30/04/2008

Notas Soltas


I – A suposta carta do almirante Rosa Coutinho

Há tempos António Barreto, na sua crónica que publica regularmente aos Domingos no Público, comentou muito favoravelmente um livro recentemente editado e que se chama Holocausto. Este trata da descolonização e dos primeiros anos de independência de Angola. Nesse livro aparece em fac-simile uma carta forjada do almirante Rosa Coutinho ao dirigente do MPLA, Agostinho Neto, e que António Barreto dá como verdadeira, comentando horrorizado o seu conteúdo
O assunto foi pouco referido nos media, no entanto, JoãoTunes primeiro, no Água Lisa, e depois Victor Dias, no Tempo das Cerejas, aqui e ali, na blogosfera, e Ferreira Fernandes em comentário assinado no Diário de Notícias pegaram no assunto e denunciaram a marosca.
Esperava-se que António Barreto, reconhecendo ter citado uma carta forjada, se retratasse e pedisse desculpa ao visado. No último Público de Domingo (27/04) aparece finalmente uma desculpa de António Barreto e um grande artigo, bastante crítico em relação ao cronista, do provedor dos leitores daquele jornal, Joaquim Vieira.
A história está pois contada nos sites que fui indicando. Quem a quiser seguir pode ir clicando aqui e ali e rapidamente se aperceberá do conteúdo do livro e do artigo do António Barreto.
Nesta história não sei o que mais me espanta se a suposta ingenuidade de António Barreto, que afirma textualmente, no desmentido referido: “O almirante Rosa Coutinho acaba de negar, na revista Visão, a autoria da carta. Lamento ter utilizado como argumento esse documento apócrifo. As minhas desculpas ao senhor almirante e aos leitores”, se a desvergonha de alguém que acredita que uma carta, em papel timbrado, do alto-comissário para Angola poderia conter os desplantes referidos na sua crónica. Só um espírito embotado pelo pior anti-comunismo e com pouca coragem poderia produzir estas duas coisas: citar a carta e desmenti-la posteriormente, como se fosse um pormenor sem qualquer importância


II – A ignorância dos jovens sobre o 25 de Abril

Relataram os media que Cavaco Silva no discurso que pronunciou na Assembleia da República, no dia 25 de Abril, referiu-se à ignorância dos jovens sobre o significado daquela data. Para isso citou um inquérito de opinião efectuado pela Universidade Católica em que foram feitas três perguntas a que os jovens não souberam, na sua maioria, responder. A primeira era qual tinha sido o primeiro Presidente da República eleito democraticamente depois do 25 de Abril, a segunda, quantos Estados compunham actualmente a União Europeia e a terceira, se o PS tinha obtido ou não a maioria absoluta nas últimas eleições.
Acho que anda tudo doido, como é que a partir destas três perguntas, em que duas delas nada têm a ver com o 25 de Abril e outra só indirectamente, já que o Presidente da República foi eleito muito depois, se pode induzir que os jovens desconhecem o significado aquela data. A única conclusão que se pode tirar é de que têm fracos conhecimentos sobre a história contemporânea de Portugal, não têm informação suficiente sobre a União Europeia e não estão a par da situação política actual. Nada ficamos a saber sobre a ignorância dos jovens relativa ao 25 Abril.
Esta história, que motivou um variado leque de comentário dos nossos cronistas, tem no entanto pouco tem a ver com a realidade.
Isto porque o estudo da Universidade Católica, denominado Os Jovens e a Política, é um inquérito muito mais extenso, em que aquelas três perguntam estão relacionadas com os conhecimentos políticos da população em geral e não com o 25 de Abril em particular e não se dirigem exclusivamente aos jovens.
O próprio Presidente da República no seu discurso faz uma distinção entre os objectivos do estudo, por ele encomendado à Universidade Católica, e a relação da juventude com o 25 de Abril. No entanto, ao reproduzir unicamente aquelas três perguntas e ao limitar as respostas àquela faixa etária é também responsável pela confusão gerada, que levou os media, a partir daquelas perguntas, a afirmar que os jovens desconheciam o que tinha sido o 25 de Abril.
Mesmo o Público, que cita o estudo, é capaz de afirmar que “o que mais impressiona o chefe de Estado é "ignorância" dos jovens, pois muitos não sabem sequer o que foi o 25 de Abril, nem o que significou para Portugal”. Quanto à Televisão Pública foi o descalabro, não só tirou iguais conclusões sobre a ignorância dos jovens relativamente à data, como de seguida, em inquérito de rua, foi interrogar outros jovens com as mesmas perguntas, chegando à conclusão que eles nada sabem. Alguns, por acaso, até sabiam.
Depois, para demonstrar o desinteresse do cidadão por aquela data, vai à Costa da Caparica interrogar alguns banhistas porque é que eles estavam ali a apanhar Sol e não a comemorar o Dia da Liberdade. Já se sabe este tipo de perguntas só amplia, por contraste, o desinteresse das pessoas pelo significado da data. Quando a participação cívica se torna obrigação e dever e não puro prazer, o cidadão encontra imediatamente justificações para fugir a essa participação. Por isso, parece-me sempre de mau gosto, e um apelo sub-reptício à inacção, quando um inquérito televisivo opõe praia ou férias a deveres de cidadania.
Quanto à interrogação do Presidente da República relativa à ignorância dos jovens sobre o 25 de Abril, ao menos que, para a próxima, peça que ponham uma pergunta sobre aquela data.

2 comentários:

Anónimo disse...

A geração de Abril anda a dar cabo de mim. A geração de Abril é formada por aqueles que tinham entre 20 e 30 anos na altura do 25 de Abril de 1974. Por isso lembram-se bem do período pré-revolucionário, viveram com grande intensidade a revolução e com frequência tomaram parte em alguns eventos desse período excitante. Muitos licenciaram-se na altura, com fáceis "passagens administrativas", tendo adquirido questionáveis competências profissionais. Têm agora entre 55 e 65 anos. São os chefes e directores dos serviços e departamentos da actualidade.
No entanto, têm uma grande incapacidade para exercerem a autoridade. No seu subconsciente, um chefe que se assume como o responsável máximo, que coordena, orienta, vigia e ordena o funcionamento das coisas é fascista. É fascista porque é autoritário, déspota e não dialoga, não busca consensos, não contemporiza. E por isso a geração de Abril chefia e dirige os serviços e departamentos de uma forma indefinida. Ou apenas marcam presença e deixam as coisas em autogestão. Ou delegam noutros as diversas funções que lhes caberiam a si.
A geração de Abril acha que "as bases", que "o povo" é que deve tomar as rédeas e auto-organizar-se. A geração de Abril não se sente bem a organizar e a dirigir as bases. E, por isso, continuamos como nos descreviam os romanos: "Um povo que não se governa nem se deixa governar." E, no entanto, no século XVI, Camões dizia "que um fraco Rei faz fraca a forte gente". E o general Beresford, no século XIX, tecia rasgados elogios aos soldados portugueses e, já então, concluía que a nós só nos faltava liderança competente.
A geração de Abril viveu a conquista da liberdade. Arrumou na prateleira os velhos do Restelo da altura, e eles ficaram na prateleira a suspirar pelos "bons velhos tempos do fascismo", enquanto a geração de Abril experimentava o poder recém-adquirido da mudança. A geração de Abril gosta de lembrar às novas gerações como as coisas eram más antes de Abril, e como a situação actual representa um progresso tão grande sobre o tempo do fascismo. Sempre que as novas gerações se inquietam e se desagradam com o actual, e incomodam, impertinentes, com a vontade de mudar, de evoluir para mais acima, a geração de Abril, com paciência, mas também com um pouco de enfado, relembra como viemos lá de tão abaixo e, perante a agitação inquieta de quem não se satisfaz com o presente e quer mais, sempre mais, exclama: "Mas estamos tão bem, funcionamos assim há dez, 15, 20 anos, para quê mudar?"

E as novas gerações não querem saber das conquistas de Abril, da liberdade, dos "direitos adquiridos dos trabalhadores". Não querem saber do passado, querem o presente e o futuro. E bocejam, quando a geração de Abril insiste em falar, de forma incompreensível, em coisas que as novas gerações não conheceram: o PREC, o Grupo dos Nove, Vasco Lourenço, Salazar, Otelo, Marcelo Caetano, Spínola, 11 de Março, 25 de Novembro, direita, esquerda, reaccionário... O que foi tudo isto? E o que interessa hoje? E a geração de Abril, todos os anos, nas comemorações da revolução, suspira com a forma como as novas gerações se desligam dessa importante data. As novas gerações querem mais. Querem profissionalismo, eficiência, competência, mais do que ser de esquerda ou de direita ou convicções político-partidárias. Querem economia a crescer, mais do que "direitos adquiridos dos trabalhadores". Querem saber quem manda em quê, mas também quem é responsável por quê.
As novas gerações acham natural que todos se submetam à avaliação da qualidade e quantidade do seu trabalho. A geração de Abril considera a avaliação uma afronta e uma intromissão intolerável do "patronato" sobre "os trabalhadores". Mas as novas gerações nem sabem bem o que são "os trabalhadores", visto que todos trabalham, desde o marceneiro ao gestor da marcenaria, desde o repositor do supermercado até ao seu gerente.
A geração de Abril fica assustada quando se fala de formação, considera ridículo pensar em voltar a aprender, muitas vezes com pessoas muito mais novas, principalmente se essa aprendizagem envolver avaliação final. As novas gerações sabem que só um esforço contínuo em aprender, de preferência com avaliação repetida do que sabemos (para descobrir e corrigir o que não sabemos), é que poderá levar à realização e estabilidade profissionais.
A geração de Abril assusta-se com a possibilidade de despedimento na função pública. As novas gerações estão fartas da incompetência da função pública. A geração de Abril considera que a segurança no emprego é essencial. As novas gerações sabem que a segurança no emprego depende da evolução da economia e da competência de cada um naquilo que faz. Gostavam que a geração de Abril se ouvisse a si própria e se lembrasse do que ouvia aos dinossauros do regime, antes de Abril. Gostavam que a geração de Abril saísse da frente e deixasse a vida avançar. Porque sopram ventos de mudança, que já não são os de Abril, esses já sopraram, foram bons, úteis e importantes, mas pertencem ao passado e já não servem agora.
Tiago Tribolet de Abreu, Médico

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Ora que prazer ter alguém que lê o meu blog e que me deixa um texto que, dado não ser assinante do Público via inernet, tinha dificuldade em obter na sua versão digital. Assim já o posso comentar, remetendo os interessados para os comentários do meu blog. Bem hajam.