07/09/2008

O sectarismo pequeno burguês de fachada socialista


Por ter estado ausente de Lisboa não tinha ainda folheado o Avante de 28 de Agosto. Mão amiga chamou-me a atenção para o artigo de José Manuel Jara (JMJ), Bloco de Esquerda: um neo-reformismo de fachada socialista, que parafraseava o título da célebre obra de Álvaro Cunhal, O Radicalismo pequeno burguês de fachada socialista, cuja a primeira edição, clandestina, é das Edições “Avante!”, de 1970.
JMJ nos anos idos da revolução já tinha escrito alguns textos sobre o “esquerdismo”. Posteriormente, transformou-se em defensor do templo e sempre que este é ameaçado vem à praça pública dizer de sua justiça.
Mas não são os seus dotes como porta-voz ideológico das posições do PCP que me interessa analisar. Este post refere-se unicamente ao artigo que dedica ao Bloco de Esquerda.
Não me vou envolver na discussão sobre a ideologia do Bloco, já que não sou militante daquele Movimento, nem para isso fui incumbido, limito-me só ao que está escrito por JMJ.
JMJ passa todo o artigo a tentar encontrar contradições nos textos dos principais responsáveis políticos do Bloco, mas, acima de tudo, a gozar (agora, o BE contenta-se, no que poderão chamar-se «relações de produção», com uma vaga alusão à não privatização da «água» e da «energia», como bens «públicos» … Acrescentemos poeticamente, e o mar, e o sol, e o céu?...), a desvirtuar (a facilidade com que se dá a volta a Portugal a pé contra o «desemprego», e a facilidade com que se volta à Europa a votar, eis a expressão acabada do idealismo e da inanidade do «movimento»), a enumerar vocábulos tirados do seu contexto (a ideologia baseia-se num discurso fluente e redundante onde vocábulos como «novo», «moderno», «modernizador», «aberto», «plural», «social», «socialista», «popular», «alternativo», «radical», «democrático», «mudança», vão alternando sem grande preocupação com o referente e a realidade), de modo que o leitor fica com a ideia que o Bloco não é capaz de juntar duas ideias seguidas. No fundo, uns pobres de espírito que não têm norte, nem sabem o que querem. A isto se resume todo o articulado de quatro páginas de escrita cerrada a descascar num movimento político que, para azar do PCP lhe come as franjas e se implanta nas suas margens, ao contrário do que tinha sucedido com os antecessores daquele movimento. Os tempos também eram outros e diferente era a intervenção política do PCP.
Resumindo, podemos dizer que, no essencial, tirando esse contínuo jogo de palavras e de pequenas citações, não há qualquer ideia que atravesse o texto. A sua pobreza ideológica é evidente.
Mas no final, JMJ achando que a sua prosa tinha que ser apimentada por uma citação de um clássico, lá vai recorrer a Rosa Luxemburgo e ao seu Reforma e revolução. No fundo, para classificar o BE como reformista e eleitoralista, penso que por contraposição ao PCP, considerado como partido revolucionário.
É uma ideia feita considerar-se o PCP como o Partido revolucionário, capaz de, estando as condições objectivas reunidas, empreender a revolução e instaurar o socialismo em Portugal. Como tentei provar aqui e aqui e em textos anteriores, aí igualmente citados, há muito que o PCP e o próprio movimento comunista, ainda no tempo da III Internacional, tinham abandonado a defesa da ruptura revolucionária com o sistema poder da burguesia, e encarado a transformação social como passando por diversas etapas intermédias, que, consoante o momento histórico, assumiam diferentes objectivos. Assim, no caso do PCP no tempo do fascismo propunha-se como programa a Revolução Democrática e Nacional e hoje, numa época de relativa estabilidade do capitalismo e de consenso democrático, defende-se Uma democracia avançada no limiar do século XXI. Ou seja, deixa cada vez mais de ter sentido andarem as diferentes forças de esquerda, e neste caso o PCP, a chamarem-se umas às outras reformistas e eleitoralistas, quando há muito que assumiram, dada a conjuntura de resistência e de domínio do capitalismo, objectivos políticos limitados e inseridos estritamente na legalidade democrática.
É de puro delírio político que o PCP a propósito de tudo e de nada continue a fazer propaganda das teses leninistas sobre a Revolução, que visavam, na época, a instauração da ditadura do proletariado, quando há muito que cortou essa expressão do seu próprio programa político.
O mal do PCP é que, incapaz de perceber isto, continua de forma esquizofrénica a defender em teoria coisas que depois na prática não aplica. Há por isso um desfasamento entre a doutrina que se conserva pura (o marxismo-leninismo) e a prática diária que exige outro tipo de acção. E se isto durante a existência de Cunhal era feito com alguma subtileza, de que se realça a sua formulação relativa à Revolução Democrática e Nacional, mas, posteriormente ao 25 de Abril, com a defesa da maioria de esquerda ou do favorecimento ao aparecimento do PRD, o partido do Eanes. Hoje, devido ao sectarismo galopante da Direcção do PCP, essa conduta caracteriza-se por um fechamento e isolamento na sociedade portuguesa que, se momentaneamente colhe alguns frutos, invertendo a queda eleitoral a que aquele Partido vinha a sofrer, torna impossível a criação de qualquer saída alternativa para a actual situação política.
Parece-me pois que este texto de JMJ mais não faz do que errar o alvo, confundindo os interesses sectários e isolacionistas do PCP actual, com o combate do PCP dos anos 70 contra uma deriva esquerdista que ameaçava perigosamente os objectivos nacionais do derrube do fascismo em Portugal.

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