Ontem, na Quadratura do Círculo, da SIC Notícias, Pacheco Pereira protestou contra as declarações de Otelo Saraiva de Carvalho, em que esta dizia que não gostava de ver militares fardados a manifestarem-se e que devia a haver um golpe de Estado militar se fossem ultrapassados certos limites. Acrescentava de seguida que presentemente era muito mais fácil fazê-lo já que havia menos quartéis. Pacheco Pereira, como sempre, indignou-se com os media que foram ouvir as declarações de Otelo e as reproduziram, afirmando, e com verdade, que se fosse alguém diferente do Otelo a fazer aquele apelo, nenhum órgão de informação se prestaria a ouvi-lo. Lobo Xavier aproveitou para acusar Otelo de ter sido chefe de um bando de assassinos, o que é verdade em relação às Brigadas 25 de Abril, mas, quanto, a mim, era igualmente um ajuste de contas com um dos principais responsáveis por aquela data ter acontecido e por todo o PREC subsequente.
Ora bem, estas declarações surgem no momento oportuno. Otelo comporta-se, como quase desde o princípio da Revolução do 25 de Abril, como um provocador. Reconheço que esta faceta se tem vindo a agravar ultimamente, mas desde a carta a Vasco Gonçalves, nos tempos já longínquos do PREC, até ter fugido no 25 de Novembro, passando pela criação de um grupo armado, já em plena democracia, que esta sua vocação se vinha a manifestar.
Por isso, a direita não se deve indignar com estas declarações de Otelo, ele está a cumprir a sua missão. Se a acção que os militares se propunham desencadear era uma manifestação, que, como declararam, cumpria o que estava estipulado na lei, não aparecerem fardados, aí está Otelo a dizer que não gostava de manifestações de militares fardados. O que propunha era então o golpe de estado. Isto é sem dúvida uma provocação, desmobiliza as acções actuais a favor de uma acção radical que ele sabe que não é possível nas actuais circunstâncias. Já se sabe que as associações de sargentos e oficiais vieram dizer que aquelas declarações “não são para levar a sério”. Tiveram o pudor de não as considerarem uma autêntica provocação.
É engraçado que há na bloggosfera alguns bloggers que se comportam da mesma maneira. Criticam todos os esforços que a esquerda faça para se unir e agir, considerando-os oportunistas, e clamam sempre por uma alteração revolucionária que leve a sociedade para outro sistema económico, que não o capitalista. Eu sei que muitos não o fazem por mal, não se comportam como o Otelo, que, para mim, desempenha o papel do provocador de serviço, mas no fundo, a sua crítica às acções imediatas a favor de objectivos finais mais vastos e impossíveis de concretizar, sem passarem por passos intermédios, conduzem aos mesmos resultados, à desmobilização à a desmoralização de quem se propõe lutar no imediato.
4 comentários:
1 A abstenção do PS
Só há pouco li a sua resposta ao meu comentário. Daí o atraso na minha derradeira réplica.
A ‘ciência’ política e as relações internacionais são áreas do conhecimento de conteúdo profundamente ideológico, geralmente ao serviço da classe dirigente, isto é da burguesia.
São ramos não-credíveis do conhecimento, já que propõem uma ‘leitura’ em vários aspectos mistificada, mitificada e deformada dos fenómenos sociais que pretendem estudar. Não obstante a simpatia pessoal que nutro por alguns desses estudiosos, e a sua procura de honestidade, não acredito em numerosos dos seus postulados. Em muitíssimos casos as suas afirmações, conceitos e teorias explicativas estão errados e baseiam-se normalmente em conceitos resultantes, eles próprios, de conceitos e preconceitos não confirmados pela prática, alguns vindos da guerra-fria. Muito poucas vezes se baseiam em factos incontestáveis, pois relatórios e documentos políticos, diplomáticos ou de serviços de espionagem (‘intelligence’…) ou das ‘altas esferas’ poucas vezes respeitam ‘a verdade dos factos’. Decretar que o P’S’ é um partido de centro-esquerda é simplesmente inexacto, e portanto uma afirmação não credível dos ‘cientistas’ políticos.
Pessoalmente não aceito, nem embandeiro em arco com, tudo o que os pretensos ‘cientistas’ sociais decretam. Sendo a minha formação na área das ditas ‘ciências’ sociais, com conhecimento de causa acredito pouco na sua cientificidade. Têm bastas vezes mais a ver com a ‘arte’… da manipulação, da justificação dos interesses da classe/camada social a que pertence ou que defende o ‘cientista’, do que com a materialidade, a concreticidade dos factos que pretende tratar.
Uma vez que não aceitou definir o que para si é ‘esquerda’, proponho-lhe uma curtíssima definição de três conceitos.
Os partidos de direita têm por função a manutenção, defesa e reforço do regime capitalista – se necessário regressivamente (género redução dos salários nominais e reais, aumento da jornada de trabalho sem o correspondente aumento de salário/vencimento, golpe de Estado de tipo chileno, etc). Podem ser conservadores, liberais ou moderados, e no pior dos casos reaccionários. Os partidos de esquerda propõem-se não só defender os interesses das classes trabalhadoras como também lutar pela transformação do regime económico, social e político, e a recusa dos regimes de exploração do homem pelo homem. O que marca indelevelmente a Esquerda é a vontade de mudança efectiva de modo de produção, a passagem a uma formação social não antagónica.
2 A abstenção do PS
Os partidos do Centro constituem realmente paradoxos. Afirmando-se como proponentes da passagem a um regime social diferente, uma sociedade socialista sem exploração dos trabalhadores pelos patrões, segundo o Programa do PS de Dezembro de 1974…, na prática protegem e reforçam o regime económico e social capitalista vigente. Os seus quadros dirigentes superiores mistificam assim os seus militantes e eventuais votantes, colaboram e solicitam o apoio da alta burguesia internacional, ressuscitam o mais bacoco anti-comunismo (Soares já em Outubro de 1974 se apresentava a Kissinger como o campeão português anti-PCP e o agente de confiança dos interesses USA. Kissinger, em 1975, considerou Soares como ‘um aamigo’ (ver os livros de Tiago Moreira de Sá, nomeadamente a sua tese de doutoramento). Os partidos de centro são uma espécie de direita envergonhada, afirmam-se de esquerda e são, nos factos, de direita. Por comodidade de classificação coloco-os ao Centro…
Poderemos classificar de esquerda um partido defensor do capitalismo e da dominação política exclusiva da média burguesia, como é o caso dos partidos sociais-democratas? Em rigor, são partidos de direita. Se somar artimeticamente um sinal + (partido de direita, capitalista) com um sinal – (partido de esquerda, anti-capitalista), obterá uma soma 0! É por isso que diz que o Centro político não existe. Tem razão. Mas então, onde colocará o Partido dito ‘Socialista’?
No 1º volume “Soares: ditadura e revolução” da longa entrevista do inefável Mário Soares a Maria João Avillez, o Dr Soares confessou que, desde os inícios dos anos 70, social-democrata, mas que - como a social-democracia era abominada pelos progressistas portugueses – se declarava socialista, o que significava social-democrata. Em Março de 1975, num comício em Ponte de Sor, na campanha eleitoral para a Constituinte, essa inefável personagem clamou com razão que a social-democracia é capitalismo, é direita, e que ele era socialista, portanto de esquerda (cito de memória: RODRIGUES, Avelino ; BORGA, Cesário ; CARDOSO, Mário. Portugal depois de Abril. Lisboa : Intervoz, [1976]). No mesmo volume da entrevista já citada, Soares declarou que o Programa do PS de Dezembro de 1974, que propunha a luta pela passagem a uma sociedade socialista, sem exploração, etc, era uma parvoíce, uma infantilidade que ele não tomava em conta. Mas foi o Dr Soares e a sua ‘entourage’ quem dominou, dirigiu, moldou e influenciou o tal partido dito ‘socialista’. Apesar de nele existirem pessoas verdadeiramente de esquerda, socialistas de facto.
3 A abstenção do PS
Até aos nossos dias, os altos dirigentes do PS entenderam-se exclusivamente com os partidos da Direita, PPD (por vezes crismado de PSD, mas realmente burguês e liberal) e CDS (PP, conservador). Sempre recusaram entendimentos pontuais, e menos ainda alianças, com as forças políticas à sua esquerda. Durante o PREC foram a ponta de lança civil da contra-revolução. Ao combinar com os dirigentes sociais-democratas britânicos a sua intervenção militar em Portugal por ocasião do 25.11.75 (são factos históricos, comprovados e documentados), para desempenhar papel idêntico ao do dirigente social-democrata alemão na chacina dos comunistas durante a tentativa revolucionária de 1919 (cito de memória), o inefável secretário-geral ‘socialista’, sempre aprovado e jamais posto em causa pelos militantes do PS, cuja política actual é uma continuação sem falhas da opção de classe médio, pequeno-burguesa e capitalista daquele, o Dr Soares demonstrou e provou que o seu partido não é uma organização de esquerda, pode ser paradoxalmente classificada de centro/centrista, mas deveria rigorosamente ser classificada de direita, possivelmente moderada, dada a sua preocupação de alguma justiça social. É que a má-consciência da direita envergonhada preocupa-se, por vezes, em fazer-se perdoar pelos seus pecados de ganância e incontinência, fazendo por vezes algum bem aos pobrezinhos e necessitados…
Como classifica você o PS de partido de centro-esquerda, se ao mesmo tempo diz que o centro não existe, e o PS não é de esquerda?... É verdade que o PS sempre preferiu sentar-se no Centro do Parlamento, entre a Direita do CDS e PPD e a Esquerda constituída pelo PCP e o BE. Parece que afinal o Centro, paradoxal e idealmente, sempre existe, ao menos como intenção… Compreendo, e defendo, que é necessário fazer acordos, entrar por vezes em compromissos para avançar na justiça social e política. Mas há princípios a preservar. Não vale tudo. Há que não ter ilusões.
Enfim, termino por aqui.
Para Armando Cerqueira
Porque este assunto foi abordado por si e por outrem no Facebook, irei fazer um post exclusivamente sobre este assunto.
Espero que leia
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