10/02/2009

“Temos Esquerda. Temos Bloco de Esquerda” – II


Depois de um texto provavelmente maçador e esquemático sobre onde podíamos hoje enquadrar politicamente o Bloco de Esquerda, passo finalmente à Convenção.
Segundo os organizadores, esta Convenção estava virada para mostrara uma maior afirmação do Bloco. As anteriores tinham tido lugar no Fórum Roma, mas para esta foi escolhido um Pavilhão, bastante grande e espaçoso, o do casal Vistoso, ao Areeiro. Já se sabe, como estávamos em Portugal e no Inverno passou-se um frio desgraçado naquele Pavilhão. Mas esquerda sem sofrimento não é possível.
Logo a abrir os trabalhos, o primeiro discurso de Louçã foi entremeado com vídeos de José Sócrates e os ataques que este costuma dirigir na Assembleia da República àquele dirigente. Resultou em cheio, é o estilo das brincadeiras dos Gatos Fedorentos aplicado a uma Convenção. Já no final, quando do discurso de encerramento, a projecção dos números que o Louçã ia debitando sobre a crise, já não tiveram tanto efeito, porque não coincidiam com o que ele dizia.
Na manhã de sábado discutiram-se os estatutos. Tema intrinsecamente aborrecido, mas devido a precedentes históricos, o mais célebre foi aquele que provocou a separação entre bolcheviques e mencheviques, a sua discussão tem por vezes grandes implicações práticas. Para sossego de todos, parece que nenhuma proposta contra as posições da actual linha maioritária teve qualquer vencimento. Disseram-me, que as principais alterações consistiam na criação de uma Jota, onde a Ruptura-FER, a “linha radical”, como ouvi na sala, tem implantação, e na alteração do modo de eleição da Comissão Política. A composição desta devia ser proporcional aos votos obtidos por cada lista. A composição da Mesa Nacional do Bloco já é proporcional.
O resto do tempo, até Domingo de manhã, passou-se a discutir a três moções em confronto, uma da Direcção que acabava o seu mandato nesta Convenção e outra de duas linhas bastante minoritárias. Ou seja, discutir não é bem o termo, como em toda a parte inscreviam-se defensores de cada uma das moções para as defender. Simultaneamente iam-se prestando contas e relatando lutas que se desenvolveram entre a anterior e esta Convenção. É o normal em encontros desta natureza.
Gostaria de destacar algumas intervenções quer pela importância política que revelam quer pelo seu pitoresco.
Pedro Soares, penso que responsável por Lisboa, falou das autárquicas para a capital. Disse que o Bloco se ia apresentar sozinho. Portanto, já estava a admitir que não iria apoiar a Helena Roseta. É interessante destacar que António Vitorino, no seu comentário político da segunda-feira, criticou o Bloco por recusar uma aliança em Lisboa, “mesmo com a Arq. Helena Roseta”. Esqueceu-se de dizer que aquela nem com o António Costa quererá estabelecer qualquer aliança. Mas isto faz parte da luta política actual, convém a António Vitorino mostrar que quem é sectário, a expressão é minha, a do comentador foi achar que o Bloco, nesta Convenção, actuou numa “lógica de defesa do aparelho partidário, numa lógica de defesa da camisola…”.
Por outro lado, Pedro Soares sublinhou que este PS não é o mesmo do tempo de Jorge Sampaio. Sobre isto tenho dúvidas. É uma má justificação para a ausência de convergências à esquerda.
Houve alguém que a propósito das declarações do Santos Silva, ofensivas para o Bloco e para o PCP, achou por bem contar uma história que já era do tempo do seu avô: quando um burro nos dá um par de coices, nós não respondemos com outros coices, albardamos o burro, montamo-lo e dirigimo-lo para onde nós queremos. Contada por mim provavelmente não terá graça nenhuma, pelo interveniente pôs a sala a rir às gargalhadas.
Um madeirense, de voz forte e verbo fácil, relatou também uma história interessante. Na Madeira, o Bloco de Esquerda, colocou um cartaz com um dos ministros do Governo Regional com um nariz de Pinóquio, gozando com as promessas que aquele tinha feito. Este processou logo o Bloco. No Continente, a JSD, esquecendo das atitudes que tinha tomado naquela ilha, faz o mesmo em relação a Sócrates. Particularidades do “reino” da Madeira.
Por piada, refiro também este facto. Victor Sarmento, ex-militante do PCP, que foi responsável há já algum tempo pelas Associações de Pais com filhos em idade escolar, e que é pena que não tivesse continuado, e agora militante do Bloco, foi o que fez a intervenção, pelo menos que eu tivesse notado, mais próxima das preocupações reais de um militante do PCP. Falou de organização e de fundos. Mesmo quando nos mudamos continuamos a pensar de acordo com a anterior matriz. Ainda bem, não me arrependo.
Por último, um pequeno apontamento. Falou-se muito, discutiram-se provavelmente coisas importantes. Mas as intervenções mais aplaudidas e mais sentidas foram daqueles bloquistas que falaram dos problemas concretos das lutas. Foi uma de um professor, que criticou com veemência uma intervenção “esquerdista” de alguém da Ruptura-Fer, que achava que o Nogueira era a correia de transmissão do PCP e defendia as tais organizações autónomas dos professores. Considerando que, se o Nogueira estava lá, foi porque essa tinha sido uma decisão maioritária dos professores e era na FENPROF que a luta devia prosseguir. Uma bela intervenção.
Tivemos também a de um operário dos estaleiros do Alfeite que falou da situação da sua empresa e da luta concreta dos seus trabalhadores. Penso que é isto que falta ainda ao Bloco, é esse enraizamento na vida real das populações. E nisso, em alguns casos, o PCP bate-o.

Não irei falar da intervenção final do Louçã. Deixo as apreciações políticas finais para um próximo post. Só gostaria de chamar a atenção para a terminologia usada durante toda a Convenção. Não se falou na estatização da economia mas sim de políticas públicas a propósito, por exemplo, dos bancos. E esta expressão parece-me muito mais feliz.

3 comentários:

Anónimo disse...

"Tivemos também a de um operário dos estaleiros do Alfeite que falou da situação da sua empresa e da luta concreta dos seus trabalhadores. Penso que é isto que falta ainda ao Bloco, é esse enraizamento na vida real das populações. E nisso, em alguns casos, o PCP bate-o."
- O verbo "Tivemos" diz tudo...Vejam lá senhores que até tivemos um Operário..podíamos muito bem passar sem ele---"falta ao bloco esse enraizamento na vida real"---- ò stôr mas isso é chato como a potassa...se assim fosse lá se ia o circo...começavam as contradições entre o pensamento e interesses pequeno burgueses face a vida dos operários e restantes trabalhadores assalariados----a Coisa é antiga tem pelo menos 100 anos já alguma vez se perguntou o porquê da cisão no partido Social Democrata Russo, que deu na rotura entre Bolcheviques e Mancheviques---Pensa vossa excelência que a coisa se deu porque uns gostavam de café e outros de chá. ----Olhe que não... olhe que não! ....foi por isso mesmo! porque a classe operária entrou em jogo e logo vieram ao de cima as contradições entre os marxistas e os que apenas sonhavam em ocupar um lugarzito, à mesa da alta burguesia.
-O desenvolvimento Histórico do Marxismo.
Lenine
Edições Avante

Anónimo disse...

"Não irei falar da intervenção final do Louçã. Deixo as apreciações políticas finais para um próximo post. Só gostaria de chamar a atenção para a terminologia usada durante toda a Convenção. Não se falou na estatização da economia mas sim de políticas públicas a propósito, por exemplo, dos bancos. E esta expressão parece-me muito mais feliz."

-Tem graça tou em querer que neste momento o grande Capital subscreve vossas excelências: Eles também não desejam a "estatização" da economia como vossa excelência a designa; estão mais interessados em politicas publicas e nos seus capitais. Que fixe menos Estado melhor Estado O Zé pagode que pague as despesas da Festa do neoliberalismo fascistóide.
No fundo tudo isto não é mais que a grande Valsa da burguesia tocada bem a compasso.

Anónimo disse...

Isto foi gamado no Antreus.

"Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprar bens caros, casas e tecnologia, fazendo-os dever cada vez mais, até que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos à falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado"

(in O Capital, escrito não agora mas em...1867)

O Homem era bruxo?!
-Não, não era só que estudou afundo
a natureza do capitalismo.