26/09/2008

“O Socialismo Traído”


Pedi aos blogonautas, que nos seus blogs introduziram a pequena imagem referida nos posts anteriores, que nos explicassem a razão desse boneco. Como nenhum esteve para aí virado, tenho de admitir que ou ninguém me lê ou já criei suficiente entropia para não merecer qualquer resposta.
Mas não é sobre isto que venho falar e considero mesmo o assunto arrumado.
Foram publicadas ontem, como anexo ao Avante!, as Teses que a Direcção do PCP irá apresentar no XVIII Congresso daquele Partido. Apesar de alguns as considerarem como "literatura de terror" sou suficientemente masoquista para as tentar ler e dar, em post futuro, a minha opinião. Não me limitarei à notícia que foi publicada ontem no Público, que fala em “traição de dirigentes” como causa da derrota da URSS, tentarei, se para isso tiver forças e entusiasmo, apreciar outros pontos.
Hoje regresso a um dos meus “temas preferidos” que é o livro que foi publicado pelas Edições Avante!, que tem como título o Socialismo Traído. Por trás do colapso da União Soviética. Como se pode concluir pelos termos comuns utilizados as Teses têm uma relação directa com as preocupações manifestadas naquele livro. A terminologia usada nas Teses é mesmo “a traição de altos responsáveis do Partido e do Estado”, e ao contrário do que diz o Público, para quem esteja interessado em consultá-las, esta transcrição não é feita da página 15, mas da 17.
O Avante desta semana traz uma entrevista com os autores daquele livro, Thomas Kenny, economista, e Roger Keeran, historiador, militantes comunistas norte-americanos, bastante elucidativa de como o órgão oficial do PCP encara hoje o fim da União Soviética.
Da entrevista é de realçar, como já o tínhamos feito em artigo anterior a propósito do livro, a existência de duas tendências no PCUS: a de “direita”, “que defendia a incorporação de formas e ideias capitalistas”, e a de “esquerda”, que “apostava na luta de classes, num partido comunista forte e na defesa intransigente das posições da classe operária”, que os autores de forma mistificadora, comparam à linha menchevique e bolchevique existente antes da Revolução de Outubro. No artigo citado, eu já tinha referido quais os protagonistas de cada uma destas linhas. Poderíamos acrescentar a oposição entre Bréjenev e Andropov e Gorbatchov e Ligatchov, não referidas anteriormente. Os primeiros a representarem a direita e os segundos a esquerda.
Quanto aos períodos da história soviética em que cada uma destas linhas foi dominante os autores consideram que houve um primeiro período, nos anos 20, com a NEP, e com Bukharine, que afirmam que “ficou marcado não só pelo florescimento do capitalismo e dos sectores marginais e criminosos, mas também pelo alastramento de uma ideologia de direita, anti-socialista”. O que levado a letra justifica todos os abusos de Estaline ao mandar matar não só o seu principal ideólogo, Bukharine, como todos os aqueles que previamente foram classificados como marginais e criminosos.
Depois, segundo a entrevista, houve um “segundo período, mais prolongado e gradual”, que “teve início em meados dos anos 50, após a morte de Estaline. Khruchov foi a primeira peça deste puzzle.”
Como corolário destas afirmações o entrevistador conclui “praticamente todas as conquistas do socialismo que enumeraram na introdução do livro foram alcançadas em particular durante os anos 30, sob a direcção de Estaline…” e depois noutra pergunta acrescenta “mas se a tese do vosso livro está correcta, então as políticas de Estaline terão sido as mais correctas e as únicas que podiam garantir a construção do socialismo e defender as conquistas revolucionárias.” A que os autores respondem “o ódio a Estaline é tão cego e intenso que alguns críticos do nosso livro dizem que estamos errados e insistem que Estaline foi a causa do colapso da URSS”.
A terminar só gostaria de sublinhar o espantoso destas afirmações de que os ideólogos do PCP não se dão conta. Quando se defende que foi com Khruchov que começou a degenerescência do socialismo na URSS, está-se a retomar a velha tese maoista e “esquerdista” de que aquele político é o responsável pela instauração do capitalismo naquele país. No fundo andámos anos avalizar, com a ajuda de Cunhal, o comportamento da URSS, para virem agora os seus sucessores, como se nada se tivesse dito no passado, a publicarem no Avante! as velhas teses maoista sobre o fim do socialismo na URSS, com a ascensão da linha de direita, que na altura os pró-chineses chamavam revisionista.
A questão de Estaline, que parecia estar morta depois do XX Congresso do PCUS, e as teses maoistas que o pretendiam ressuscitar, e que tinham sido objecto de crítica severa, entram agora pela porta do cavalo, com pezinhos de lã, como se sempre no PCP se tivesse dito isto. É no fundo, como tenho afirmado, o sectarismo esquerdista a prevalecer.
É bom recordar também que nesta entrevista é retomada, sub-repticiamente, a velha tese estalinista que quanto mais o socialismo avança mais se agrava a luta de classes, o que serviu sempre para aquele político reprimir todos os seus opositores.
Não gostaria de terminar sem referir uma nota de rodapé com os dados biográficos de um dos apoiantes de Gorbatchov que foi citado na entrevista, Alekssander Iákovlev, cuja responsabilidade deve ser do entrevistador. Em que depois da descrição de um conjunto de malfeitorias que seriam da sua responsabilidade é dito que “faz publicar uma série de romances de escritores dissidentes e anti-soviéticos, bem como cerca de 30 filmes antes proibidos.” E termina, como justificando este excesso de liberalismo, “em Agosto de 1991 anuncia a decisão de abandonar o PCUS”. Como se não fosse um título de glória para alguém libertar filmes que anteriormente estavam proibidos. Este entrevistador nem sabe como os portugueses que conheceram o fascismo odeiam aqueles que lhes proibiam filmes.

PS.: A imagem que ilustra este post é de Bukharine, que tão vilipendiado é neste livro. Uma pequena homenagem a um dos heróis do movimento comunista. Mandado assassinar legalmente por Estaline.

4 comentários:

Anónimo disse...

Bon dia. É uma questão muito coplicada. Nós não vivemos na URSS naquela altura. Vivi na URSS, mas nasci em 1976, pagina 12 desse livro esta mais de que é verdade. Hove "trabalho de má fé" da parte do Gorbatchov. O conselheiro dele Iakovlev provavelmente éra agente da CIA, ja que o amigo de longa data do Gorbatchov e conselheiro pessoal, director de KGB Kaluguin éra agente da CIA e fugiu para EUA logo que pude. E esta lá de boa saude....Infelizmente...
Tire as conclusões...

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Por razões diversas só agora tenho oportunidade de responder a este comentário.
Quando se reduz o fim de um Estado e de um regime com mais de setenta anos e com a força e potência que tinha a URSS à traição dos seus dirigentes, estamos de certeza a reduzir a história a um conjunto de conspirações e não ao seu verdadeiro motor que é a luta de classes, e a alteração da correlação forças sociais existentes em cada época. Para mim o fim da União Soviética é bem mais complicado e exige uma verdadeira interpretação marxista do que se passou. Quanto ao papel de Iakovlev, não sei, nem para este facto era relevante, se era agente da CIA ou não. O que nos dias de hoje não se pode é acusar alguém por ter permitido a exibição de 30 filmes que anteriormente estavam proibidos de ser um traidor ou um agente do inimigo. Isso não aceito.

Anónimo disse...

30 filmes não estão em causa...O mundo inteiro (capitalista) estava contra a URSS é uma GRANDE realidade...Não podemos de esqueser disso. No meu ponto de vista Iakovlev é um autentico traidor (que traiu as ideais comunistas, socialismo e a URSS). tal traidor como Gorbatchov, Kaluguin, Ieltsin e muitos outros. o sistema corrosiu por dentro e apodreceu... com ajuda deles.
Obrigado

Anónimo disse...

Hum... discursos preconceituosos, interpretações baratas, análises à luz de mitos burgueses... e por fim, mentiras descaradas são as principais armas dos anti-comunistas...

O livro não diz que a causa do colapso da URSS está nas políticas de Gobatchov. Isso é mentira. Não tem vergonha de ser mentiroso?
O que o livro faz, como qualquer cientista honesto deve fazer, é atribuir a Gorbatchov a culpa que ele tem, dentro do contexto em que pode actuar, na liderança de um partido governante, que tomava decisões em órgãos colectivos, e que tinha para além do mais a sua democracia interna.
Mas o livro passa várias páginas a discutir a segunda economia. Ou não é assim? Discute o papel do Bukarine. Discute o papel de Breznev, de Kruschov, e até (pasme-se) de Staline...

Um dos factores que o livro discute é a política suicida de entregar a elementos anti-socialistas o controlo de órgãos importantes do estado. De uma forma mais geral, o livro faz referência à forma marreta e abalroada como todas as reformas foram conduzidas.

"estamos de certeza a reduzir a história a um conjunto de conspirações e não ao seu verdadeiro motor que é a luta de classes"
O que há de errado neste frase? Afinal de contas, atribuir parte (não toda) a culpa a Gorbatchov é "reduzir a história a um conjunto de conspirações", mas atribuir toda a culpa a Staline, isso já não é "reduzir a história a um conjunto de conspirações"?
Quando se atribui toda a culpa aos "abusos de Staline", aí já estamos a fazer uma análise séria?

Epitácio Lemos