Fui ao lançamento do deste livro de Miguel Cardina, mas ainda não tinha tido oportunidade de o ler. Uns poucos dias de “molho” e eis que surge a ocasião. Lê-se numa tarde.
O próprio ante título deste livro diz tudo sobre o mesmo. “O essencial sobre”.
Estamos pois perante um pequeno resumo sobre aquilo que o autor entende por esquerda radical, principalmente no contexto sócio-político e ideológico dos anos sessenta e princípios de setenta do século passado.
Podemos reduzir a três os capítulos que o compõem. Primeiro uma visão da esquerda radical a nível internacional nos anos sessenta, depois a situação portuguesa com a descrição dos movimentos maoistas que, tal como cogumelos, surgiram nessa altura e depois de outros movimentos que o autor inclui na esquerda radical. Por último, a posição dos movimentos atrás referidos em diferentes contextos, que vão desde a guerra colonial, aos comportamentos humanos, e à recepção em Portugal das novidades ideológicas estrangeiras.
Podemos dizer que no “essencial” este livro cumpre com o seu objectivo dando-nos a informação indispensável à compreensão de uma época. Podemos dizer que há algum desequilíbrio entre uma informação bastante pormenorizada sobre a instalação das correntes maoistas em Portugal, que é completado com um célebre quadro que o autor já tinha divulgado em colóquios anteriores sobre o mesmo tema, e que tem sido objecto de grandes encómios, e o resto do livro. Penso que isto resulta de ser este o tema da tese de doutoramento de Miguel Cardina.
Dito isto, que me parece ser motivo suficiente para uma compra e leitura do mesmo, achei que devia discutir dois assuntos que o mesmo me suscitou.
Primeiro o título do livro. O autor, e bem, justifica a opção para designar todos os movimentos surgidos naqueles anos como “esquerda radical”. Considera que seria parcial chamá-los de “esquerdistas”, designação pela qual eram denominados pelo movimento comunista pró-soviético, de acordo com o livro clássico de Lenine, “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” e de “esquerda revolucionária”, como alguns deles se gostavam de designar, por se oporem ao PCP “reformista”.
Simplesmente esqueceu o autor que em algumas traduções do livro de Lenine o termo “esquerdismo” se traduz por “radicalismo de esquerda”, o que não sendo a mesma coisa que esquerda radical, é no entanto bastante semelhante. É mesmo por esse termo, substituindo esquerda por pequeno-burguês, que Álvaro Cunhal designa alguns daqueles movimentos, chamando-lhes com acinte “radicais pequeno-burgueses de fachada socialista”. Por outro lado, a esquerda radical é ainda hoje a forma como Sócrates e alguns socialistas se referem aos movimentos que se situam à sua esquerda. Aparecendo o PS como uma esquerda moderada oposta a esses tais radicais. Pelas razões apontadas faz-me alguma comichão esta designação. Preferia provavelmente a da "extrema-esquerda" ou então de "extrema-esquerda radical", o que, parecendo ser o mesmo que "esquerda radical", não é vulgarmente utilizada nas diferentes acepções que eu acima referi.
Um segundo ponto refere-se ao primeiro capítulo. O autor tem a preocupação de dar muito rapidamente uma visão histórica dos diferentes modelos de acção e organização que se podem incluir na esquerda radical. Num deles, que o autor denomina “partido revolucionário”, que corresponde grosso modo à formação dos partidos comunistas e da III Internacional e aos dissídios posteriores (trotskismo e maoismo), esquece completamente origem daquele modelo e da ruptura que estabeleceu com a social-democracia da II Internacional, no final da I Guerra Mundial. Penso mesmo que em quase toda a sua obra, esquece que na origem de todo o movimento socialista/social-democrata e comunista, como depois o iríamos conhecer, tem a sua origem, mesmo que seja em contraponto, na II Internacional e no principal partido social-democrata da época, o partido social-democrata alemão. Para ilustrar esta minha afirmação basta ver este pequeno parágrafo para se perceber o que escrevo.
“Depois do corte anarquista, na I Internacional, e do dissídio trotskista, o maoismo representa o terceiro grande cisma no movimento comunista internacional.” Ou seja, considera-se o anarquismo como um dissídio do comunismo e passa-se por cima da II Internacional e da criação do movimento comunista como o viríamos a conhecer no século XX. Quem fala a propósito da esquerda em Spartacus e em Thomas Müntzer não pode esquecer esta dissidência fundamental, com reflexos ainda nos dias de hoje, entre sociais-democratas e comunistas.
Que Miguel Cardina não me leve a mal mas isto foram só duas pequenas considerações sobre o seu livrinho, que em nada devem contribuir para a recusa da sua leitura, que recomendo.
O próprio ante título deste livro diz tudo sobre o mesmo. “O essencial sobre”.
Estamos pois perante um pequeno resumo sobre aquilo que o autor entende por esquerda radical, principalmente no contexto sócio-político e ideológico dos anos sessenta e princípios de setenta do século passado.
Podemos reduzir a três os capítulos que o compõem. Primeiro uma visão da esquerda radical a nível internacional nos anos sessenta, depois a situação portuguesa com a descrição dos movimentos maoistas que, tal como cogumelos, surgiram nessa altura e depois de outros movimentos que o autor inclui na esquerda radical. Por último, a posição dos movimentos atrás referidos em diferentes contextos, que vão desde a guerra colonial, aos comportamentos humanos, e à recepção em Portugal das novidades ideológicas estrangeiras.
Podemos dizer que no “essencial” este livro cumpre com o seu objectivo dando-nos a informação indispensável à compreensão de uma época. Podemos dizer que há algum desequilíbrio entre uma informação bastante pormenorizada sobre a instalação das correntes maoistas em Portugal, que é completado com um célebre quadro que o autor já tinha divulgado em colóquios anteriores sobre o mesmo tema, e que tem sido objecto de grandes encómios, e o resto do livro. Penso que isto resulta de ser este o tema da tese de doutoramento de Miguel Cardina.
Dito isto, que me parece ser motivo suficiente para uma compra e leitura do mesmo, achei que devia discutir dois assuntos que o mesmo me suscitou.
Primeiro o título do livro. O autor, e bem, justifica a opção para designar todos os movimentos surgidos naqueles anos como “esquerda radical”. Considera que seria parcial chamá-los de “esquerdistas”, designação pela qual eram denominados pelo movimento comunista pró-soviético, de acordo com o livro clássico de Lenine, “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” e de “esquerda revolucionária”, como alguns deles se gostavam de designar, por se oporem ao PCP “reformista”.
Simplesmente esqueceu o autor que em algumas traduções do livro de Lenine o termo “esquerdismo” se traduz por “radicalismo de esquerda”, o que não sendo a mesma coisa que esquerda radical, é no entanto bastante semelhante. É mesmo por esse termo, substituindo esquerda por pequeno-burguês, que Álvaro Cunhal designa alguns daqueles movimentos, chamando-lhes com acinte “radicais pequeno-burgueses de fachada socialista”. Por outro lado, a esquerda radical é ainda hoje a forma como Sócrates e alguns socialistas se referem aos movimentos que se situam à sua esquerda. Aparecendo o PS como uma esquerda moderada oposta a esses tais radicais. Pelas razões apontadas faz-me alguma comichão esta designação. Preferia provavelmente a da "extrema-esquerda" ou então de "extrema-esquerda radical", o que, parecendo ser o mesmo que "esquerda radical", não é vulgarmente utilizada nas diferentes acepções que eu acima referi.
Um segundo ponto refere-se ao primeiro capítulo. O autor tem a preocupação de dar muito rapidamente uma visão histórica dos diferentes modelos de acção e organização que se podem incluir na esquerda radical. Num deles, que o autor denomina “partido revolucionário”, que corresponde grosso modo à formação dos partidos comunistas e da III Internacional e aos dissídios posteriores (trotskismo e maoismo), esquece completamente origem daquele modelo e da ruptura que estabeleceu com a social-democracia da II Internacional, no final da I Guerra Mundial. Penso mesmo que em quase toda a sua obra, esquece que na origem de todo o movimento socialista/social-democrata e comunista, como depois o iríamos conhecer, tem a sua origem, mesmo que seja em contraponto, na II Internacional e no principal partido social-democrata da época, o partido social-democrata alemão. Para ilustrar esta minha afirmação basta ver este pequeno parágrafo para se perceber o que escrevo.
“Depois do corte anarquista, na I Internacional, e do dissídio trotskista, o maoismo representa o terceiro grande cisma no movimento comunista internacional.” Ou seja, considera-se o anarquismo como um dissídio do comunismo e passa-se por cima da II Internacional e da criação do movimento comunista como o viríamos a conhecer no século XX. Quem fala a propósito da esquerda em Spartacus e em Thomas Müntzer não pode esquecer esta dissidência fundamental, com reflexos ainda nos dias de hoje, entre sociais-democratas e comunistas.
Que Miguel Cardina não me leve a mal mas isto foram só duas pequenas considerações sobre o seu livrinho, que em nada devem contribuir para a recusa da sua leitura, que recomendo.
2 comentários:
Muito obrigado pela leitura crítica, Jorge. Duas justificações breves para as questões que levantas: a opção pelo título não foi simples, mas "extrema-esquerda" parecia-me mais redutor do que "esquerda radical", sobretudo porque aquela remetia para uma mais circunscrita dimensão política. Mesmo que o livro de Lenine tenha traduções que falam do "radicalismo de esquerda", a expressão "esquerdismo" é que me parece a mais evidentemente pejorativa, e usada sobretudo pelos sectores comunistas (seria, com algum exagero, como escrever um livro intitulado "O essencial sobre o Revisionismo" :-)). Além de que, no contexto francês, "gauchisme" evoca um nicho ideológico mais estrito (cf. As Origens do Esquerdismo, de Richard Gombin). Algo semelhante se passa com um livro de um dirigente francês da UEC, Claude Prévost, chamado "Os Estudantes e o Esquerdismo" (e publicado em Portugal pela Prelo em 1973).
A segunda chamada de atenção tem pertinência. Como o objectivo era sobretudo apontar as correntes radicais que nos anos 1960-1970 se valeram do modelo do partido revolucionário (maoísmo e trotskismo, grosso modo), acabei por não mapear os seus antecedentes na II e III Internacional. Intuí que isso fosse caminhar por uma estrada lateral para quem tinha pouco espaço (e a intenção sobretudo de abordar o caso português), mas talvez o pudesse ter referido com mais pormenor.
Caro Miguel
Reconheço que a discussão sobre o título é um pouco bizantina. Estou perfeitamente de acordo contigo que não se devia usar a expressão esquerdismo, para classificar o movimento. Sei que os franceses do PCF, na acepção de Lenine, utilizam frequentemente o termo “gauchisme”, mas eu dei-te o exemplo do nosso Cunhal que utiliza a expressão “radicalismo”, é evidente que depois lhe acrescenta alguns mimos, para classificar alguns desses grupos. Mas para te ser franco aquilo que mais me irrita é a utilização abusiva que Sócrates faz do termo radical de esquerda para classificar os movimentos à sua esquerda, aparecendo ele como a esquerda moderada. Mas sobre o nome foi mais um desabafo de que outra coisa.
Quanto ao segundo tema penso que em duas ou três linhas, como fazes com outras origens históricas, podias fazer referência à cisão mais importante que houve no movimento socialista desde que o conhecemos.
Um abraço
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