Tenho estado doente e por isso não tenho escrito nada. No entanto, não resisti em postar sobre a demagogia ordinária que ataca os comentadores de serviço, os jornalistas à procura de louvores, o chefe do PSD em busca de mais votos e até uma portuguesa ao serviço do Império, que quer morigerar os hábitos dos indígenas locais, como nos gosta de tratar, com desprezo, Vasco Pulido Valente. Em que consiste a dita demagogia? Garantir que o país seria muito mais feliz se acabasse de vez com os feriados, mas acima de tudo com essas malfadadas tolerâncias de ponto que só servem para criar maus hábitos à tribo nacional (ainda segundo VPV), levando-a à preguiça e contagiando, por arrastamento, todos os bons trabalhadores do privado.
Esta história já é antiga. Todos os anos uma televisão mais atenta aos gostos do patrão indica, logo no início de um novo ano, em que dias calham os feriados, as pontes que se podem fazer e como isso contribui para a ruína do país. Já houve partidos que como mote para a campanha eleitoral propunham a redução do número de feriados. Parece-me que um deles foi o Partido Popular Monárquico, que de certeza queria acabar de vez com o 5 de Outubro.
Todos os anos, as centrais patronais vêm à carga com este tema. Cavaco Silva chegou a ter pronta legislação que colocava todos os feriados à segunda-feira. Parece que era o que se fazia no Reino Unido. O que permitia que o 25 de Abril se comemorasse a 24. Mas como a Igreja não achou bem – datas religiosas são para cumprir em dia certo – e Mário Soares, então Presidente da República, num acesso de lucidez, achou que o significado dos feriados não se devia modificar, lá foi por água abaixo o tal decreto-lei. O que não invalidou que Cavaco, num excesso de amor ao trabalho, não tenha anulado em 1993 a tal tolerância de ponto no dia de Carnaval, o que lhe valeu, como se sabe, uma considerável perda de popularidade.
Mas voltemos ao que estava em jogo nesta Páscoa. Há dezenas de anos, que, segundo o que a minha memória abarca poderá chegar aos anos 50, ainda em pleno fascismo, sempre houve tolerância de ponto na tarde de Quinta-feira Santa . Isto porque sendo eu filho de funcionários públicos e tendo toda a minha vida trabalhado na função pública, me recordo bem dos dias em que os meus pais estavam em casa e depois dos dias em que podia partir para umas mini-férias da Páscoa. Segundo, lembro-me igualemente de ouvir à minha mãe dizer que Salazar dava tolerância de ponto na tarde de quinta-feira, mas tinha suprimido o feriado de Sexta-feira Santa, pois achava, tal como hoje, que em dia de penitência não se podia permitir que os trabalhadores ficassem em casa a divertir-se. Parece-me que foi Marcelo Caetano que atribuiu o feriado de sexta-feira santa aos trabalhadores portugueses.
Nessa altura, tal como agora, havia tolerância de ponto em datas excepcionais, que o governo queria celebrar, como, por exemplo, a visita de Isabel II, de Inglaterra, e agora as visitas do Papa e na já referida tarde de Quinta-feira Santa e na véspera do Natal. Mais recentemente, penso que já depois do 25 de Abril, ficou à disposição dos governos darem tolerância de ponto no dia de Carnaval e com alguns Governos, mais perdulários, a atribuírem com critérios de 50%, mais do que um dia na época do Natal ou em algumas pontes. Este último caso que, com razão, gerou alguma controvérsia, não tem sido ultimamente concedido, pelo menos com carácter oficial.
Mas voltemos à tolerância de ponto de quinta-feira. Como se sabe, não é só o Estado que a dá, os bancos fazem o mesmo, e são privados, e até o chefe da CIP, que criticou o Estado por o fazer, a deu aos seus funcionários, o que é normal em muitos serviços privados.
Normalmente também se compara esta generosidade do estado português para como indígena nacional com o que se passa nos outros países europeus, em que nós seríamos a cigarra e eles a formiga. Nos anos em que andei por Bruxelas habituei-me a ver de tudo, principalmente os funcionários da Comissão, que usufruíam de longe muito mas regalias que o indígena nacional.
Parece-me pois de grande demagogia, própria da época de terror neo-liberal que estamos a viver, querer acabar com a tolerância de ponto na quinta-feira, para nos porém a trabalharem mais essa tarde. A única justificação é amedrontar-nos tanto no presente, para que nos tornemos insensíveis às malfeitorias que aí vêm.
Sem comentários:
Enviar um comentário