17/07/2008

Ainda o caso de Ingrid Betancourt e das FARC


Nos últimos dias tenho vivido um “grande” drama político. De repente dei-me conta que me encontrava politicamente isolado frente ao combate que, por interposta força guerrilheira, as FARC, se está a travar entre uma esquerda, que eu chamaria “bem pensante”, e os conhecidos “cavernícolas” do PCP.
O caso começou nalguns blogs de consulta diária, passou pelos media e continua em ondas de choque a merecer comentários aqui e acolá. Quase que poderia dizer que é hoje a pedra de toque que separa a esquerda não PCP daquele Partido. Por esse motivo, uma posição como a que expressei aqui é incómoda e acarreta-me necessariamente muitas incompreensões e críticas, valha-me o meu camarada Saboteur, que no Spetrum, fez um elogio à minha intervenção.
Afirmava nesse post que não tinha informação suficiente para me poder pronunciar com inteireza sobre o que eram as FARC e os seus métodos de actuação, nem conhecia em pormenor a Colômbia e o seu Governo para sobre eles traçar uma opinião definitiva, como os comentadores da blogosfera gostam de fazer.
Fui recolher material, abri mesmo um ficheiro dedicado ao assunto. Pode ser que com tempo e vagar comente o que se tem dito na blogosfera.
No entanto, não gostaria desde já de passar em claro dois casos que me parecem paradigmáticos das posições simplistas e acríticas, que resultam de uma opção por tudo ou nada, em que o meio-termo ou uma análise mais rigorosa é deixada ao abandono.
O primeiro refere-se a um post que Daniel de Oliveira colocou no seu site, “Pode alguém ser livre se outro alguém não é?”, em que considera que tanto é crime capturar alguém e levá-lo para Guantánamo, como faz o Governo dos Estado Unidos, como ter raptado Ingrid Betancourt e conservá-la prisioneira durante anos, como fizeram as FARC. Por isso considera que não se pode pedir que o Governo português interdite os voos para Guantánamo, como o fez o Grupo Parlamentar do PCP, e a seguir defender a não criminalização das FARC por terem raptado pessoas que não estão directamente envolvidas na luta que se trava na Colômbia, como disse Jerónimo de Sousa, em declarações citadas aqui.
Daniel de Oliveira esquece que as consequências dos dois actos são completamente diferentes. Enquanto Bush pode passear pelo mundo, indo até uma cimeira do G8 onde, segundo a imprensa, se comeu trufas e caviar, e ninguém, exceptuando meia dúzia de manifestantes enraivecidos, facilmente afastados pela polícia, lhe chama criminoso ou o prende. Já um dirigente das FARC se sair da selva corre o risco de ser morto, como recentemente ocorreu aos dirigentes daquela organização que estavam em solo equatoriano, e a organização a que pertencem é classificada pelo “mundo ocidental” como terrorista, com as consequências que isso acarreta, quer para ela quer para todos aqueles que em qualquer lado lhe manifestem alguma solidariedade. Como se vê pelo que digo o crime não acarreta para todos as mesmas consequências. Ou seja, o crime pode ser o mesmo, como diz Daniel de Oliveira, simplesmente há uns que são mais criminosos do que outros. Isto devia levar a pensar os nossos apressados comentadores.
O segundo caso prende-se com o estado de saúde de Ingrid Betancourt. João Tunes no seu blog, depois de alguns considerandos que eu me abstenho de comentar, para não azedar um conhecimento que foi estabelecido ainda nos tempos “heróicos” do ABC Cine-Clube de Lisboa, fala de “aqueles cínicos que acharam que ela “até vinha em bom estado” e longe da prostração comatosa que lhe competiria como sequestrada”. Vítor Dias no seu blog comenta, com ironia, depois de mostrar uma fotografia de Ingrid toda airosa na Festa do 14 de Julho, em França, que não irá falar da sua saúde.
Quanto a mim, que fico satisfeito por a senhora estar de boa saúde, acho no entanto que não se pode deixar passar em claro a campanha mediática que foi desencadeada a propósito do estado de saúde de Ingrid. Dizia-se que estava bastante doente e que a sua vida estava em perigo. Ou seja, estivemos perante um caso claro de manipulação da opinião pública, coisa que pelos vistos não ofendeu muito os nossos comentaristas de serviço.
Em qualquer dos casos, parecem-me dois exemplos em que se olha muito para a árvore e pouco para a floresta.
PS.: Já depois deste post estar publicado Fernando Penim Redondo queixava-se aqui do fanatismo que atravessava a rede por pessoas com posições ditas liberais. Citava o caso de João Tunes a propósito da China, que eu me abstenho de comentar pelas razões já expostas em cima, e de um blog, com um nome um bocado esdrúxulo, como o meu, que o critica pela sua posição quanto à saúde de Ingrid Betancourt. Neste caso, tal como o de João Tunes, os comentadores não se indignaram com todos aqueles que deliberadamente manipularam a opinião pública, mas sim com os que ficaram espantados por ver a senhora de boa saúde.

2 comentários:

F. Penim Redondo disse...

No caso da Ingrid há uma atitude instalada que recusa, em relação a ela, o esboço de qualquer dúvida quanto mais crítica.
Como se ter sido sequestrada na selva a convertesse numa espécie de santa.
Há, aliás, uma grande confusão no ar.
Pode-se, como eu, ser contra o sequestro enquanto forma de luta independentemente de concordar com os objectivos das FARC.
Continuo convencido de que este caso só ganhou relevância, neste momento, como forma de isolar o PCP.
Deve fazer parte de uma estratégia preparatória de uma movimentação política envolvendo o BE e o Alegre.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Penso que o assunto não trás no bojo as características de uma conspiração política. Que resulta de uma clara oposição ao PCP, não tenho a mais pequena dúvida. Que o PCP no primeiro comentário que produziu se pôs a jeito, também não tenho dúvidas.
Simplesmente, as pessoas, aqui na blogosfera, que andam envolvidas nisto, são as mesmas que sempre produziram um discurso anti-PCP e que aproveitam todos os momentos para manifestarem as suas opiniões nesse sentido. Só quem nunca leu o Tunes o pode levar a sério noutras intervenções. Portanto eu dispensaria a conspiração, até porque alguns blogs próximos do Bloco nem se referem ao assunto, e inclinava-me mais para algum anticomunismo militante, que nestas oportunidades aparece sempre para se manifestar.