09/01/2011

Um pequeno provocador de direita


Penso que Elísio Estanque, num artigo que escreveu para o Público, a 31/12/10, já disse tudo sobre o discurso da direita neofascista, encabeçada neste caso por Rui Ramos (RR) e Henrique Raposo, a propósito da prosa provocadora que estes senhores escreveram para o Expresso, de 18/12/10, sobre o candidato presidencial Manuel Alegre.

No entanto, porque há alguns pormenores que não foram abordados pelo articulista do Público em relação ao texto de RR, senti-me na obrigação de vir chamar a atenção para algumas das omissões deste historiador a propósito da escolha de Argel, pela FPLN e Alegre, e sobre a Guerra da Argélia.

Para além de outras provocações desnecessárias e de mau gosto, RR baseia a sua argumentação na ideia que a Manuel Alegre não está interessado em desenterrar o seu passado anti-fascista, principalmente a sua estadia em Argel, por ter trocado “o Portugal de Salazar pela Argélia de Ben Bella e de Boumédiène, um país onde também havia polícia política, tortura, censura e partido único, mas a um nível infinitamente mais bárbaro”. O que sabe ele do Portugal de Salazar se em texto recente, e recorrendo aos números de presos e mortos pelo regime fascista, acha que este era muito mais benigno do que o da Primeira República. Esquece o que era o fascismo quotidiano e o medo que inspirava nas populações – já escrevi sobre este assunto aqui.

Mas a escolha da Argel pela Frente Patriótica de Libertação Nacional, para poder emitir para Portugal e para as Colónias as emissões da rádio Voz da Liberdade, teve simplesmente a ver com o apoio que aquele país dava aos Movimentos de Libertação das colónias portuguesas, que naturalmente para Rui Ramos, ainda são os “turras”, e à libertação do povo português do jugo fascista. Coisa que os democráticos países da NATO, em que estava incluído Portugal não queriam e não podiam prestar. Se exceptuarmos a Suécia, que não pertencia à NATO, e que activamente apoiou os antifascistas portugueses, que lá se quisessem refugiar, sem actividade explicitamente política, e os movimentos de libertação, mais nenhum dos países na altura democráticos, teve qualquer tolerância para a luta contra o fascismo. Alguns mesmo colaboraram abertamente com o regime e as suas polícias ensinaram e prestaram colaboração à PIDE. São coisas que o nosso pequeno provocador esquece.

Depois faz referência à morte de dezenas de milhares de harkis, argelinos que serviram no exército colonial francês. Também aqui a sua parcialidade é enorme. Esquece que houve uma guerra colonial, que a democrática França se portou execravelmente impedindo a independência e reprimindo o levantamento nacional dos argelinos. As histórias de tortura do exército francês são conhecidas. La question, de Henri Alleg, de 1958, interdito em França, denuncia as torturas sofridas pelo autor. São coisas já esquecidas, que o nosso pequeno provocador não gosta de lembrar. Mas há mais, na democrática França, o colaboracionista Maurice Papon, posteriormente identificado e preso, quando era Chefe da Polícia de Paris, em 1961, mandou disparar sobre uma manifestação pacífica de argelinos, tendo morto cerca de 200, cujos corpos foram durante dias encontrados no Sena. Esta mais uma das histórias que RR não gosta de contar, só se lembra do caso harkis, para atacar a passagem de Manuel Alegre por Argel, onde, segundo o próprio, nunca houve qualquer interferência do Governo argelino sobre o conteúdo da rádio Voz da Liberdade, coisa que o Sr. RR não pode garantir para Portugal, onde a censura limitava a actividade de qualquer jornalismo.

Já uma vez chamei ao Sr. RR Um camelot du roi à portuguesa, cuja definição é de grupo de provocadores católicos e monarquistas, adeptos da Action française, de Charles Maurras, que pontificavam entre as duas guerras e que participaram activamente nos motins provocados pela extrema-direita em França, no dia 6 de Julho de 1934. Hoje, para minha alegria, vejo o Elísio Estanque chamar-lhe neofascista, não lhe vai mal também esta etiqueta.


PS.: também publicado aqui.

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