01/01/2009

“Choque e Pavor”: a impotência da crítica “imparcial”


O blog a Terceira Noite, de Rui Bebiano, é no panorama da blogosfera um dos mais bem feitos. Artigos bem redigidos, com o tamanho conveniente, de modo a perceber-se o que o seu autor quer dizer. Por vezes, demasiado longos para dizer uma coisa simples, como o de classificar Santos Silva como aparátchik, coisa que todos percebem sem grandes dificuldades. Mas enfim, revela a erudição do seu redactor.
No entanto, Rui Bebiano é uma daquelas boas almas sempre pronto a traçar armas contra o estalinismo do PCP, o atropelo aos direitos humanos seja na China ou em Cuba, no fundo propondo-nos uma esquerda cheia de boas intenções, mas que deveria cortar de vez com qualquer compromisso com os herdeiros da Revolução de Outubro, sejam eles quais forem.
Dito isto, vamos ao que me motiva a escrever este post.
Rui Bebiano resolve acusar um artigo de Alain Gresh, traduzido para a edição portuguesa on-line do Le Monde Diplomatique, de ser parcial em relação aos recentes bombardeamentos de Gaza por Israel. Classifica-o mesmo de “pouco honesto”.
Fui ler o artigo, pereceu-me uma denúncia de um massacre que todas as boas consciências deviam desaprovar, mas que formulava o problema com alguma moderação, com muitos dados informativos, facto que é omisso no post de Rui Bebiano, inclusive citando opiniões de membros do governo francês e da maioria que o apoia. Mas comecemos pelos factos. Diz Rui Bebiano: “Começa por ignorar completamente a provocação do Hamas que antecedeu o ataque de Israel, traduzida no lançamento, a 20 de Dezembro, de dezenas de rockets sobre as cidades judaicas de Ashdad e Ashkelon (fala apenas da sua ténue reposta após o início dos bombardeamentos israelitas).
Ora para Rui Bebiano os rockets do Hamas são à partida uma provocação, ou seja, não havia razão nenhuma para os lançar e só serviram para provocar e estarem na origem da “reacção excessiva” – os termos não são meus, mas de uma senadora francesa de um partido do Centro – dos israelitas.
Que nos diz Alain Gresh: “É interessante notar que os comentadores israelitas, como a maior parte dos comentadores da imprensa ocidental, não assinalam a razão mais importante do falhanço do cessar-fogo de seis meses, que durou de 19 de Junho até 19 de Dezembro. O acordo compreendia, para além do cessar-fogo, o levantamento do bloqueio de Gaza e um compromisso do Egipto em abrir a passagem de Rafah. Ora, não só Israel violou o acordo de cessar-fogo lançando um ataque que matou várias pessoas no dia 4 de Novembro, como os pontos de passagem não foram reabertos senão parcialmente, e o bloqueio foi mesmo reforçado nas últimas semanas.
Que nos diz o insuspeito Público, pela pena de Margarida Santos Lopes: “a 4 de Novembro deste ano, Israel assassinou seis membros do Hamas, violando uma tahdiyeh ou trégua, que estabeleceu (mas nunca reconheceu publicamente) com o movimento islâmico, sob mediação egípcia, a 17 de Junho. O Hamas intensificou o lançamento de mísseis e morteiros sobre cidades israelitas - em sete anos, estes disparos mataram pelo menos 20 civis. Israel retaliou sujeitando a Faixa de Gaza a um duro bloqueio económico – com restrição de entrada de alimentos e medicamentos e cortes de combustível –, agravando uma situação humanitária que o Banco Mundial e ONG descreveram como "catastrófica". Khaled Meshaal, o chefe do Hamas exilado em Damasco, justificou a decisão de revogar a tahdiyeh, a partir do dia 18 de Dezembro, invocando as execuções dos seus operacionais e o cerco a que Gaza está sujeita.” (Sobre a situação relativa ao bloqueio imposto por Israel a Gaza ver este artigo ).
Duas fontes, uma que é parcial para Rui Bebiano e outra insuspeita relatam com pequenas diferenças a mesma coisa. Mas o autor do post citado considera que a primeira ignora as “provocações” do Hamas, o que não é verdade, porque até as justifica, mas Rui Bebiano ignora o que se tem dito sobre o assunto (ver Robert Fisk, The Independent, Tariq Ali, The Guardian e Michael Warschawski, Centro de Informação Alternativa).
Depois afirma que Alain Gresh, no artigo citado, “continua tentando provar a «legitimidade democrática» do governo islamita do Hamas quando este tomou o poder de uma forma discricionária após uma guerra de extermínio contra os militantes da Fatah que levou até à fuga de Gaza de dezenas de milhar de refugiados palestinianos”.
O que nos diz Alain Gresh: “a recusa da comunidade internacional em reconhecer o resultado das eleições legislativas de Janeiro de 2006, que deram a vitória aos candidatos do Hamas, contribuiu para a escalada israelita; assim como a recusa de admitir realmente o acordo de Meca entre a Fatah e o Hamas” Não sei onde Rui Bebiano foi buscar as dezenas de milhar de refugiados, mas para mim é claro que o Hamas ganhou as eleições para o Conselho Legislativo Palestiniano (Janeiro de 2006) e que essa vitória foi torpedeada pela comunidade internacional e por Israel, que conseguiu através do Presidente da Autoridade Palestiniana manter no poder da Fatah, quando a Constituição exigia que quem ganhasse as eleições formasse Governo (ver aqui ). O que se passou foi que em Gaza o Hamas assumiu pela força o poder (Junho de 2007) que de facto lhe pertencia. Por outro lado, Rui Bebiano ignora o acordo de Meca referido por Alain Gresh e os passos já dados por aquele movimento para o reconhecimento do Estado de Israel.
Depois fala que 250 dos mais 300 mortos pertencem às milícias do Hamas (diz que aquele movimento reconheceu, mas não indica a onde). Estaríamos pois perante os bombardeamentos cirúrgicos, tão gabados no Iraque. Em seguida, acrescenta-lhe este mimo de ódio, Alain Gresh “ignora a repelente estratégia dos islamitas no sentido de disseminarem quartéis e rampas para o lançamento de rockets no centro de áreas habitacionais que lhes servem de escudo humano.” Para além do ridículo da afirmação. Como é possível é numa área de 362 Km2, habitada por 1,5 milhões de pessoas, conseguir separar quartéis e rampas de lançamento de agregados populacionais. Utiliza a estratégia informativa a que recorre a imprensa ocidental quando quer atacar movimentos de libertação ou guerrilheiros. Já Salazar dizia que os “terroristas” se refugiavam ignobilmente atrás das populações. Esperava-se melhor raciocínio de uma “boa-alma”, que neste caso mostra os dentes bem afiados, que tem por detrás das boas intenções. Termina a análise do artigo de Alain Gresh com a afirmação de que este “faz tábua rasa dos direitos históricos dos israelitas sobre a presença na região”. Esta é mais grave, vindo de um historiador. Todos conhecemos a história de Israel. A luta de Theodor Herzl que consegue, em 1897, aprovar no I Congresso Mundial Judaico a criação de um Estado Judaico, a declaração de Balfour durante a I Guerra Mundial (2/11/1917), “favorável ao estabelecimento na Palestina de um Lar nacional para o povo judeu”, a emigração de milhares de judeus para a Palestina entre as duas Guerras e principalmente no final da Segunda, etc. Tudo isto é uma história conhecida. Se vamos por aí, a reivindicar direitos, saímos de certeza chamuscados. Pois, os povos que lá viviam tinham inegavelmente mais direitos do que os que vieram depois.
No final, cheio de boas intenções propõe a reconciliação das duas comunidades. Maus, de facto, são os chineses e os cubanos violadores dos direitos humanos, o que em alguns casos sendo verdade, não leva o nosso blogger a fazer tantos exercícios de justificação com aqui se propõe em relação a um Estado agressor e violador dos mesmos direitos, não da sua população, mas daqueles que tiveram a infelicidade de viver nos territórios ambicionados por aquela população.
Já este artigo estava redigido quando vejo que Rui Bebiano recorrendo agora a intelectual prestigiado, Amos Oz, justifica as suas posições com esta afirmação verdadeiramente assassina daquele intelectual: «Vai haver muita pressão sobre Israel pedindo-lhe contenção. Mas não vai haver nenhuma pressão semelhante sobre o Hamas, porque não existe ninguém para os pressionar e porque já não há praticamente nada que possa ser usado para os pressionar. Israel é um país; o Hamas é um gang.» Daí portanto a necessidade de os aniquilar à bomba e por tabela a sua população. Há sempre intelectuais prontos a defender o Holocausto seja de judeus, seja de palestinianos.
Já se sabe Rui Bebiano selecciona o seus intelectuais, dá voz a Amos Oz e não a outro interveniente, Uri Avnery, igualmente israelita que condena o ataque a Gaza (Ver Carta aberta de Uri Avnery a Barack Obama).
Em toda esta história Rui Bebiano ignora que há seis meses que Israel preparava esta intervenção, que ela tem muito a ver com as eleições que se vão realizar em Israel dentro de pouco tempo, e que provavelmente esta intervenção quer alterar a correlação de forças no Médio Oriente antes da tomada de pose de Barack Obama (ver os artigos de Tariq Ali e Michael Warschawski já citados).
Tentei trazer aqui os factos e as provas. Rui Bebiano que escreve da sua alta cátedra, sem nuca ter dúvidas, que as rebata. O inferno está cheio de “boas almas”sempre a ver as maldades alheias e nunca as suas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu sei quem é Alain Kresh,mas quem é o Rui Bebiano?
Aliás,quero elogiar o valente 'trabalho' das FA's Israelitas que se tÊm mostrado muito corajosas,os tipos são uns heróis só comparados com aqueles jimbras que batem em velhinhas(bem,estes não costumam matar velhinhas nem crianças...).As coisas correm pior no Libano onde os gloriosos arcanjos lwvaram nas trombas.E,dizem-me que na Geórgia levaram mesmo na tromba os fanfarrões guerreiros de Iavé.Quando a sofisticação se assemelha já as coisas não correm tão bem:...É só para dizer que são uns covardes a bombardear uma prisão a céu aberto com F-XX.Assim,também eu...
Eis como se cometem Crimes contra a Humanidade e ninguém pia,este sistema é pior q o Stalinismo,tornando a crueldade a busissness as usual,senhor Bebiano

xatoo disse...

muito bem desmontada a prosa do tal Bebiano
parabéns e um Bom Ano para si