Ao contrário do meu amigo Fernando Penim Redondo, do DOTeCOMe…o Blog, eu não considero este assunto encerrado e penso, apesar do ridículo da situação, que todo o barulho que se fizer à volta dele nunca será de mais, pois nestes últimos dias inesperadamente a mentalidade censória, com proibições e autos de apreensão, voltou a atacar.
Ao contrário do que afirmava um comentário ao meu post anterior, a verdade é que a censura explícita a actividades artísticas e literárias concretas só muito raramente é que actuou depois do 25 de Abril e em qualquer dos casos com alguns protestos públicos. Estou-me a lembrar do célebre filme Pato com laranja interrompido a meio da sua exibição na RTP 1 (1983), por pressão de alguns espectadores muito incomodados com umas maminhas que tinham aparecido, e a apreensão pela Judiciária do livro O Bispo de Beja, de Homem Pessoa, editado, em 1980, por Vítor Silva Tavares, das Edições & etc” (ver aqui uma interessante entrevista com o editor, que conta a história deste caso). É bom que não confundamos actos verdadeiramente censórios, com todos aqueles que diariamente nos obrigam a dobrar a língua, a nos rebaixarmos perante o patrão ou que impedem os jornalistas de publicarem nos media as suas livres opiniões. Porque são coisas diferentes e exigem respostas diferentes. Se misturamos tudo, às duas por três não somos capazes de nos indignar e protestar contra aquilo que comezinhamente chamamos censura.
Mas voltemos ao que interessa. No caso de Braga, que penso que já é do domínio público, três polícias apreenderam um livro que tinha na capa uma reprodução do célebre retrato de Gustave Courbet, A Origem do Mundo (1866), hoje exposto no Museu d’Orsay, em Paris e que retrata o sexo de uma mulher em posição que se pode considerar sensual. Tal como em Torres Vedras, em relação a um autocolante com um pesquisa no Google sobre “mulheres”, em que algumas apareciam despidas, que preenchia o ecrã de um computador Magalhães gigante, também em Braga houve cidadãos, neste último caso, segundo a PSP, mais do que um e que já provocavam “crescente agitação e levantar de ânimos”, que se indignaram com a exibição de um sexo de mulher.
Portanto, para mim, além de umas autoridades parvalhonas, sempre prontas a zelarem pela "inocência" dos seus menores, o problema é dos cidadãos daquelas cidades, provavelmente respeitáveis chefe de família, que no esconso de uma esquadra ou de um tribunal são capazes de denunciar os seus semelhantes por exibirem aquilo que aos seus olhos não passa de maldade humana, ou seja, o que sempre indignou as Igrejas, a exibição da nudez, principalmente a feminina.
Os polícias, como sempre, comportam-se com aquela ignorância que já caracterizava a PIDE, quando apreendia, por exemplo, A República, de Platão, convencida que estava perante uma obra de propaganda aos ideais republicanos. Mas isso há-de ser sempre apanágio das polícias, já não deverá ser tanto de uma magistrada, que antes de se decidir a intervir, deveria ir ver o que estava a proibir. Mas também isso deve resultar da fraca cultura que inculcam nas nossas faculdades aos jovens estudantes.
Não estranharia se por detrás destes indignados cidadãos, que ao contrário da maioria, são os que me provocam mais repulsa, não estivesse a mão da Igreja, ou pelo menos, não fossem seus fiéis seguidores. No caso do livro atrás referido, “O Bispo de Beja”, foi um padre que fez a denúncia.
Quanto a Gustave Courbet (1819-1877), que hoje já era classificado como belga pela Televisão Pública, foi um grande pintor realista francês, de meados do século XIX, tendo sido considerado como o iniciador daquela corrente artística. Com cerca de cinquenta anos como republicano e socialista apoiou a Comuna de Paris, a primeira insurreição proletária, que durou entre 18 de Março e 28 de Maio de 1871, tendo sido eleito para o Conselho da Comuna, que governou Paris enquanto aquela subsistiu. Depois da repressão que se abateu sobre os communards (apoiantes da Comuna), Courbet foi preso e passou seis meses encarcerado, tendo em 1873, por um processo que lhe puseram relacionado com a sua actividade como communard, abandonado a França e indo morrer no exílio na Suíça. Hoje, quando um quadro seu é considerado por cidadãos obtusos e polícias estúpidos uma obra pornográfica, lembro aqui o intelectual comprometido como seu tempo e que sacrificou o descanso e a glória dos seus últimos anos pela verticalidade na acção.
Já estava este post publicado, quando começaram a chegar notícias com mais pormenores sobre o tinha acontecido em Braga.
Falava-se que a polícia interveio “para evitar desacatos”. Estes teriam sido provocados por crianças que repararam na capa do livro e chamaram mais para ver. As mães e os pais, em função da agitação dos filhos, foram também dar uma olhadela e todos juntos começaram a indignar-se com o conteúdo da capa, ameaçando “tomar medidas”. A ser verdade esta história, tudo isto cheira a histeria colectiva e de uns pais e umas mães que, não concordando, foram incapazes de levarem dali os filhos ou então, muito simplesmente, de dizerem que aquilo era parecido com o “pipi” delas. As criancinhas não foram o problema, foram os pais que, em nome delas quiseram dar asas à sua mentalidade retrógrada. Por isso, como tenho afirmado desde o princípio o problema não são só as polícias, mas sim os cidadãos que dão azo à sua veia delatora e persecutória.
Espantosamente a TVI dava a notícia destes factos afirmando que Courbet era um pintor renascentista. Será que naquela casa não haverá ninguém que antes de um noticiário consulte uma enciclopédia, nem que seja a wikipedia?
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4 comentários:
O teu post não tem nada a ver com a crítica que eu faço pois tu discorres, tens algumas ideias próprias sobre o assunto e acrescentas informação estruturante da análise.
Não é esse o caso da maior parte das referências a este e outros assuntos quando estão na moda.
Só não concordo com uma coisa que tu dizes: "a exibição da nudez, principalmente a feminina".
Na verdade a nudez masculina é muito mais intoleravel na nossa sociedade.
De qualquer forma penso que alguns casos anedóticos não chegam para que se comece a insinuar que vivemos numa "espécie de fascismo". Cuidado com os exageros.
És capaz de ter razão. No entanto, é mais fácil deserotizar o corpo masculino, dando-lhe um aspecto de virilidade, do que o da mulher. Mas isso é uma outra discussão.
Em todo o meu texto não há nada que diga que “vivemos numa espécie de fascismo”. Mais, na resposta que dou a outro comentário ao post anterior sublinho a diferença entre o que é a censura diária que temos que praticar quotidianamente e estes casos, que se contam pelos dedos, de censura oficial. Desgraçadamente, coincidência ou não, houve dois casos muito próximos.
Caro Fernando
Mais uma vez.
Neste aspecto tens toda a razão. Passei uma vista de olhos por alguns post de referência e são de uma pobreza atroz
Caro Jorge.
Um abraço e um obrigado por estes teus posts desassombrados cuja leitura é um instrutivo prazer.
L. Carvalho
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