O movimento Renovação Comunista acordou com o Bloco de Esquerda nas eleições autárquicas para a Câmara de Lisboa, de 2005, que alguns dos seus membros integrassem as listas que aquele Partido iria apresentar à autarquia alfacinha. Assim, o meu nome foi indicado para a Assembleia Municipal, num lugar do fim da lista.
Realizaram-se as eleições e o BE elegeu cinco deputados municipais. É evidente que o meu nome não estava incluído no grupo dos eleitos. Por isso descansei e nunca mais pensei no assunto. Não é que um dia destes, me telefonam a dizer que tinha chegado a minha vez de ocupar um lugar naquela Assembleia. Fiquei estupefacto, só a constante renovação dos eleitos pelo Bloco permite que mesmo candidatos do fim da lista possam assumir os lugares a que se tinham candidatado.
Tudo isto vem a propósito de como de repente alguém que sempre se interessou por política, mas que nunca tinha sido eleito para qualquer cargo de representação popular, se vê, de um momento para o outro, a participar numa Assembleia Municipal.
A minha primeira reacção foi de espanto e a seguir de aprendizagem. Fui-me integrando no grupo e até já intervim sobre três assuntos diferentes, por enquanto ainda preparados em casa, mas há-de chegar o dia, se não me substituírem antes, em que poderei ter que falar de improviso. Gosto do papel que me foi atribuído.
Dito isto, passemos à descrição do que se passa na Assembleia. Em primeiro lugar, em cada Assembleia, que tem lugar em algumas terças-feiras do mês, o público pode intervir. Ou seja, é permitido a três ou quatro cidadãos, antes da Ordem do Dia, falar na Assembleia, contando as suas desgraças. Quase sempre é para pedirem casa à Câmara ou para descreverem a situação em que se encontra a sua, sem obras da autarquia, ou que tiveram desavenças com familiares e estes lhes ficaram com a casa que lhes tinha sido atribuída. Têm um período limitado de tempo, estão sempre muito nervosos, quase não se percebe o que dizem, mas como reparei é coisa que não interessa a ninguém. Os deputados entretêm-se alegremente a conversar ou a sair da sala. Quando o burburinho é mais do que muito a Presidente, a Paula Teixeira da Cruz, ou o seu substituto, pedem silêncio. A Presidente, com alguma humanidade, lá lhes pede que no final entreguem toda a documentação que possam trazer para justificar o seu pedido. Mas a sala está completamente desinteressada, provavelmente eu, por ser novato, senti obrigação de ouvir os lamentos daquelas pessoas. Não sei que destino darão a todos aqueles pedidos e reclamações. Mas, tenho dúvidas que tenham qualquer eficácia.
Depois comecei a conhecer os líderes das bancadas, os sub-líderes, aqueles que falam sempre e que são capazes de o fazer. No fundo, meia dúzia de deputados. No Bloco há pelo menos a tentativa de pôr toda a gente a falar. O que nem sempre é possível, pois há deputados com mais experiência e mais conhecedores dos dossiers.
Comecei também a reparar que, de repente, sem se perceber porquê, havia sarrafusca na Assembleia. PS e PSD envolviam-se em dichotes, apartes, acusações graves. Seguia-se o pedido de defesa da honra e aí temos meia hora de dizes tu, direi eu. É evidente que cada partido tem um tempo limitado para intervir, mas o PSD, como tem a maioria absoluta na Assembleia, tem um tempo inesgotável, o PS, com menos deputados, tem no entanto tempo suficiente para se consumir nestas andanças.
Mas o motivo que me levou a escrever esta crónica foi a última Assembleia Municipal, a que aprovou o Plano e o Orçamento da Câmara para 2009. Como o PS não tem na Assembleia Municipal a maioria, nem a faz com qualquer pequeno partido, depende sempre do PSD para aprovar as suas propostas.
Logo de manhã o chefe da distrital do PSD tinha dito na rádio que ia viabilizar o orçamento, com a sua abstenção. Portanto, à partida sabia-se o que a casa gastava.
Não havia qualquer suspense, no entanto correu que alguns deputados do PSD queriam votar contra. Havia pois, mesmo assim, alguma expectativa. Mas isto não impediu de durante toda a tarde os dois partidos, como cão e gato, fazendo uma tristíssima figura, que se fosse vista pelos seus eleitores nunca mais votariam neles, se acusassem mutuamente das piores aldrabices e malfeitorias. Estamos já em plena campanha eleitoral: Santana versus Costa. O PSD teve o desplante de chamar formiguinha ao Santana e acusou a actual vereação de cigarra. A corda foi esticada até ao fim. Eu se fosse PSD e quisesse fazer sangue, depois do que ouvi votava contra o orçamento. O PS durante toda a tarde não revelou qualquer meiguice para com o PSD ou vice-versa. Mas o pior ainda estava para vir. Antes da votação final o PSD pede uma interrupção de 15 minutos. Estava criado o suspense. Depois regressam à sala e apresentam uma Recomendação, para que o Orçamento fosse acompanhado mensalmente pela Assembleia e incluísse algumas alterações. O Presidente em exercício, e bem, disse que primeiro votava-se o Orçamento e depois a Recomendação. O Orçamento lá passou. Com os votos favoráveis do PS, a abstenção do PSD e os votos contra do CDS, PCP, Verdes e BE. A partir do momento em que o PS vê o seu Orçamento aprovado, o António Costa mais a sua equipa saem intempestivamente da sala, já que eles são obrigados a estarem presentes durante o desenrolar dos trabalhos. O PSD que se preparava para fazer aprovar a sua Recomendação começa aos gritos, a dizer que era uma pouca-vergonha o Presidente da Câmara ter abandonado a Assembleia. Barafunda geral, o Presidente em exercício resolve interromper a sessão e, porque a hora já ia adiantada, adiar para data oportuna a possível votação daquela Recomendação.
Assisti, por isso, aquilo a que se chama a chicana parlamentar, ou seja, ao pior comportamento dos representantes do povo. Mas o mais significativo é que toda esta gente que se enxofra em plena Assembleia, nos corredores se cumprimenta com todas as mesuras, como se nada do que lá se passou a tivesse afectado. Ou seja, provavelmente todos almoçam juntos, não levando muito a sério os insultos que antes trocaram. Não havia necessidade disso. Penso que ser representante do povo exige outra seriedade e outra compostura, que aqueles dois partidos realmente não manifestam.
Realizaram-se as eleições e o BE elegeu cinco deputados municipais. É evidente que o meu nome não estava incluído no grupo dos eleitos. Por isso descansei e nunca mais pensei no assunto. Não é que um dia destes, me telefonam a dizer que tinha chegado a minha vez de ocupar um lugar naquela Assembleia. Fiquei estupefacto, só a constante renovação dos eleitos pelo Bloco permite que mesmo candidatos do fim da lista possam assumir os lugares a que se tinham candidatado.
Tudo isto vem a propósito de como de repente alguém que sempre se interessou por política, mas que nunca tinha sido eleito para qualquer cargo de representação popular, se vê, de um momento para o outro, a participar numa Assembleia Municipal.
A minha primeira reacção foi de espanto e a seguir de aprendizagem. Fui-me integrando no grupo e até já intervim sobre três assuntos diferentes, por enquanto ainda preparados em casa, mas há-de chegar o dia, se não me substituírem antes, em que poderei ter que falar de improviso. Gosto do papel que me foi atribuído.
Dito isto, passemos à descrição do que se passa na Assembleia. Em primeiro lugar, em cada Assembleia, que tem lugar em algumas terças-feiras do mês, o público pode intervir. Ou seja, é permitido a três ou quatro cidadãos, antes da Ordem do Dia, falar na Assembleia, contando as suas desgraças. Quase sempre é para pedirem casa à Câmara ou para descreverem a situação em que se encontra a sua, sem obras da autarquia, ou que tiveram desavenças com familiares e estes lhes ficaram com a casa que lhes tinha sido atribuída. Têm um período limitado de tempo, estão sempre muito nervosos, quase não se percebe o que dizem, mas como reparei é coisa que não interessa a ninguém. Os deputados entretêm-se alegremente a conversar ou a sair da sala. Quando o burburinho é mais do que muito a Presidente, a Paula Teixeira da Cruz, ou o seu substituto, pedem silêncio. A Presidente, com alguma humanidade, lá lhes pede que no final entreguem toda a documentação que possam trazer para justificar o seu pedido. Mas a sala está completamente desinteressada, provavelmente eu, por ser novato, senti obrigação de ouvir os lamentos daquelas pessoas. Não sei que destino darão a todos aqueles pedidos e reclamações. Mas, tenho dúvidas que tenham qualquer eficácia.
Depois comecei a conhecer os líderes das bancadas, os sub-líderes, aqueles que falam sempre e que são capazes de o fazer. No fundo, meia dúzia de deputados. No Bloco há pelo menos a tentativa de pôr toda a gente a falar. O que nem sempre é possível, pois há deputados com mais experiência e mais conhecedores dos dossiers.
Comecei também a reparar que, de repente, sem se perceber porquê, havia sarrafusca na Assembleia. PS e PSD envolviam-se em dichotes, apartes, acusações graves. Seguia-se o pedido de defesa da honra e aí temos meia hora de dizes tu, direi eu. É evidente que cada partido tem um tempo limitado para intervir, mas o PSD, como tem a maioria absoluta na Assembleia, tem um tempo inesgotável, o PS, com menos deputados, tem no entanto tempo suficiente para se consumir nestas andanças.
Mas o motivo que me levou a escrever esta crónica foi a última Assembleia Municipal, a que aprovou o Plano e o Orçamento da Câmara para 2009. Como o PS não tem na Assembleia Municipal a maioria, nem a faz com qualquer pequeno partido, depende sempre do PSD para aprovar as suas propostas.
Logo de manhã o chefe da distrital do PSD tinha dito na rádio que ia viabilizar o orçamento, com a sua abstenção. Portanto, à partida sabia-se o que a casa gastava.
Não havia qualquer suspense, no entanto correu que alguns deputados do PSD queriam votar contra. Havia pois, mesmo assim, alguma expectativa. Mas isto não impediu de durante toda a tarde os dois partidos, como cão e gato, fazendo uma tristíssima figura, que se fosse vista pelos seus eleitores nunca mais votariam neles, se acusassem mutuamente das piores aldrabices e malfeitorias. Estamos já em plena campanha eleitoral: Santana versus Costa. O PSD teve o desplante de chamar formiguinha ao Santana e acusou a actual vereação de cigarra. A corda foi esticada até ao fim. Eu se fosse PSD e quisesse fazer sangue, depois do que ouvi votava contra o orçamento. O PS durante toda a tarde não revelou qualquer meiguice para com o PSD ou vice-versa. Mas o pior ainda estava para vir. Antes da votação final o PSD pede uma interrupção de 15 minutos. Estava criado o suspense. Depois regressam à sala e apresentam uma Recomendação, para que o Orçamento fosse acompanhado mensalmente pela Assembleia e incluísse algumas alterações. O Presidente em exercício, e bem, disse que primeiro votava-se o Orçamento e depois a Recomendação. O Orçamento lá passou. Com os votos favoráveis do PS, a abstenção do PSD e os votos contra do CDS, PCP, Verdes e BE. A partir do momento em que o PS vê o seu Orçamento aprovado, o António Costa mais a sua equipa saem intempestivamente da sala, já que eles são obrigados a estarem presentes durante o desenrolar dos trabalhos. O PSD que se preparava para fazer aprovar a sua Recomendação começa aos gritos, a dizer que era uma pouca-vergonha o Presidente da Câmara ter abandonado a Assembleia. Barafunda geral, o Presidente em exercício resolve interromper a sessão e, porque a hora já ia adiantada, adiar para data oportuna a possível votação daquela Recomendação.
Assisti, por isso, aquilo a que se chama a chicana parlamentar, ou seja, ao pior comportamento dos representantes do povo. Mas o mais significativo é que toda esta gente que se enxofra em plena Assembleia, nos corredores se cumprimenta com todas as mesuras, como se nada do que lá se passou a tivesse afectado. Ou seja, provavelmente todos almoçam juntos, não levando muito a sério os insultos que antes trocaram. Não havia necessidade disso. Penso que ser representante do povo exige outra seriedade e outra compostura, que aqueles dois partidos realmente não manifestam.
PS.: a fotografia é do antigo cinema Roma onde hoje tem lugar a Assembleia Municipal
3 comentários:
Este é um blog que me dá muito gosto frequentar. Especialmente posts como este e o do Congresso de Marx, dão-me um "insight" que não encontro noutras paragens.
Estes são posts que leio até ao fim.
E por falar de posts, este é dedicado aos bloguistas dos blogs que frequento:
Perplexidades dum neófito da blogosfera: porque é que os títulos dos posts estão cada vez maiores, e outros assuntos do maior relevo para a blogosfera.
Este tipo de coisas estão entre as mais patéticas da nossa partidocracia. Uma boa forma de meter mais senso na cabeça a essa gente era a câmara ou a assembleia filmar as sessões e pô-las na internet. Por todas as razões (controlo democrático, prestação de contas, informação ao cidadão, blá, blá, blá, e tb porque crianças vigiadas normalmente portam-se melhor que crianças à solta). Acho que ninguém ia ver, como de resto ninguém vê o canal parlamento, mas não acredito que o forrobodó fosse o mesmo. E é uma coisa com custos reduzidos. Fica a sugestão.
renegade
spectrum.weblog.com.pt
Aos dois intervenientes.
Obrigado pelos vossos comentários. Quanto à sugestão não depende de mim a sua concretização. Mas parece-me que as assembleias são gravadas em vídeo, mas penso que isso não evitará estas guerras de alecrim e manjerona.
Enviar um comentário