Estou convencido que as anteriores reuniões gerais da Fórum Manifesto funcionavam como correia de transmissão, – apesar do passado político um pouco tenebroso desta afirmação –, entre a Comissão Política do Bloco, principalmente entre o Miguel Portas que fazia parte dela, e os participantes das reuniões e ao mesmo tempo servia para se tomar o pulso sobre qual era a sensibilidade geral às propostas apresentadas. Estou-me a lembrar de uma reunião feita nas vésperas do referendo sobre o IVG, em que o Miguel Portas traçou os limites em que a nossa intervenção devia decorrer se queríamos desta vez sair vencedores do mesmo.
Ora bem, poderemos dizer que esta última reunião teve características diferentes, não foi para ouvir o que a Comissão Política do Bloco tinha para nos dizer, mas sim para que esta ouvisse as posições do grupo dirigente do Manifesto. Nesse sentido, elaborou-se previamente um comunicado, que foi redigido pela maioria dos que o assinaram e que serviu de base para a discussão na reunião.
Se fizéssemos uma interpretação à moda do PCP diríamos que uma fracção do partido se reuniu à margem do mesmo e tentou impor a este as conclusões da sua reunião. No Bloco estas coisas são assumidas de modo mais natural, apesar de eu estar convencido que divergências nas suas correntes maioritárias nem sempre são aceites calma e tranquilamente.
Podemos dizer que o essencial do comunicado, já por mim lincado anteriormente, se pode resumir, segundo o meu ponto de vista, a este parágrafo: “mas, passados 13 anos, e ante um ciclo político qualitativamente novo, a renovação da equipa dirigente apresenta-se como um processo inevitável e inexorável. Ela deve ser realizada de forma sustentada e em unidade. E terá consequências na democracia que praticamos, porque a herança da fundação deixa de ser fonte de legitimação”. Ou então, ao ponto 14 que, na sua totalidade, defende a descorrentização do partido, entendendo aquela como o desaparecimento das três correntes maioritárias do Bloco: UDP, PSR e Manifesto. Podemos igualmente dizer, para não sermos injustos, que todo o capítulo denominado Renovar e “descorrentizar” o Bloco, é importante do ponto de vista dos objectivos do comunicado.
Gostaria de sublinhar que sou daqueles que considero que os problemas de organização e de direcção são importantes num partido político, e que não podem ser subestimados, mas que na maioria dos casos as opções defendidas escondem divergências políticas, que se transformam rapidamente em diferenças quanto à organização ou à direcção política do movimento.
Conhecemos casos históricos que corroboram aquilo que acabei de dizer. Não foi o papel que os militantes deveriam desempenhar no Partido Social-democrata Russo que separou Bolcheviques (a maioria) dos Mencheviques (a minoria), foram divergências políticas que depois se vieram a revelar irredutíveis. Ainda mais recentemente, no PCP, o grupo que reclamava pela realização de um novo Congresso, não era só isto que queria, mas sim uma nova orientação política para o mesmo. E poder-se-ia dar muitos mais exemplos.
Por isso, na intervenção que tive em relação à redacção do próprio comunicado e na reunião interessou-me muito mais sublinhar os aspectos políticos, do que aquilo que eu considero um problema de forma, apesar de não o subestimar.
Assim, e para que conste, enviei para o conjunto de redactores a seguinte proposta, que não visava corrigir ponto por ponto o texto em si, mas alertar para algumas posições:
“Quando, … "assumamos a defesa do Estado Social e a democracia como os nossos eixos programáticos fundamentais" parece-me que, como programa político, é pouco. Que nós, na nossa batalha pela unidade, o proponhamos como programa mínimo, a ser aceite por um conjunto de forças sociais e políticas, parece-me bem. Que, neste momento, apresentemos como programa político do Bloco só estes objectivos, parece-me diminuto e pouco mobilizador e, acima de tudo, defensivo e redutor da nossa acção. A batalha
por outra economia e pelo socialismo não deve estar ausente das nossas propostas a longo prazo.”
Por outro lado em relação à unidade apresentei igualmente esta proposta: “O que é dito no texto … merece a minha concordância, simplesmente apesar de sublinharmos os equívocos e as dificuldades que encontramos nessa política de unidade e dos passos já dados na sua realização, temos que reconhecer a sua dificuldade e acima de tudo sublinharmos que não bastam acordos de cúpula ou acções extraordinárias, aquilo a que alguém já chamou eventos, para que nos pareça que os nossos esforços têm êxito. É preciso uma prática quotidiana de unidade e, a acima de tudo, uma procura na base dessa mesma unidade. Temos que nos dirigir não só aos militantes do PS que discordam das práticas da sua direcção, como igualmente a todos aqueles que não têm partido, e que são muitos e já votaram PCP, PS ou até em nós. Há uma esquerda órfã quer de propostas exequíveis, quer de demonstrações de uma procura genuína da unidade.”
Podemos dizer que os camaradas, tomando em consideração a minha recomendação inicial, a formularam de um modo diferente e que foi inscrita no ponto 4 do seguinte modo: a defesa do Estado social e, agora, do modelo constitucional democrático como “as tarefas prioritárias da acção política do Bloco de Esquerda na “era dos credores” e são elas que determinam as convergências e alianças à escala nacional e europeia”. Como objectivo limitado, para uma determinada época, parece-me bem e foi isso que eu fui defender na minha intervenção na reunião. Não deixando, no entanto, de sublinhar que o Bloco deve albergar no seu seio os dois paradigmas políticos que Rui Bebiano define no seu post, na Terceira Noite, a social-democracia de esquerda e o comunismo modernizado. O seu autor defende claramente o primeiro e ataca o segundo, eu entendo que o Bloco tem que ser a junção dos dois.
E é isso que eu continuarei a defender, mantendo-me como até agora na Fórum Manifesto.
PS. Já este post estava elaborado quando descobri no blog de Rui Bebiano, A terceira Noite, o post, Os dados estão lançados, que faz referências ao comunicado da Fórum Manifesto que eu venho a citar. Seria interessante que os meus leitores o lessem porque se há alguns pontos em comum, há outros sobre os quais tenho profundas divergências, o que é natural.
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