13/04/2011

Os problemas da unidade de esquerda: encontro Bloco-PCP. Resposta a uma politóloga.

Num post  anterior falei dos problemas da unidade da esquerda, gostaria neste de abordar a recente reunião entre Bloco e PCP. Sucede que entretanto apareceu no Público, de ontem, sobre o mesmo tema, um texto de Marina Costa Lobo (MCL), que assina como professora do ICS-UL, mas que muitas vezes é apresentada como politóloga, ou seja, como comentadora política.

Tenho para mim que esta nova classificação dos comentadores políticos em politólogos é uma mistificação. Pretende-se com isto dar um carácter científico e imparcial a quem pura e simplesmente, baseando-se nas suas opções ideológicas e partidárias, pretende influenciar os seus concidadãos. Os politólogos por serem profissionais do estudo da política estão melhor informados do que qualquer outro cidadão interessado na coisa pública, não deixam, no entanto, de reflectir as suas opções político-ideológicas.

Por isso, o artigozinho de MCL não é mais do que uma opinião de direita sobre as posições do Bloco e do PCP. Servir-me-ei delas, criticando-as, para falar daquele encontro.

Resume MCL a reunião a uma estratégia que visaria um pacto de não-agressão e um ataque concentrado ao PS. Os seus objectivos seriam eleitorais e motivados por razões ideológicas. A sua causa mais imediata seria o pedido de ajuda externa feito por Sócrates e também o abandono definitivo por parte do Bloco de um “posicionamento moderadamente pró-UE”.

Logo aqui gostaria de fazer alguns comentários. Tal como afirmei no post referido a estratégia unitária do Bloco tinha privilegiado até determinada altura uma aliança com a esquerda do PS e os independentes que, em certo momento, povoaram a candidatura de Alegre e que constituíram o MIC. Como se viu, Alegre foi derrotado nas últimas eleições, a esquerda do PS regressou ao aprisco partidário, restam, no entanto, muitos independentes desorientados, sem saber o que fazer e para os quais André Freire recomendou a formação de um novo partido, o Bloco tem que lhes dar uma nova perspectiva e essa será sem dúvida diferente. Por isso, secundando alguns apelos de gente de esquerda, achou por bem, na continuação de uma constante aproximação na Assembleia da República, fazer uma diligência de reunião junto do PCP. Se isto visa um pacto de não agressão? Ainda é cedo para sabermos, mas é um disparate dizer que pretende ser um ataque concentrado ao PS. Pretende ser uma resposta de esquerda às políticas que o PS e a direita estão a desencadear em Portugal. Neste aspecto, para lá da retórica comicieira do PS, estes dois partidos apresentam-se como possível fonte de alternativa e resistência contra as medidas do FMI e do Banco Central Europeu.

No entanto, esta reunião não foi de modo algum uma resposta ao pedido de ajuda externa de Portugal. Como se sabe na segunda-feira da semana passada Sócrates garantia que tudo faria para não ter cá o FMI, quarta-feira aceitou a sua ajuda, por pressão dos bancos, sexta-feira reúnem-se os dois partidos. Estará convencida MCL que entre quarta-feira, dia do pedido de ajuda, e sexta os dois partidos combinaram encontrar-se. Como é público, a notícia desta reunião é muito anterior ao pedido de ajuda. Isto é uma das mentirolas que povoam todo o artigo. A seguir vem outra como seja o abandono da posição moderada do Bloco pró-EU.

Quem esteja minimamente a par das posições do Bloco sabe que este tem uma posição pró-europeia, mas defende uma outra Europa. Por isso está filiado no Partido da Esquerda Europeu, que luta por uma Europa solidária e não por uma UE conservadora e neo-liberal. Esta posição alterou-se só na cabeça de MCL. Há outros partidos de esquerda, como o Partido Comunista Grego, que tem uma posição claramente contra a UE, por acharem que a luta política se desenvolve em cada um dos países e não no seu conjunto. Sem querer desvirtuar a posição do PCP parece-me que se assemelha, apesar de não ser igual, à do PCG.

Segundo MCL, o Bloco e o PCP “decidiram não se rivalizar para melhor susterem o impacto de um potencial voto útil à esquerda”. Depois faz comparações entre as eleições de 2002, em que ganhou Durão Barroso, com as que se vão realizar a 5 de Junho, garantindo que nas primeiras a soma dos partidos não ultrapassou os 10%, coisa que agora poderia suceder, dado as situações serem semelhantes. Verifica-se aqui uma clara manipulação de dados. Em 2002 o Bloco concorria pela primeira vez, a sua percentagem foi de 2,2%. Nada permite, mesmo as sondagens, garantir que uma situação destas se verifique. No entanto, temos que estar atentos à erosão do Bloco de Esquerda, fundamentalmente pela campanha descabelada contra este partido, de que este texto é já um exemplo.

MCL ressuscita igualmente os temas fracturantes que eram a marca de água do Bloco inicial. Não sei se ele cresceu à sombra disso, a verdade é que já na sua última campanha eleitoral, em que teve os melhores resultados de sempre, essa temática estava há muito secundarizada.

Depois enumera o conjunto de temas em que o Bloco e o PCP têm, segundo ela, posições ideológicas semelhantes. São descritas de seguida todas aquelas situações que os neo-liberais passam a vida a combater. Seriam contra a redução dos funcionários públicos (onde já ouvi isto) e as parcerias público-privadas. Por aquilo que eu sei, não são só o Bloco e o PCP que são contra, pelo menos em palavras, o CDS e o PSD também. Seriam igualmente, pasme-se, contra o saneamento das contas da saúde e a avaliação dos professores do ensino básico e secundário. Esta última medida também teve o apoio do CDS e do PSD. Se é nisto que as posições ideológicas do Bloco e do PCP são semelhantes, pobre politóloga que não enxerga mais nada do que a vulgata neo-liberal.

Depois aprofunda as diferenças em relação à Europa dizendo que o Bloco as abandonou, gostaria que apresentasse provas desta afirmação. Ela é pura e simplesmente gratuita.

A seguir ressuscita o PREC, de 1975. Lembrando aqueles que queriam uma democracia liberal e os que queriam enveredar por caminhos alternativos, esquerdizantes, alinhando com o Terceiro-Mundo a que o Bloco teria regressado. Onde é que isso já vai e quem agora ressuscita o tema só tem uma finalidade regressar ao velho atlantismo tão típico da direita portuguesa, sempre pronta a segregar aqueles que teriam veleidades de não concordar com a NATO.

Finalmente um conselho ao Bloco: ao alinhar com o PCP perderia as ambições governamentais e portanto assumir-se-ia simplesmente como um partido de protesto. Há quanto tempo esta gente vem dizendo isto.

Para terminar, que o texto vai longo, este encontro do Bloco com o PCP permite na actual situação juntar os únicos dois partidos que de facto se opõem consequentemente à entrada e ao esbulhamento de Portugal pelo FMI, pela Alemanha e acima de tudo pelas classes dominantes nacionais, que neste momento estão de braço dado com a intervenção estrangeira em Portugal. Belo tema para internacionalistas e patriotas: fica para outra vez.

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