05/01/2011

Como uma “menina” “coquette” se transforma em vedeta pop da blogosfera


Vem este título a propósito de dois artigos de Helena Matos que foram bastante criticados na blogosfera.
O primeiro, no Público, com um título que pretende parafrasear Os Maias, de Eça de Queirós, Falharam a vida, meninos, o segundo, O que é um ex-activista?, publicado num dos blogs para onde escreve, Blasfémias.

Comecemos pelo último. Ricardo Noronha no Vias de Facto (ver também este post sobre o mesmo assunto), com paciência de santo, explica à referida “menina” o que é caso Battisti, acusado de pertencer a uma organização de luta armada em Itália no final dos anos 70. Percebe quem pode ou quem não está de má-fé, a mim parece-me que está de má-fé.

Quanto ao primeiro artigo, já mereceu muitas mais críticas na blogosfera. Rui Bebiano, em A Terceira Noite, acha, por palavras minhas, que não se deve gastar cera com tão ruim defunto e por isso nem critica o conteúdo do artigo. Joana Lopes, no Entre as Brumas da Memória, pergunta quem da actual governação pertence à geração de 60? A tal que, segundo Helena Matos, falhou a vida. Miguel Madeira, no Vias de Facto, faz uma pergunta semelhante. Victor Dias, em O tempo das Cerejas, escreve, citando nomes e com grande ironia, sobre os Expulsos da Geração de 60, e Ricardo Noronha, também no Vias de Facto, transcrevendo partes do artigo, refere-se, com muita graça, aos erros ortográficos dados por tal “menina” em post anterior.
Eu próprio, já várias vezes me tenho referido criticamente a Helena Matos. Destaco especialmente um post em que apontava para um conjunto de jornalistas que deliberadamente escreviam reaccionarices para os nossos media com a conivência das direcções desses órgãos de informação.

Apesar de tudo o que já se escreveu e de que fiz o levantamento, volto novamente ao assunto, porque pertenci à geração que frequentou a Universidade pelos anos 60 e, devido aos muitos anos que por lá andei, fui-a conhecendo razoavelmente.

Em primeiro lugar uma advertência. Tem pouco rigor histórico falar em geração, quando aquilo a que queremos fazer referência, é um conjunto muito particular da mesma. Não abrangemos todos aqueles que pela sua posição social, pelos azares da vida ou pelas razões mais diversas não tiveram possibilidades de, em determinada altura, frequentar a Universidade e, neste caso concreto, de terem participado no movimento estudantil e de se sentirem pertença a uma geração que se reúne todos os anos a 24 de Março, para comemorar o Dia de Estudante de 1962 e as crises académicas subsequentes.

Começa o texto de Helena Matos: “Nas fotografias que gostam de mostrar têm o cabelo revolto e um ar de quem tem a certeza de tudo.” Quem vir essas fotografias, principalmente as referentes a 1962, espantar-se-á com todos os estudantes de gravatinha, penteados e de casaco e as meninas de lenço, saia e meinha.
Isto só mostra a ignorância da “menina”, que desconhecendo o que é a geração de 60, está a imaginá-la pelos olhos do pós-25 de Abril.
A seguir acrescenta “Esse mundo onde público era sinónimo de justiça e gratuitidade rimava com solidariedade. Esse mundo onde governar bem equivalia a fazer cada vez mais promessas de redistribuição e onde o Estado passou a ser entendido como o grande doador.” Ora tudo isto é um disparate pegado. Mais uma vez, através de um olhar actual e recorrendo às polémica em curso sobre mais estado ou menos estado, se tenta caracterizar a geração de 60. Um completo falhanço
Politicamente esta geração sabia pouco do Estado Social. Os meus pais, de uma geração muito mais velha, ainda falavam da gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde Inglês, que tinha sido implementada naquele país a seguir à II Guerra Mundial, e que era um espanto nessa altura para os cidadãos que no nosso país desconheciam o que era a saúde gratuita e universal. O mais que as gerações universitárias da época intuíam era a luta pela liberdade e pela democracia e os politicamente mais comprometidos falavam da revolução social, que nada tinha a ver com o Estado Social, mas sim com a tomada do poder pelos trabalhadores. E mesmo se ao longo da década foram surgindo alguns socialistas, o seu imaginário ia muito para lá do reformismo do PS francês ou da social- democracia alemã. Ainda me lembro do António Reis, hoje Grão-mestre da Maçonaria, achar, logo a a seguir ao 25 de Abril, que o programa do PS português se deveria assemelhar ao que em França, nessa altura, se chamava “reformismo revolucionário”, umas propostas apadrinhadas pelo sociólogo francês André Gorz. Já se sabe quanto mais se avança na década cada vez era maior o radicalismo da extrema-esquerda. Mesmo os militantes do PCP, que a longo prazo acreditavam na almejada revolução socialista, nessa altura discutiam o programa do Partido, a Revolução Democrática e Nacional, que a par das conquistas sociais, que era o que mais se poderia assemelhar com o Estado Social, defendiam a destruição dos monopólios com a sua consequente nacionalização, o que não corresponde ao textinho pífio da “menina” em causa.
Depois segue mais um chorrilho de asneiras sobre os jornalistas, confundindo a posição corajosa de alguns, poucos, que por entre linhas combatiam o regime fascista e que hoje estão todos reformados ou já faleceram e aquelas centenas de estagiários que invadem as redacções dos media, que trabalham quase de graça e fazem o jornalismo que se conhece, aceitando pespegar alguns escândalos nos jornais conforme o patrão deseja ou não. Nada disto é comparável e merece mais do que duas linhas.
Depois acrescenta mais umas reaccionarices sobre o ensino, que nesta altura, todos os da laia dela, como os Medina Carreira, tiveram que engolir, quando a apareceram recentemente os resultados do PISA.
A partir daqui começo a perder a paciência para continuar a seguir a prosa da “menina”. Tudo são asneiras e disparates, transportando para os ombros da pobre geração de 60, todas as discussões que hoje em dia se travam.
E o que é espantoso é que esta "menina" considere que, passados mais de 35 anos sobre o 25 de Abril, ainda seja a geração de 60, que hoje tem mais de sessenta anos e alguns já chegaram aos 70 e tal, e estão todos na reforma ou já faleceram, a responsável pelo que de mal acontece ao país e, segundo ela, tenha deixado às gerações vindouras um país mais pobre. Quando o principal político do período democrático, que esta “menina” de certeza admira, é o candidato Cavaco Silva, que foi aquele que mais anos esteve no poder depois do 25 de Abril e disso se gaba, e que, enquanto a geração dos anos 60 combatia pelo derrube do regime, fazia pela vidinha, indo à PIDE declarar que “estava integrado na ordem política vigente”. E são de certeza também amigos desta “menina”, aqueles que todos os dias nos enchem a casa com opiniões políticas, que são os legítimos herdeiros daqueles que já nos anos 60 eram os donos de Portugal: os Ricardo Espírito Santo e os Fernando Ulrich. É a estes senhores que esta “menina” deve ir pedir contas da situação a que Portugal chegou, ou talvez a um Eng. Sócrates que, enquanto que outros continuavam a lutar pela transformação social do seu país, ia, nos anos 80, fazendo casinhas na Covilhã e subindo paulatinamente na carreira política. Tenha dó e deixe a geração de 60 em paz.

PS. I: segundo pude ler na net esta “menina” já tem 49 anos, no entanto, há umas fotografias, que também se podem ver na net, em que aparece com um ar tão jovem e primaveril que não resisti a chamar-lhe menina, com aspas.
PS. II: a fotografia que ilustra este artigo é de um Plenário de estudantes na Cidade Universitária, durante a Crise Académica de 1962.

Sem comentários: