Gulag”. Em resposta o autor, fugindo um bocado à minha pergunta, responde-me, e bem, que no PCP, pelo menos no apogeu do neo-realista, os comunistas também eram responsáveis por essa confusão, ao não valorizarem ou nem sequer reconhecerem a diferença, no campo da arte, entre os dois períodos.
Depois segue-se uma comunicação relativa a um inquérito sociológico de Manuel Loff , que publicou recentemente um livro interessante, O Nosso Século é Fascista, e de Bruno Monteiro sobre a adesão comunista em Portugal (1960-1974), com trabalho de campo junto de operários que aderiram ao PCP naqueles anos.
No Sábado de manhã, incapaz de me levantar cedo, não pude assistir às comunicações também de inquérito sociológico – que me perdoem os sociólogos, sobre a terminologia que estou aqui a usar – relativas às comunistas do Couço, às companheiras das casa do Partido e aos testemunhos autobiográficos de autores comunistas. Ainda cheguei a tempo de assistir à parte final desta última comunicação e ao debate relativo às anteriores, que me pareceram bastante interessantes. Pecando provavelmente por excesso, consideraria todo este conjunto, mais um intervenção que houve da parte da tarde sobre mineiros, como as mais interessantes do Colóquio, já que pelo tipo de pesquisa que empreendem, fogem ao estereotipo ideológico sobre o PCP e a sua história.
O segundo bloco da manhã foi dedicado ao maoismo em Portugal e aos Partidos ML. Foram apresentadas comunicações bem informadas, académicas, que só muito indirectamente tomavam partido por esta causa. Permitiram durante a sua apresentação os momentos mais relaxantes do Colóquio, já que a terminologia usada naquele tempo por estes movimentos era de facto espantosa. Houve alguém que atrás de mim identificou, uma das fases mais ridículas que foram apresentadas, como do João Isidro, recentemente falecido.
Os blocos da parte da tarde foram os mais polémicos. Apesar da primeira intervenção, que coube a João Madeira, não apresentar essas características. Foi relativa à defesa que o PCP fez em Maio de 64, pelo efeito da cisão Martins Rodrigues, de acções especiais para acompanharem as manifestações do 1º de Maio e nalguns casos propondo interligação dessas acções com as próprias manifestações. Essas acções especiais consistiam em actos de sabotagem, corte de linhas de alta tenção, ataques à polícia, etc. Na zona de Grândola esse tipo de acções chegou a concretizar-se com rebentamentos, sem qualquer efeito, em pontes, visando isolar o Concelho. Posteriormente, foram abandonadas e até, segundo percebi, criticadas. O autor considerou-as como um desvio esquerdista. Desconhecia estes episódios.
A intervenção mais polémica e quanto a mim completamente descabelada, e tanto mais grave visto que pretende vir a ser uma tese de doutoramento, foi a de Raquel Varela sobre o papel do PCP no processo revolucionário de 1974-75. Esta autora irá apresentar no Congresso sobre Marx uma comunicação semelhante, cujo nome é O PCP no PREC.
Raquel Varela que estudou um período muito curto da nossa Revolução, entre o 25 de Abril e o VII Congresso do PCP, em Outubro de 74, formula a tese muito defendida em alguns meios esquerdistas que o PCP traiu a Revolução aliando-se à burguesia e reprimindo as suas aspirações populares. Chegou mesmo a dizer que a burguesia devia fazer uma estátua ao PCP porque foi este Partido que permitiu que a democracia se implantasse em Portugal. Deixando-se arrastar por estas considerações chega a afirmar que o principal objectivo do PCP era entregar Angola ao MPLA e por isso aos soviéticos. Aqui recorre já ao arsenal reaccionário, que tem muitas vezes defendido este ponto de vista. Esta comunicação pela terminologia usada, pelos preconceitos que manifesta fugiu ao espírito que até aí vinha prevalecendo, de estudo sereno e académico da realidade, para passar à pura construção e manipulação ideológica. Raquel Varela assenta toda a sua interpretação nos comunicados do PCP e nas entrevistas dos seus dirigentes, no entanto parte de um parti-pris tão grande contra aquele Partido que é incapaz de interpretar a realidade. Um só exemplo, na sua comunicação afirma que a burguesia contou com a colaboração do PCP no primeiro Governo Provisório do Spínola. Na sala estava um “capitão de Abril”, o Luz, de que não me recordo o primeiro nome, que no final esteve a falar comigo e que me contou o seguinte: quem quis que o PCP estivesse representado no primeiro Governo Provisório tinham sido os capitães, que achavam que o PCP era imprescindível, e que o Spínola tinha acedido porque considerava que era melhor ter o PCP ao pé de si do que longe. Ou seja, dizia este “capitão” Luz a “burguesia” era eu e os meus camaradas. Como por vezes a história tem meandros que são mais simples do que as grandes construções que sobre ela fazemos.
Depois seguiu-se a intervenção de um brasileiro, Valério Arcary, que também vem apresentar uma comunicação ao Congresso Marx e que falou com aquela descontracção própria dos brasileiros. Apesar de ser favorável à interpretação da oradora anterior, soube com grande subtileza pôr o problema noutros termos e com outra elevação, chegando mesmo a afirmar que a interveniente tinha que refazer algumas interpretações da sua tese.
No bloco seguinte e último, aquele que teve que ser a mata-cavalos, houve uma intervenção um pouco semelhante à de Raquel Varela, disseram-me que o orador era seu marido, mas agora virada para a posição do PCP sobre o Estado, principalmente sobre o livro de Álvaro Cunhal A Questão do Estado, a Questão Central de Cada Revolução. Pareceu-me também influenciada por um certo esquerdismo, mas dados os saltos que o autor teve que fazer para concluir a sua intervenção é um pouco difícil chegar àquela conclusão. Depois tivemos a já referida intervenção sobre os mineiros, que continuavam a ser mineiros sem trabalharem na mina. Com um relato bastante interessante sobre a diferença entre o ser mineiro no passado e o ser mineiro hoje, gente especializada na condução de máquinas, que se desloca de mina em mina, sem ter raízes em parte nenhuma.
Por último e a encerrar os trabalhos tivemos o ponto político de Ana Barradas, a companheira de Francisco Martins Rodrigues, que explanou as etapas do seu pensamento e que simultaneamente não deixou de traçar um panorama catastrófico do que tinha sido a história do movimento comunista e a situação da revolução mundial. O objectivo já não era apresentar uma comunicação académica mas formular preocupações políticas. Estou na maioria dos casos em desacordo com o que disse, mas considero-a mais como uma opinião política do que histórica.
Termino reconhecendo os méritos da iniciativa, mas achando que um debate destes tem que ser feito, com a participação de gente que ainda permanece comunistas, mas que já saiu do PCP, para nos contarem a sua história, com a colaboração de historiadores e investigadores académicos. Isto porque o PCP se recusa a fazer a sua história, como em Congresso ficou decidido.
Vai realizar-se nos dias 14, 15 e 16 de Novembro, na faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, o Congresso Internacional Karl Marx. A organização é da Cultura, do Instituto de História Contemporânea e da Transform!. Para obter o programa completo, clique aqui .
Pretendia inserir o programa neste post. Mas, como estas habilidades dão sempre muito trabalho, achei que era melhor remeter os interessados para o próprio site onde está toda a programação, com o nome das comunicações e dos seus autores.
Para fazer a ligação com o capítulo seguinte, gostaria de realçar que algumas das comunicações apresentadas neste Congresso têm o mesmo protagonista e título de outras que foram apresentadas no Colóquio de Os Comunistas em Portugal.
Devo confessar que, quando tive conhecimento que este Congresso ia ter lugar, imaginei que as comunicações seriam referentes a aspectos da obra de Marx, principalmente à parte filosófica, política e económica, e que eu não tinha nada preparado, nem estava particularmente activo na reflexão sobre o seu pensamento.
Hoje, depois de ver o programa e de o confrontar com algumas das comunicações que foram apresentadas no Colóquio sobre Os Comunistas em Portugal, fico triste porque o texto que elaborei e a que dei o nome O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril, aqui publicado, e também neste blog, não era inferior a outros que eu já conheço e que são comuns às duas realizações. No fundo este Congresso tem uma abrangência tão vasta, que quase tudo pode ser incluído, e, com muito mais razão, qualquer reflexão sobre o Partido Comunista, como era o meu caso. A uma semana do Congresso já não vou a tempo de apresentar qualquer comunicação. Paciência, é a vida.
1º Colóquio “Os Comunistas em Portugal”
Este Colóquio, que foi publicitado neste blog, realizou-se no passado fim-de-semana, na Biblioteca Museu República e Resistência.
Há que sublinhar que ele foi organizado pela revista Política Operária, que foi dirigida por Francisco Martins Rodrigues (FMR) até à sua morte, ocorrida há alguns meses. Chico Martins, como era mais conhecido, era um dissidente dos anos 60 do PCP, tendo o seu afastamento resultado de sérias divergências políticas com este Partido, quer no modo como encarava a Revolução em Portugal, quer pela posição pró-chinesa que assumiu no dissídio sino-soviético, quer quanto ao papel que Estaline desempenhou na União Soviética. Pode-se dizer, para simplificar, que FMR saiu pela esquerda do PCP e assim se manteve até ao final da vida. Por isso, sem o nomear explicitamente este Colóquio era também uma homenagem àquele revolucionário. Muitos dos oradores a isso se referiram.
Era evidente que estas opções determinaram que o Colóquio fosse mais a defesa de uma determinada concepção política, do que uma reflexão desapaixonada sobre o Movimento Comunista em Portugal. No entanto, houve a preocupação de convidar maioritariamente académicos, com estudos feitos nesta área que, na maioria dos casos, reflectiram serenamente sobre a história, a sociologia e até a antropologia do comunismo e dos comunistas em Portugal. Não fosse algumas reflexões mais apaixonadas, que depois referirei, estávamos perante uma selecção bastante razoável do pensamento académico sobre o assunto. Faltaram, no entanto, e eu sei que tentaram convidá-los, o João Arsénio Nunes, que esteve presente durante a maioria das comunicações e que é um dos poucos historiadores do PCP, filiados no Partido, com trabalhos publicados nesta área, e o José Neves, que tem uma tese de doutoramento sobre Comunismo e Nacionalismo em Portugal – Política, Cultura e História no Século XX, e cuja defesa presenciei e que foi por mim assinalada neste post. É provável que haja muitos outros trabalhos notáveis de académicos sobre os comunistas, mas que eu não conheço.
Um dos males do Colóquio, é que se pretendeu meter o Rossio na Rua da Betesga, provavelmente o que irá suceder no Congresso que se lhe segue. Facto extremamente difícil de controlar, dado que ao pretender abranger um vasto leque de temas é preciso forçar a pontualidade do começo das sessões. Assim, a partir de certa altura fomos a mata-cavalos, sem tempo para a discussão e obrigando os intervenientes a terem que cortar nas suas intervenções. É sempre difícil, nestes casos, conseguir um balanço entre tudo aquilo que se quer comunicar e o seu debate. São opções que os organizadores têm que assumir e utilizar pulso de ferro se querem que haja tempo para tudo.
Dito isto, passemos às comunicações propriamente ditas. O seu programa está afixado neste post, por isso não me irei referir a ele pormenorizadamente.
O primeiro bloco de comunicações, sexta-feira ao fim da tarde, tinha a intenção de dar um retrato do PCP em três fases distintas da sua história: a sua origem, o período da Frente Popular defendida no VII Congresso da Internacional Comunista e depois uma experiência menos importante de frentismo, verificada entre 1956 e 1958, e que resultou do XX Congresso do PCUS. Quanto a mim, e por isso interroguei a mesa sobre este aspecto, faltava a experiência importantíssima de frentismo dos anos da II Guerra Mundial, que em Portugal tiveram repercussão na criação do MUNAF e no MUD. A mesa concordou.
O segundo bloco desse dia, com um trabalho que será igualmente apresentado no Congresso sobre Marx, referia-se às posições de Mário Dionísio em relação ao PCP, de que tinha sido seu militante, quando este no seu livro A Paleta e o Mundo estabelece uma clara distinção entre a liberdade de criação artística existente na União Soviética nos primeiros anos da revolução e o que depois se veio a verificar, com a imposição do realismo socialista, facto que até à data o PCP tinha ignorado. O autor estabelece claramente uma distinção entre os dois períodos, criticando certa historiografia universitária inglesa revisionista que tem insistido na tecla de que o período leninista da liberdade artística, que dura até 1934, anunciaria o período repressivo estalinista. Confrontei o autor da comunicação sobre aquilo que é hoje para mim uma pedra de toque de toda a historiografia oficial reaccionária e não só, também social-democrata, de que não haveria diferenças entre aqueles dois períodos, que a União Soviética, desde o início, tinha sido “um imenso Gulag”. Em resposta o autor, fugindo um bocado à minha pergunta, responde-me, e bem, que no PCP, pelo menos no apogeu do neo-realista, os comunistas também eram responsáveis por essa confusão, ao não valorizarem ou nem sequer reconhecerem a diferença, no campo da arte, entre os dois períodos.
Depois segue-se uma comunicação relativa a um inquérito sociológico de Manuel Loff , que publicou recentemente um livro interessante, O Nosso Século é Fascista, e de Bruno Monteiro sobre a adesão comunista em Portugal (1960-1974), com trabalho de campo junto de operários que aderiram ao PCP naqueles anos.
No Sábado de manhã, incapaz de me levantar cedo, não pude assistir às comunicações também de inquérito sociológico – que me perdoem os sociólogos, sobre a terminologia que estou aqui a usar – relativas às comunistas do Couço, às companheiras das casa do Partido e aos testemunhos autobiográficos de autores comunistas. Ainda cheguei a tempo de assistir à parte final desta última comunicação e ao debate relativo às anteriores, que me pareceram bastante interessantes. Pecando provavelmente por excesso, consideraria todo este conjunto, mais um intervenção que houve da parte da tarde sobre mineiros, como as mais interessantes do Colóquio, já que pelo tipo de pesquisa que empreendem, fogem ao estereotipo ideológico sobre o PCP e a sua história.
O segundo bloco da manhã foi dedicado ao maoismo em Portugal e aos Partidos ML. Foram apresentadas comunicações bem informadas, académicas, que só muito indirectamente tomavam partido por esta causa. Permitiram durante a sua apresentação os momentos mais relaxantes do Colóquio, já que a terminologia usada naquele tempo por estes movimentos era de facto espantosa. Houve alguém que atrás de mim identificou, uma das fases mais ridículas que foram apresentadas, como do João Isidro, recentemente falecido.
Os blocos da parte da tarde foram os mais polémicos. Apesar da primeira intervenção, que coube a João Madeira, não apresentar essas características. Foi relativa à defesa que o PCP fez em Maio de 64, pelo efeito da cisão Martins Rodrigues, de acções especiais para acompanharem as manifestações do 1º de Maio e nalguns casos propondo interligação dessas acções com as próprias manifestações. Essas acções especiais consistiam em actos de sabotagem, corte de linhas de alta tenção, ataques à polícia, etc. Na zona de Grândola esse tipo de acções chegou a concretizar-se com rebentamentos, sem qualquer efeito, em pontes, visando isolar o Concelho. Posteriormente, foram abandonadas e até, segundo percebi, criticadas. O autor considerou-as como um desvio esquerdista. Desconhecia estes episódios.
A intervenção mais polémica e quanto a mim completamente descabelada, e tanto mais grave visto que pretende vir a ser uma tese de doutoramento, foi a de Raquel Varela sobre o papel do PCP no processo revolucionário de 1974-75. Esta autora irá apresentar no Congresso sobre Marx uma comunicação semelhante, cujo nome é O PCP no PREC.
Raquel Varela que estudou um período muito curto da nossa Revolução, entre o 25 de Abril e o VII Congresso do PCP, em Outubro de 74, formula a tese muito defendida em alguns meios esquerdistas que o PCP traiu a Revolução aliando-se à burguesia e reprimindo as suas aspirações populares. Chegou mesmo a dizer que a burguesia devia fazer uma estátua ao PCP porque foi este Partido que permitiu que a democracia se implantasse em Portugal. Deixando-se arrastar por estas considerações chega a afirmar que o principal objectivo do PCP era entregar Angola ao MPLA e por isso aos soviéticos. Aqui recorre já ao arsenal reaccionário, que tem muitas vezes defendido este ponto de vista. Esta comunicação pela terminologia usada, pelos preconceitos que manifesta fugiu ao espírito que até aí vinha prevalecendo, de estudo sereno e académico da realidade, para passar à pura construção e manipulação ideológica. Raquel Varela assenta toda a sua interpretação nos comunicados do PCP e nas entrevistas dos seus dirigentes, no entanto parte de um parti-pris tão grande contra aquele Partido que é incapaz de interpretar a realidade. Um só exemplo, na sua comunicação afirma que a burguesia contou com a colaboração do PCP no primeiro Governo Provisório do Spínola. Na sala estava um “capitão de Abril”, o Luz, de que não me recordo o primeiro nome, que no final esteve a falar comigo e que me contou o seguinte: quem quis que o PCP estivesse representado no primeiro Governo Provisório tinham sido os capitães, que achavam que o PCP era imprescindível, e que o Spínola tinha acedido porque considerava que era melhor ter o PCP ao pé de si do que longe. Ou seja, dizia este “capitão” Luz a “burguesia” era eu e os meus camaradas. Como por vezes a história tem meandros que são mais simples do que as grandes construções que sobre ela fazemos.
Depois seguiu-se a intervenção de um brasileiro, Valério Arcary, que também vem apresentar uma comunicação ao Congresso Marx e que falou com aquela descontracção própria dos brasileiros. Apesar de ser favorável à interpretação da oradora anterior, soube com grande subtileza pôr o problema noutros termos e com outra elevação, chegando mesmo a afirmar que a interveniente tinha que refazer algumas interpretações da sua tese.
No bloco seguinte e último, aquele que teve que ser a mata-cavalos, houve uma intervenção um pouco semelhante à de Raquel Varela, disseram-me que o orador era seu marido, mas agora virada para a posição do PCP sobre o Estado, principalmente sobre o livro de Álvaro Cunhal A Questão do Estado, a Questão Central de Cada Revolução. Pareceu-me também influenciada por um certo esquerdismo, mas dados os saltos que o autor teve que fazer para concluir a sua intervenção é um pouco difícil chegar àquela conclusão. Depois tivemos a já referida intervenção sobre os mineiros, que continuavam a ser mineiros sem trabalharem na mina. Com um relato bastante interessante sobre a diferença entre o ser mineiro no passado e o ser mineiro hoje, gente especializada na condução de máquinas, que se desloca de mina em mina, sem ter raízes em parte nenhuma.
Por último e a encerrar os trabalhos tivemos o ponto político de Ana Barradas, a companheira de Francisco Martins Rodrigues, que explanou as etapas do seu pensamento e que simultaneamente não deixou de traçar um panorama catastrófico do que tinha sido a história do movimento comunista e a situação da revolução mundial. O objectivo já não era apresentar uma comunicação académica mas formular preocupações políticas. Estou na maioria dos casos em desacordo com o que disse, mas considero-a mais como uma opinião política do que histórica.
Termino reconhecendo os méritos da iniciativa, mas achando que um debate destes tem que ser feito, com a participação de gente que ainda permanece comunistas, mas que já saiu do PCP, para nos contarem a sua história, com a colaboração de historiadores e investigadores académicos. Isto porque o PCP se recusa a fazer a sua história, como em Congresso ficou decidido.
7 comentários:
"Spinola preferia ter o PCP perto do que longe" - haverá melhor afirmação que esta para percebermos como os partidos e as correntes democratico-burguesas coptaram o PCP? Se nos primeiros meses do PREC o PCP não chamou uma única greve, se o paleio do Cunhal era a unidade com todos os sectores democraticos e a denuncia dos perigosos esquerdistas, há ainda quem tenha duvidas que o PCP não queria o avanço do processo revolucionário? Deixo aqui o eixo da linha do PCP na boca do proprio PCP... http://www.youtube.com/watch?v=C6kuAma7DJE
Resposta a Renato Teixeira
O exemplo que eu dei pretendia mostrar como a história é por vezes mais simples e mais complexa do que certas simplificações argumentativas.
Se se recorda, o PCP e o PS tinham assinado antes do 25 de Abril alguns acordos em relação à situação de Portugal. A ida dos dois para o Governo e a manutenção dos seus acordos no pós-25 de Abril era condição fundamental para garantir a instauração do regime democrático em Portugal. Constituía mesmo o ponto nº 1 do programa do PCP, e da chamada “Revolução Democrática e Nacional”, a “Destruição do Estado fascistas e instauração de um regime democrático”. Se o Spínola representava na altura da formação do primeiro Governo Provisório as correntes democrático-burguesas, eu tenho dúvidas. Provavelmente só se representava a ele e às correntes mais vagamente liberalizadas do anterior regime. Mas, mais do que isso, o Spínola entrou imediatamente em guerra com o PCP, com o Movimento Popular e com o MFA. Todo o Verão de 74 foi uma luta nesse sentido. A tentativa de Golpe Palma Carlos, os discursos contra o totalitarismo, e a manifestação da Maioria Silenciosa, são os passos dessa luta, que termina com uma grande mobilização popular, lançada pelo PCP e pela esquerda, que derrota finalmente o Spínola. Só uma grande distorção da história ou quem não viveu minimamente estes tempos é que não percebe isto. Daí o discurso que cita, que não sei quando foi pronunciado. Os apelos à unidade eram fundamentais para manter uma base de apoio suficientemente ampla que permitisse derrotar os intentos golpistas e restauracionistas de Spínola.
Por outro lado se leu o meu trabalho, que por acaso cito neste mesmo post, a propósito de outro assunto, reparará como eu analiso o discurso de chegada de Álvaro Cunhal ao aeroporto e como considero o programa do PCP relativo à Revolução Democrática e Nacional, como a defesa daquilo que já vinha do tempo do VII Congresso da Internacional Comunista, que era a defesa do Estado Intermédio que correspondia a uma aliança com amplas camadas, que variavam em função da época histórica, mas que no caso português eram as forças e classes anti-fascistas. Ora não se pensaria que em Portugal o PCP, com uma prática tão forte no movimento comunista internacional, fosse propor uma ruptura revolucionária com as camadas que tinham sido suas aliadas na véspera para instaurar a ditadura do proletariado. A verdade é que todos os “revolucionários” da época, por mais radicais que tivessem sido não tiveram o discurso e actuação convincente para convencer e conduzir as massas à tão almejada Revolução, ou seja, para empregar a expressão de Lenine, à ditadura do proletariado.
Depois da troca de impressões no colóquio Os Comunistas e no Congresso Karl Marx, estou a ler com atenção este seu artigo que aqui descobri: «O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril.»
Aproveito para uma correcção linguística (vale a pena corrigir porque aparece num título):
Les beaux esprits se rencontrent
Cumprimentos
PS: não devia desvalorizar o trabalho de Raquel Varela, apesar da «estranheza» que certamente lhe suscitou ao ouvi-lo pela primeira vez.
Caro Anónimo
Muito obrigado pela sua correcção linguística. Um dos meus terríveis defeitos, é por vezes cometer erros que não lembram ao diabo, o que pode levar à desvalorização dos textos que escrevo. É evidente que tinha que pôr o verbo a concordar com o sujeito, que é plural.
Quanto à Raquel Varela o que ela diz não é novo, foi sempre a interpretação que os “esquerdistas” deram da participação do PCP na Revolução. O próprio Chico Martins sempre disse isto nos seus textos. É evidente que Raquel Varela enfatizou excessivamente a sua posição, o que a torna indefensável à luz de qualquer raciocínio crítico contemporâneo.
É evidente, como já deve ter percebido pertenço a um grupo minoritário que veio do PCP e que se chama Renovação Comunista, o que significa no meu caso, que não renego o meu passado, que vivi intensamente como militante comunista que já era antes do 25 de Abril. Portanto, nada disto é estranho. Estranho é, e eu irei falar disso a propósito do Colóquio sobre Marx, que passados quase 35 anos sobre o 25 de Abril ainda se conservem aqueles pontos de vista tão arreigados. Mas isso é uma história muito mais longa.
Volte sempre.
Caro Jorge Nascimento Fernandes,
Há um "lapso" na sua "reportagem" sobre o Colóquio da "Política Operária": ao referir-se às comunicações sobre os partidos m-l, o autor de uma das frases que foi apresentada terá sido o recentemente falecido João Isidro, e não o Júlio Isidro! Apesar de ter piada, não é verdade.
Saudações cordiais,
Resposta a João Manuel Lopes Cordeiro
Muito obrigado pela sua correcção. Pareceu-me ter ouvido atrás de mim alguém falar em Júlio Isidro e como sabia que este apresentador tinha pertencido ao MRRP, pensei que a frase seria dele. Pelos visto não era de um Júlio, mas sim de um João. Já está corrigido.
Lá lhe troquei o nome. Chamei-lhe João quando é José. As minhas desculpas
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