27/07/2010

A Direita na Ofensiva: a Revisão Constitucional


Já quase tudo foi dito sobre a proposta de Revisão Constitucional, no entanto, há uma pergunta que fica no ar: “O que quer verdadeiramente o PSD?” Fê-la São José Almeida, num artigo que escreveu para o Público (Para refundar o regime, ver aqui e aqui), de Sábado passado, e a que não deu resposta
O CDS já diversas vezes veio insinuar que tudo isto não passa de uma encenação, para mostrar que o PS e o PSD são diferentes. Um dos seus deputados chegou mesmo a afirmar que o PS quer passar por ser de esquerda e não é e o PSD quer mostrar que é diferente do PS. É sempre neste tom ou com pequenas variações que o CDS se refere a esta proposta (ver declarações de Portas aqui). Já se sabe os partidos à esquerda do PS mostraram-se indignados e o PS foi pelo mesmo caminho, no entanto, parece que algumas das alterações propostas têm o seu apoio. Por este motivo, mas principalmente pelo seu passado de cedências nas anteriores revisões constitucionais, aqueles partidos advertem para a costumeira rábula do PS, que começa por jurar que não aceita as propostas da direita e depois cede completamente.
Nos blogs e nalguns comentários prevalece a ideia de que tudo isto não passa de uma encenação. No entanto, há outros que admitem que o PS teria que aceitar algumas destas propostas para poder fazer passar o seu Orçamento de Estado. Vi um comentário de António da Costa Pinto nesse sentido. Ou seja, em muitos lados começa a passar a ideia que depois das presidenciais tudo isto é para negociar, o problema é só uma questão de timing.

Ao contrário de que muitos dizem, estas propostas não são novas. Há muito que vem passando a ideia, acalentada, é interessante, pela direita, de que os ricos não devem no SNS pagar o mesmo que os pobres. Ainda ontem no programa RTPN, Pontos de Vista (ainda sem link) o representante do PSD dizia que um pescador da Afurada e acrescentou-lhe a seguir mais algumas classes desfavorecidas não deviam pagar o mesmo que o Belmiro de Azevedo, como se alguma vez este senhor recorresse ao SNS. A demagogia pela voz do PSD está a ultrapassar todos os limites. Mas, como eu escrevia, as ideias não são novas, recorrentemente regressam à praça pública trazidas pela direita. Estou-me a lembrar, quando no Governo de Guterres, não sei se em tempo de revisão constitucional, a direita insistia no plafonamento da Segurança Social, em que só se descontava até um certo limite e o resto eram os próprios que decidiam se queriam continuar na Segurança Social pública ou se queriam fazer uma seguro privado. Esta teoria fez o seu percurso e havia gente do PS pronta a aceitá-la, até que Ferro Rodrigues, ministro então dessa área, veio dizer que a segurança social não se aguentaria se os que ganhassem mais pudessem sair dela voluntariamente. Tinha um estudo que provava isso. A vozearia lá se acalmou e o PS pôs ponto final nessa reivindicação da direita.
Mas não estamos livres com uns arranjos aqui ou umas alterações acolá o PS não descubra que é preciso corrigir algumas “injustiças” e não ceda em certos pontos.
Mas, mais do que isso, já vai aceitando a moção de censura construtiva proposta também pelo PSD e que em tempos já foi bandeira do PS. Esta moção de censura construtiva é mais uma forma de aferrolhar definitivamente a Constituição de modo a que os executivos minoritários possam sobreviver sempre, principalmente os do PS. O programa do Governo já não tem que ser votado, se qualquer moção de censura tem que ser construtiva, é impossível no Parlamento deitar um Governo do PS abaixo. A direita nunca governará como o PCP ou o Bloco.

Dito isto, parece-me a mim claro que o PSD quer obrigar o PS a vir negociar no seu terreno e como vimos não está tão longe disso como pode parecer. Mas, mesmo que o PS se mantenha intransigente, devido à tão falada, mas nunca actuante ala esquerda, esta iniciativa do PSD, para além de não deixar o CDS com o monopólio da direita, e este já percebeu que está a ser encostado à parede, visa, integrada na ofensiva mais geral do patronato, dos ex-ministros das finanças, de todo o comentador encartado que povoa neste momento o espaço mediático, e que eu tenho vindo aqui a denunciar, reforçar a ideologia neo-liberal, empurrando o PS para a direita e isolando a esquerda à esquerda do PS. No fundo o PSD pretende neste momento arregimentar todo o bloco da direita, dando consistência ideológica e esforçando-se pela conquista da sua hegemonia.
Não podemos com alguma ligeireza pensar que isto foi um tiro no pé do PSD ou alguma leviandade de Verão ou mesmo, como diz o PS, o resultado da falta de maturidade do seu líder. Quem encabeçou este projecto de revisão, esse tenebroso Paulo Teixeira Pinto, sabe muito bem ao que vem.

19/07/2010

O Estado da Nação


A propósito deste tema, que abarcou o final da semana passada, gostaria de fazer algumas considerações que dividirei por capítulos.

A irracionalidade das acções políticas
Durante os últimos tempos tem-se assistido, depois da proposta de dançar o tango a dois, a um constante agravar das relações e das críticas entre o PS e o PSD. Nem vale a pena enumerar, tantas são e tais são os mimos que uns e outros trocam entre si.
Há quem diga que tudo isto é encenação, para satisfazer as bases de cada um dos partidos e poder-se dizer que o PS, apesar dos acordos à direita, é de esquerda e o PSD não anda a fazer o frete ao PS e está verdadeiramente interessado em vir a governar o país sem aquele partido. Há mesmo quem afirme que é a União Europeia que está a forçar estes acordos, porque não quer eleições antecipadas visto achar que esse facto poderia levar o país à bancarrota. Por isso, estes ataques não passariam de um cenário para, cumprindo os desígnios da EU, dar satisfação às bases de cada um dos partidos.
Tenho para mim que tudo isto pode ser verdade, mas em política há um tal grau de irracionalidade, que em determinada altura não é possível controlar estas deixas para “inglês ver”. Os partidos são arrastados pelas afirmações que fazem e, em determinado momento, são mesmo obrigados a travar guerras que não querem. Por isso penso, a continuar esta constante troca de insultos, mais tarde ou mais cedo tem que haver um confronto, que provavelmente virá a ser eleitoral.

Ataques ao carácter ou às ideias
O PS tem exultado com a mudança de líder no PSD, todos os seus dirigentes têm elogiado esta nova direcção, porque abandonou os ataques de carácter ao Primeiro-Ministro e começou a discutir política. Ainda esta semana António Costa, na Quadratura do Círculo, fez, mais uma vez, o elogio desta nova atitude.
Os comentadores parece que também alinham pela mesma bitola e a subida do PSD nas sondagens vem confirmar esta situação.
Tenho para mim que isto não é inteiramente verdade. A impopularidade de Sócrates e a descida do PS nas sondagens começaram quando os aspectos da sua vida pública, mas que eram ignorados pelos eleitores, começaram a vir ao de cima e a personalidade do primeiro-ministro se revelou por inteiro no modo como reagiu a esses factos e no tipo de escândalos em que se viu envolvido.
Só um PS completamente dominado pelo culto da personalidade e fascinado por aquilo que considera a determinação de Sócrates, em oposição a anteriores secretários-gerais, e a sua capacidade, até ao momento, de ganhar eleições, tem permitido que este partido se renda aos pés do seu líder – no programa de televisão acima referido, António Costa falava da tibieza dos ministros do Governo opondo-a à determinação do seu chefe.
Este facto, o culto da personalidade, perturba a situação política e facilita de modo decisivo a abulia do PS e a completa ultrapassagem do seu líder por uma personagem tão medíocre como Pedro Passos Coelho.

Que farão BE e PCP numa moção de censura ao Governo?
Uma moção de censura a este Governo só poderia ser apresentada até meados de Setembro. Depois entramos nos últimos seis meses de mandato presidencial, em que o detentor deste cargo não pode dissolver o Parlamento nem convocar eleições. Como o novo presidente eleito só tomará posse lá para Março do ano que vem, quaisquer eleições, a realizarem-se, só terão lugar em Maio. Ou seja, estamos condenados a viver nesta abulia governativa até àquela altura.
Se as eleições forem ganhas por Manuel Alegre, a situação já será completamente diferente, provavelmente não haverá eleições e o cenário governativo é um pouco imprevisível. Manuel Alegre introduziria no sistema uma “alegre” perturbação que neste momento é difícil de prever.
Mas verificando-se a vitória de Cavaco Silva é muito provável que apareça uma moção de censura por essa altura. É uma previsão, como é evidente, e em política dez ou onze meses são uma eternidade.
Mas admitindo que tudo ficava como agora nos encontramos, como votariam BE e PCP uma moção de censura da direita com fortes probabilidades de derrubar o Governo? Dir-me-ão que esses são os cenários que os analistas e os jornalistas gostam de traçar, sempre prontos a encontrar contradições e “caixas” noticiosas para vender, e que um político a sério não traça cenários com tanta antecedência e só decide numa situação e num tempo concreto. Concordo.
Mas recomendaria aos amigos à esquerda do PS que reflectissem nesta situação, principalmente se as sondagens, que sempre se enganam, mas não tanto como isso, indicassem uma clara vitória do PSD aliado ou não ao CDS. Que diria o povo deste país se entregássemos o Governo à direita?
Durante toda a vigência da actual Constituição só uma vez é que a esquerda, à esquerda do PS, teve que decidir entre um PS sozinho, minoritário, ou um possível Governo mais à direita e mesmo assim a situação era diferente do cenário acima exposto. Foi nos longínquos anos de 70, perante o Governo do PS sozinho, em que o PCP permitiu que uma moção de censura da direita pudesse derrotar Mário Soares. Ainda hoje tenho dúvidas se essa atitude foi correcta.

A campanha eleitoral de Manuel Alegre
No meio deste cenário de incertezas, impasses políticos, de avanços indiscutíveis da direita e de claro empobrecimento do povo português, vão-se disputar as eleições presidenciais, que, quanto a mim, trazem algumas novidades ao cenário político acima descrito.
Primeiro, Manuel Alegre é dentre os candidatos que o PS apresentou até hoje aquele que está mais engajado com uma política de esquerda.
Segundo, tem o apoio explícito de um partido de esquerda, à esquerda do PS, que permitirá uma abrangência e unidade até hoje dificilmente obtidas na esquerda.
Sabe-se que a campanha vai ser extremamente difícil, com muitas incompreensões e pelos vistos com sabotagens deliberadas, a última é a de Defensor de Moura do PS, se é que ele chegará a concretizar a sua candidatura. Temos no entanto a possibilidade, assim o candidato o queira e as forças em presença sejam capazes de o fazer, de agitar alguns dos temas que mais têm sido discutidos na actualidade. Era indispensável defender os serviços públicos: o SNS e a escola pública, mas também o fim das privatizações, e o reforço do investimento estatal. Era necessário desmascarar as propostas da direita quanto à revisão da Constituição e o fim do Estado Social. É possível conseguir uma boa agitação em volta destas matérias tão úteis ao debate futuro. Era necessário não ser sectário e estender a mão ao possível candidato do PCP.
Um investimento na candidatura de Manuel Alegre é um investimento na evolução futura da situação política. Assim haja força para a agarrar.

17/07/2010

Algumas perplexidades sobre a posição do Partido Comunista da Grécia (KKE)


Quem lê regularmente o Avante ou segue os sites ligados a militantes do PCP encontra várias vezes referências elogiosas e principalmente traduções de tomadas de posição do Partido Comunista da Grécia, cujo acrónimo original é KKE.
Nesta minha apreciação vou-me limitar, até para restringir o objecto de estudo, a duas entrevistas e a um comunicado/artigo da sua Secretária-geral, Aleka Papariga, e que foram transcritos pelo ODiário.info (ver aqui uma entrevista e a outra aqui) e pelo Resistir.info (ver aqui, com um nota biográfica introdutória, a última entrevista de ODiário.info e aqui o comunicado/artigo).

No entanto, porque já anteriormente tinha tomado posição sobre declarações do KKE não quero passar em claro essas minhas antigas apreciações, porque elas se interligam com a crítica que hoje faço dos textos acima referidos.
Assim, a primeira vez que tomei posição sobre um comunicado do KKE foi relativo a uma declaração deste No 90º aniversário da Grande Revolução Socialista de Outubro na Rússia (1917), que tinha sido transcrito em ODiário.info, numa tradução de António Vilarigues, que também a publicou no seu blog, O Castendo, e que, segundo averiguei, serviu de texto de apoio a algumas reuniões do PCP.
As críticas sucessivas que vim fazendo a esta Declaração estão todas reunidas, ou seja, os seus links, no post que escrevi relativo ao livro de Carlos Brito sobre Álvaro Cunhal, na parte em que este aborda a Revolução Democrática e Nacional.

Ora que propostas avança o KKE neste momento de profunda crise económica e financeira que atravessa a Grécia?
Logo na primeira entrevista, e destacada pelo editor do site como subtítulo, surge esta proposta da Secretária-geral do KKE: “Para os comunistas gregos a única opção [para a presente crise do capitalismo] é a saída popular, que não pode ser outra senão o socialismo. Não há saídas intermédias, tão pouco reformistas, num mundo, a seguir à derrota soviética, em que sectores da pseudo-esquerda sentem pânico da luta pela transformação revolucionária da sociedade”. E qual o caminho para atingir o socialismo? “A nossa proposta de saída da crise resume-se à consigna: “aliança popular de trabalhadores, anti-monopolista, para o poder popular”, que é necessária para conseguir mudanças radicais, primeiro, a nível da economia e, em geral, a nível do poder.” E continua: “O caminho para satisfazer os direitos populares contemporâneos, para que o nosso país confronte as intervenções e os antagonismos dos organismos imperialistas internacionais, é que o povo esteja no poder, tendo nas suas mãos o controlo da economia e da produção.” E depois aponta para uma solução nacional: “O caminho a favor do povo é só o socialismo e jogar-se-á primeiro a nível nacional. Na Europa, cada povo que escolha esta via de desenvolvimento e de organização da sociedade contra a exploração do capital e dos monopólios estará obrigatoriamente contra a UE.”
A seguir descreve pormenorizadamente como se organizará a futura sociedade do poder popular: “Por isso, a proposta de alianças e poder para o povo têm os seguintes eixos básicos: que todas as grandes fábricas e empresas de energia e de matéria-prima, os transportes, as telecomunicações, as indústrias, o comércio e os bancos sejam propriedade social. Que se socializem os monopólios, de maneira que, com a planificação centralizada do poder popular, se utilizem todas as capacidades produtivas do país, tendo como único critério as necessidades do povo. Ao seu lado funcionarão, incluídas na planificação nacional, as cooperativas de produção dos pobres e médios camponeses e dos pequenos comerciantes. Que a terra deixe de ser uma mercadoria. Que não exista actividade empresarial nos sectores da educação, da saúde e do bem-estar social.
A base do poder popular serão as unidades de produção do sector socializado e das cooperativas, cujos representantes poderão ser substituídos e, em simultâneo, existirá o controlo operário popular, da base ao topo.
Esta Grécia do poder popular e da economia popular não cabe em nenhum tipo de organismo imperialista como são a UE, a NATO, etc. Renegociará a dívida pública e tratará de conseguir acordos internacionais e cooperações numa base completamente diferente e utilizará as contradições imperialistas na medida em que o puder fazer. Para nós, o poder popular não pode ser outro senão o socialismo.
” (As palavras a negrito são em todos os textos da minha responsabilidade)
Na outra entrevista, também de ODiário.info, não se fazem afirmações muito diferentes: “Hoje em dia é necessária uma sociedade socialista, que representa a única possibilidade de o povo gozar dos frutos do seu trabalho e para que as modernas conquistas da ciência e da cultura sejam utilizadas a favor dos interesses de todos e não do lucro. E tudo isto, naturalmente, requer a construção de uma sociedade socialista.
No Comunicado/Artigo, depois de descrever a crise do capitalismo grego, insiste num programa alternativo, mais desenvolvido, mas semelhante, ao que atrás foi exposto, ou seja, numa “Frente anti-imperialista, anti-monopolista e democrática – Poder e economia popular” (palavras a negrito são também da minha responsabilidade).

Todas estas longas citações visam unicamente tentar transmitir ao leitor qual é o pensamento da Secretária-geral dos Comunistas Gregos, de modo que o mesmo não seja adulterado, por quem, como eu, tema algumas dúvidas sobre a sua exequibilidade e, mais do que isso, considera as suas declarações eivadas de um profundo “esquerdismo” e de um completo afastamento da realidade.
Mas, passemos aos factos. A Grécia vive hoje uma crise económica e financeira de incalculáveis repercussões e os programas de austeridade estabelecidos pelo Governo socialista (PASOK) Grego são, sem dúvida nenhuma, muito mais gravosos do que aqueles que o Governo do PS, em Portugal, apoiado pela direita, nos tenta impor. A luta dos trabalhadores gregos e de outras camadas vítimas daquelas medidas tem sido importante, com recurso constante a manifestações e a greves gerais. Tão importante e com tal vigor que o KKE já sonha com a conquista do poder popular e a instauração do socialismo.
Nas últimas eleições, que se realizaram em Outubro de 2009, o KKE obteve 7,54 %, contra os 8,15 % das anteriores e a coligação das esquerdas radicais, SYRISA, semelhante ao nosso Bloco de Esquerda, 4.6 %, nas anteriores 5,04 %. O Partido Socialista de lá, o PASOK, ganhou as eleições com 43.92 % dos votos. A luta na rua, as sucessivas greves gerais e a combatividade mostrada pelos trabalhadores são indicadores de um forte ascenso popular. Mas haverá condições para o KKE impor neste momento um governo popular, com um programa de nacionalizações e de organização económica completamente alternativo à sociedade capitalista?
No meio disto, e em crítica severa ao reformismo, que é expressa nos textos que apresento, e ao anarquismo, responsável pelas manifestações de violência nas ruas, como é possível estabelecer uma Frente que possa criar e erigir o poder popular como saída para a crise? Por outro lado, como é visível em todo o texto, apesar de se indicar como saída o socialismo e logo no início de um dos textos se criticar as saídas intermédias e reformistas da “pseudo-esquerda” (do SYRISA), volta não volta refere-se à aliança popular e anti-monopolista, que na linguagem comunista sempre foi indicador de um estádio intermédio, anterior ao socialismo. Parece-me por isso haver um forte esquerdismo nas palavras e alguma confusão nos conceitos.
Pelo que foi dito está-me a parecer que apesar da combatividade demonstrada pelos trabalhadores gregos, tenho receio que se encontrem mais uma vez numa situação de bloqueio e de ausência de propostas políticas que possam levar a uma saída para a crise.

Terminaria afirmando, apesar da constante referência pelo PCP e dos seus amigos ao KKE a verdade é que mesmo assim a linguagem e as propostas ainda são bastante diferentes. Não estamos a ver o nosso PCP a propor neste momento como saída o poder popular e o socialismo, nem a elaborar um claro programa de socializações e de clara organização socialista da economia. O máximo que se refere é uma alternativa ao actual modelo de desenvolvimento em vez da alternância costumeira entre PS e a direita
Apesar da tradicional combatividade do KKE – esteve envolvido numa guerra civil das mais cruentas da Europa e que é normalmente esquecida – não estou a ver na Grécia, nem na actual União Europeia, sem ser na retórica das palavras, um contra-poder popular apostado na saída socialista para a crise.

13/07/2010

A história da Carochinha de Pacheco Pereira


O Público de Sábado publicou dois artigos, um de Pacheco Pereira, Uma história da Carochinha que passa por ideologia, e outro de São José Almeida, A esquizofrenia política do PS. Qualquer deles referia-se às Jornadas Parlamentares do PS, que se tinham realizado nessa semana, e àquilo que tinha sido dito por Mário Soares, Ferro Rodrigues, Paulo Pedroso e pelo próprio José Sócrates contra o discurso neo-liberal e o PSD. No Domingo, Marcelo Rebelo de Sousa, no seu comentário semanal que agora mantém na TVI, disse que as afirmações lá proferidas constituíam uma viragem à esquerda do PS e um começo de apoio a Manuel Alegre e ao mesmo tempo um abandono por parte daquele partido da sua ancoragem ao centro, que foi deixado ao PSD. Por outro lado, é também uma tentativa de ir buscar votos à esquerda, BE e PCP, para o seu candidato presidencial.
Antes de me debruçar sobre os dois artigos referidos e para os quais não disponho de links, gostaria de comentar as palavras de Marcelo. O PS não necessita de fazer um discurso de esquerda por causa do seu candidato presidencial, este fá-lo por si, e já vai buscar garantidamente votos ao Bloco de Esquerda, que lhe deu o seu apoio. Este partido é que tem que elaborar um discurso de apoio ao candidato que seja exequível para os seus eleitores.

Quanto aos dois textos do Público eles são o exemplo de duas leituras, uma de esquerda, outra de direita da mesma realidade. O de São José Almeida, que é de esquerda, desmonta muito bem a esquizofrenia do PS, que na prática pratica uma política neo-liberal, conjuntamente com Passos Coelho e o PSD, e na teoria se afirma contra ela. O mais interessante naquele artigo é afirmação de que todas as declarações do PS foram feitas com ar negligente, sem qualquer base em textos teóricos previamente distribuídos, nem em reflexões anteriores. E, pior ainda, depois de ditas ninguém retirou qualquer consequência prática. Podia-se dizer que foram feitas para épater le bourgeois.
O outro, o de Pacheco Pereira, que é de direita, tenta, como o anterior, desmontar as afirmações do PS, considerando a narrativa dos acontecimentos que aquele partido elaborou e que levaram ao aparecimento do neo-liberalismo e da crise económica actual como uma história da Carochinha que passa como a posição ideológica do PS. Mas, ao mesmo tempo diz desconhecer o que é o neo-liberalismo e aponta o excesso de gastos sociais como a razão da actual crise .
Neste seu texto PP recorre a algumas das piruetas que costuma utilizar noutros artigos. Primeiro o ataque aos jornalistas. Afirma que estes engolem como verdadeiras todas as proclamações que lhes querem vender. Assim, acreditam que o PS está a discutir ideologia, quando afirma que é por uma opção ideológica que não embarca no neo-liberalismo do PSD. Já se sabe que aqui tem razão, os jornalistas tenderão sempre a simplificar tudo e a engolir como boas todas as frases feitas que lhes queiram vender. Mas isto tanto sucede com o PS, como com o PSD e CDS. Já não é tão fácil aceitarem como boas as opiniões do Bloco ou do PCP.
Depois PP recorre a alguns truques da sua velha cultura de esquerda para, lembrando Althusser, dizer que a esquerda já se esqueceu do marxismo, pois aquele filósofo francês afirmava que a ideologia, era uma visão destorcida, de classe, da realidade, opondo-a ao conhecimento científico do socialismo. Que o PS se esqueceu do marxismo não tenho a mais pequena dúvida, que Sócrates nunca soube o que era é para mim uma certeza, mas não venha PP meter tudo no mesmo saco e reduzir uma questão complexa que sempre foi motivo de discussão e aprofundamento entre marxistas, de que Althusser foi uma das partes, à ignorância dos actuais mentores do PS. Mas recorramos ao significado fraco que é dado ao termo ideologia no Dicionário de Política, de Norberto Bobbio e outros: "o sistema de crenças políticas, conjunto de ideias e valores cuja função é a de orientar comportamentos colectivos relativos à ordem pública". Segundo aqueles autores, o significado forte seria, na esteira de Marx, uma distorção do conhecimento. Mas não é nesta acepção que Sócrates e companhia o utilizam. Por isso PP mostra uma erudição descabida.
Depois todo o texto, na sequência da intervenção que PP já tinha feito na Quadratura do Círculo, da SIC Notícias, pretende baralhar quem foram os estatistas, termo agora em voga, e os neo-liberais, chegando à conclusão, que os Blairs, os Clintons e companhia é que foram neo-liberais e que o Chirac, de direita, é que foi o estatista. E que cá em Portugal, Sócrates é que neo-liberal de serviço.
PP não deixa de ter a sua razão, a esquerda social-democrata, há muito que deixou de defender, aquilo que lhe restava que era o estado social e, em seu nome, tem vindo a recuar, até ser difícil separá-la dos neo-liberais. Mas não tenhamos dúvidas o neo-liberalismo, com os rapazes de Chicago a darem cartas, começou sem dúvida nenhuma com a dupla Thatcher–Reagan. E que agora, aproveitando esta onda de crise e de endividamento dos estados para acudir à economia da casino dos bancos, estão na disposição de destruir de vez com o estado-social, continuando, com a caução dos socialistas, a dizer que é para o defender.
Pacheco Pereira numa verdadeira operação de mistificação política chega ao ponto de afirmar que quem destruiu o estado-social foram aqueles que o engordaram e que agora com a diminuição demográfica e a globalização já não é possível continuar a mantê-lo. Ora é aqui que a esquerda não social-democrata, nem comprometida com a Terceira Via blairista, tem que argumentar que o que se verifica é um excesso de produção e uma diminuição acentuada da taxa de lucro do capitalismo, que necessita da privatização das funções sociais do Estado e do dinheiro que este lhe cobra em impostos.
Na Quadratura do Círculo, Pacheco Pereira termina afirmando porque é que os ricos não pagam a saúde, achando que o SNS deveria ser só para os pobres, esquecendo que os ricos podem sempre recorrer à saúde privada, e que é a classe média que é incapaz de pagar a saúde quando ela chega a valores perfeitamente insuportáveis. Tenha Pacheco Pereira um cancrozinho e veja o que teria que pagar por um tratamento de quimioterapia num hospital privado, mesmo tendo um seguro de saúde, que nessas condições raramente é possível fazer. Até guinchava e não lhe estou a rogar essa praga
Pacheco Pereira é pena não discutir, porque não quer, com os que lhe podiam fazer frente, apanha sempre com gente comprometida com o enterro que a social-democracia nacional e europeia está a fazer ao estado-social.

PS., (13/07/10): Com os mesmos argumentos e contando uma fábula igual, agora substituindo, no título, Carochinha por vulgata, aqui temo mais um texto de Pacheco Pereira na revista Sábado, sobre A vulgata ideológica dos socialistas, e transcrito no seu blog. Assim é fácil ganhar a vida. Começa-se num sítio a dizer uma coisa e depois transpõe-se com algumas alterações parar os outros locais onde colaboramos. Assim, temos a semana feita, com o mesmo argumentário recebe-se de três órgãos de comunicação social diferentes.

09/07/2010

Discurso de um soldado americano



Este discurso de um soldado americano, e reproduzido a partir do YouTube, foi enviado por e-mail. Achei-o tão interessante que quis partilhá-lo com vocês. Vejam, que vale a pena.

Álvaro Cunhal, sete fôlegos do combatente.


Fui ao lançamento do livro de Carlos Brito, Álvaro Cunhal, sete fôlegos do combatente. Memórias, das Edições Nelson de Matos, que teve lugar em Lisboa. Podemos dizer que estavam lá todas aquelas categorias de cidadãos, que José Neves, num texto cheio de graça, publicou no Vias de Facto, Os seres humanos em geral e o PCP em Particular. Já se sabe que algumas categorias mais reaccionárias não estavam lá, nem os ortodoxos mais empedernidos e penso que o José Neves também não.
O livro foi apresentado pelo editor, que devido a eu estar muito mais velho já quase não me reconhecia, quando fomos amigos de juventude, pelo Manuel Alegre, que fez um discurso de circunstância, para não se comprometer com nenhuma das partes que o apoia para presidente da República, e pelo António Borges Coelho, que aos oitenta e tal anos começou a publicar uma história de Portugal em vários volumes. Valente historiador e cidadão, que, com grande clareza de raciocínio, não se eximiu de referir, citando o próprio Brito, quando Mário Soares se refugiou no Porto, no 25 de Novembro de 74 e pensava marchar à frente de toda a reacção contra a Comuna de Lisboa. No final, José Manuel Mendes leu textos do livro.
Sei que este lançamento se passou há mais de um mês, que já foi referido por toda a imprensa, mas não quis deixar de dar testemunho sobre o mesmo.

Quando fui ao evento já tinha lido o livro. Lê-se de uma penada. Hoje para vos fazer esta crítica reli quase metade do mesmo e continuo a percorrer com prazer as suas histórias e evocações. Para quem viveu aqueles acontecimentos no PCP, é um pouco a nossa vida que é passada em revista. Por isso recomendo-vos vivamente a sua leitura, que não perdem o vosso tempo.
O livro, ao contrário de outros, cujos autores deixaram o PCP, não é nenhum ajuste de contas com o passado e muito menos com Cunhal. É mesmo bastante elogioso para a personagem, simplesmente não tem aquele carácter litúrgico que os ortodoxos gostam de imprimir a tudo aquilo que escrevem sobre o “venerando” Secretário-geral. Não há grandes revelações. A não ser aquela que foi glosada até ao infinito a quando da morte de José Saramago, de Álvaro ter dito, quando foi preciso escolher um director para O Diário, que Saramago era um esquerdista. Depois disso muita coisa mudou e as relações entre os dois melhoraram bastante.
Podemos dizer que mesmo em relação ao 25 de Novembro, e à época que antecedeu aquela data, há um grande pudor no tratamento do assunto. Eu penso que as coisas foram um bocadinho mais complicadas do que aquilo que descreve Carlos Brito. Mas considero que este livro não é uma história dos acontecimentos, mas sim as memórias do período em que Álvaro Cunhal e Carlos Brito se relacionaram.
O mais importante de toda a descrição é a enumeração daquilo que Carlos Brito considere os sete fôlegos de Cunhal, ou seja, as suas principais contribuições teóricas e a sua tradução prática na linha do Partido.

Desconhecendo eu este trabalho de Brito, elaborei há já algum tempo dois posts onde de certo modo abordo igualmente alguns dos aspectos teóricos desenvolvidos no livro. O meu texto tinha por título: O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril. Parte I e II (ver aqui e aqui) Na altura Brito leu-os, teve o pudor de não fazer grandes comentários, mas informou-me que estava a preparar as suas memórias que abrangiam o período referidos nos meus textos.

Para Brito o primeiro grande fôlego da Álvaro Cunhal foi sem dúvida o Rumo à Vitória, de 1964, onde era plasmada a situação política portuguesa e as tarefas indispensáveis para o derrube do fascismo e a proposta da Revolução Democrática e Nacional como tarefa central a realizar a seguir à queda do fascismo. Brito afirma mesmo: “O eixo ideológico central do Rumo à Vitória é a Revolução Democrática e Nacional, uma criação teórica a que Álvaro Cunhal chegou depois de profundo estudo sobre a realidade do país, que lhe permitiu fixar a etapa da revolução portuguesa e as respectivas tarefas no processo mundial”.
Concordando eu no essencial com a afirmação anterior não quero no entanto deixar de citar, a partir de Brito, este texto de Cunhal, de 43. “Nós tornamos bem claro que sempre fomos e continuamos sendo pelo Poder Soviético. Mas as condições não estão maduras para a Revolução Proletária. Todas as energias e todas as forças se devem unir no momento presente para bater o inimigo comum – o fascismo”.
Faço esta citação porque no texto por mim elaborado apresento a Revolução Democrática e Nacional não como uma novidade teórica, mas como a tradução para Portugal, neste caso com alguma originalidade e bastante entrosamento nacional, das propostas apresentadas pela Internacional Comunista, a partir do seu VII Congresso (1935) e depois pelo movimento comunista internacional, durante e no pós II Guerra Mundial, que consistiam na criação de etapas intermédias que ou visavam a defesa contra o fascismo (é o caso das Frentes Populares) ou o derrube do mesmo e a sua substituição por um estado intermédio. E isto é tanta verdade, que em 1943 Álvaro Cunhal no seu informe ao III Congresso do PCP, para justificar esta nova orientação, então ainda recente, utiliza as expressões que Brito transcreve.
Gostaria aqui só de lembrar, a título de exemplo, que enquanto a Internacional Comunista na sua fase esquerdista, já por mim aqui referida, preconizava para Itália a revolução socialista e recusava a colaboração com as forças liberais e sociais-democratas, então denominadas de sociais-fascistas, Gramsci na prisão defendia a convocação de um Assembleia Constituinte. Parecendo que isto nada tem a ver como o tema que estamos a tratar, parece-me a mim ser extremamente importante, pois que o PCP actual, um pouco na linha dos esquerdistas dos anos 60 e 70, esquece as formulações da Revolução Democrática e Nacional e começa a refugiar-se, pelo menos no campo das palavras, num revolucionarismo, que eu diria, de pacotilha. Este assunto já foi por mim abordado diversas vezes (ver aqui e aqui).

Quais foram os outros fôlegos de Cunhal sublinhados por Brito. O segundo, que eu não dei particular importância no meu texto, foi a sua contribuição para o VII Congresso extraordinário do PCP, realizado em Outubro de 1974, que para além da supressão do termo ditadura do proletariado do seu programa, propõe um Plataforma de Emergência, de que eu já não me recordava, e que era muito mais recuada do as propostas avançadas na Revolução Democrática e Nacional. À luz da flexibilidade táctica de Cunhal compreende-se muito bem esta ideia.
O terceiro fôlego é aquele que resulta do golpe falhado do 11 de Março, que faz avançar o processo revolucionário a toda a força. Estas são páginas empolgantes de Brito a propósito da actividade aí desenvolvida por Cunhal. Estavam-se a concretizar todas as propostas da Revolução Democrática e Nacional (RDeN), com as nacionalizações e o começo da reforma agrária, Cunhal por isso resolveu acrescentar àquela revolução a expressão a caminho do socialismo. E a partir daí desenvolve toda uma teoria que Brito critica, e bem, de que em Portugal não podia vencer uma democracia burguesa, tipo ocidental. Assim, ou a RDeN derrubava os monopólios e então era possível alcançar a democracia, ou estes só sobreviviam num regime de ditadura. Como se veio a verificar depois do 25 de Novembro, e principalmente depois da revisão constitucional que acabou com as principais nacionalizações é possível num regime capitalista monopolista conviver com a democracia burguesa. Foi um erro de previsão de Cunhal, que Brito sublinha.

Há também no livro de Brito um aspecto, que eu dou bastante importância no meu texto, que é a pesada derrota que o PCP sofreu nas eleições para a Assembleia Constituinte. Brito considera que o avanço da contra revolução no Verão Quente de 1975 e as posições assumidas pelos militares moderados têm todas elas a ver com o resultado daquelas eleições, que dificultou que certos sectores do MFA continuassem a apoiar o vanguardismo da esquerda militar e do PCP, quando o seu resultado eleitoral não passou dos 12,5%. Eu próprio no meu texto remeto para os valores que outros partidos comunistas, como o francês e o italiano tinham obtido em eleições para a Constituinte depois da II Guerra Mundial, que eram sem dúvida muito superiores ao nosso, como para os resultados dos próprios bolcheviques na efémera Assembleia Constituinte da Rússia de então.

Em resposta à situação de crise que se verificou no Verão de 75, realiza-se a 10 de Agosto uma reunião do Comité Central em Alhandra, onde Cunhal prenunciou um discurso que para Brito constituiu o seu quarto fôlego. Para evitar que o PCP fosse encostado ao muro era necessário negociar com todas as forças que de certo modo estavam ou eram do MFA, principalmente com o Grupo dos Nove que tinham acabado de publicar um manifesto muito crítico da esquerda militar e da acção de Vasco Gonçalves. Brito dá grande importância a este discurso e a esta reunião, considerando-a fundamental para a compreensão de tudo aquilo que veio a seguir e até, podemos dizê-lo, à passagem do PCP sem grandes estragos pelo 25 de Novembro. Estando no essencial de acordo com esta ideia, parece-me, no entanto, que o que ficará para a história não foi a vontade do PCP em negociar, mas a constante cavalgada dos acontecimentos que se foram produzindo a partir da formação do Governo de Pinheiro de Azevedo, o VI Governo Provisório. O próprio Brito conta o episódio em que participou da formação da FUP, uma união entre o PCP o MDP e algumas formações esquerdistas que só durou um dia, pois quando Álvaro Cunhal soube do assunto achou que era melhor o PCP retirar-se daquela organização. Mas não esquece igualmente a formação dos SUV, Soldados Unidos Vencerão, e até o próprio cerco da Assembleia Constituinte pelos operários da construção civil. É neste sentido, que sendo de valorizar as propostas de negociação apresentadas por Cunhal naquela importantíssima reunião do Comité Central, temos que na prática o PCP foi arrastado pelo torvelinho constante das acções esquerdistas. Por outro lado, a imagem que ao longo dos anos se tentou mostrar deste período foi sempre de um constante desgoverno, caracterizado ou pela cara tapada dos SUV ou pela saída de punho erguido dos deputados do PCP depois do cerco à Assembleia ter terminado ou pelo juramento do RALIS de punho no ar e para o qual o PCP em nada contribuiu. É por estas razões que ainda hoje o 25 de Novembro apresenta grandes áreas nebulosas e que acarretam múltiplas interpretações. Nesse aspecto Carlos Brito dá alguma contributo para o seu esclarecimento, mas não o faz, quanto mim, de modo definitivo.

Para Brito o quinto fôlego de Álvaro Cunhal foi a importância que este deu a partir do 25 de Novembro ao texto constitucional que viria a ser aprovado a 2 de Abril de 1976.
Aquele dirigente, como de outros dos partidos à direita, porque andaram arredados do trabalho dos constituintes, desconhecia o conteúdo do mesmo. Para Álvaro Cunhal foi uma agradável surpresa e partir daí passou a ser o seu maior defensor. Servindo-se do seu conteúdo, em que a expressão a caminho do socialismo estava incluída, Álvaro Cunhal muitas vezes repetiu que a Revolução Portuguesa caminhava para o socialismo. Brito glosa um pouco este tema, afirmando que Cunhal o fazia no sentido de defender o texto constitucional. No meu texto considero que foi um erro ou pelo menos uma grande ilusão continuar-se a definir a revolução portuguesa a caminho do socialismo depois da derrota do 25 de Novembro. Criou grandes ilusões nas massas e não favoreceu em nada a defesa e a compreensão das novas condições de actuação em regime democrático. Brito não foge ao tema e dá-lhe também o devido enquadramento.


Por último, temos o sexto e o sétimo fôlego. O sexto refere-se àquele espaço vazio que Álvaro descortinava na vida política portuguesa e que ele pensava preencher com o partido eanista. Hoje sabe-se que foi um erro e que o seu aparecimento desorganizou os resultados eleitorais subsequentes, permitindo no final as maiorias absolutas de Cavaco e uma diminuição acentuada dos votos no PCP. O sétimo foi a proposta de aprovação de um novo programa do Partido, Por uma Democracia Avançada no limiar do Século XXI, a que Brito dá grande importância, mas que no momento em que surgiu, Dezembro de 1988, no XII Congresso, passou desapercebido tanto no Partido, como na opinião pública.

Feita a esta descrição muito reduzida nos dois últimos fôlegos, Brito passa depois aos últimos anos de Cunhal e à contestação que deu origem à Renovação Comunista. Como em alguns episódios estive envolvido, sendo inclusive citado pelo próprio Brito, como muitos outros camaradas da Renovação, deixarei para momento mais oportuno esta apreciação. Sei que alguns dos actuais membros do PCP já começaram a bichanar, ainda que eu tivesse reparado não directamente. Da parte do Partido, que eu saiba, não houve ainda qualquer reacção oficial. É difícil tal é o bem fundamentado das apreciações de Brito. Termino pois com uma recomendação de leitura.

05/07/2010

O avanço da direita. Novas reflexões


Em post anterior, descrevi aquilo que entendia pelo avanço da direita, principalmente a sua ofensiva ideológica, e o estado abúlico do PS para resistir a essa direita, manifestando até grande alegria por Passos Coelho ter sido o escolhido, visto este ter deixado cair os ataques às trapalhadas de Sócrates.

A semana que passou trouxe à ribalta, mais uma vez, o ataque ideológico da direita, agora através da utilização pelo Estado das acções doiradas que possuía na PT.
Na passada semana jornalistas e comentadores de serviço atacaram o Governo por ter utilizado aquelas acções impedindo assim que o mercado funcionasse livremente. José Manuel Fernandes, no Público, chegou mesmo a escrever esta pérola: “os que pensam que os Estados ainda têm instrumentos e margens de manobra para, por via de golden shares, de renacionalizações ou mais impostos sobre a banca, relançar o crescimento do país não estão apenas enganados, conduzem-nos para uma pobreza cada vez mais soviética.” (retirado daqui). Estariam assim os pobres dos socialistas portugueses a seguir a via soviética de desenvolvimento para o país. Só na cabeça paranóica deste anti-comunista militante estas ideias vingam.

Mas a semana não acabaria sem no Eixo do Mal, da SIC Notícias, os comentadores encartados da direita Pedro Marques Lopes e Luís Pedro Nunes não viessem, principalmente o primeiro, a debitar a cassete neoliberal. Refiro-me especialmente a Pedro Marques Lopes, que depois tive a “felicidade” de ouvir no Bloco Central, da TSF. Já em tempos o tinha classificado neste blog como um boçal reaccionário, não o sendo nos termos em que na altura utilizei estas palavras, é um pateta alegre que repete até à náusea a cartilha neoliberal: o capitalismo trouxe a felicidade à espécie humana e o Estado só vem estragar a riqueza criada pela livre actuação do mercado. Já Luís Pedro Nunes tem outra vocação, a da provocador, e acima de tudo um ódio de estimação à Esquerda e principalmente a Francisco Louçã. Não sei porquê esta fixação.

Já depois de escutar estes espécimes pude ouvir o comentário político de Marcelo Rebelo de Sousa, agora na TVI, a propósito deste mesmo assunto e que diferença. A Telefónica espanhola tinha-nos tratado como um estado do terceiro mundo ou então já considerava que a nossa economia estava de tão de rastos que nem capacidade tinha de reagir. Os nossos banqueiros e patrões da indústria cheios de cagança sobre os centros decisão nacionais à primeira oportunidade entregavam os seus bancos ou indústrias ao capital estrangeiro depois de terem assinado manifestos inflamados sobre a necessidade de manter portugueses os bens dos outros. O Governo há muito que devia ter transformado a acções doiradas que possuía na PT, por força da privatização, numa cláusula do estatutos, fugindo assim à pressão do Tribunal de Justiça Europeu. O núcleo duro do accionistas da PT que se tinha comprometido numa dada solução, há última da hora, por mais uns milhões, muda de posição e vende as acções. E termina assim o comentário político MRS: a utilização das acções doiradas pelo Estado português demonstra ainda que nos resta alguma dignidade. Depois de ouvir este comentador percebe-se que a direita não é toda igual ou que pelo menos, em certas circunstâncias, é capaz de pensar pela sua própria cabeça e não repetir as cassetes neoliberais que certos comentadores mais incapazes de raciocínio próprio papagueiam a toda a hora.

Andava eu nestas reflexões quando leio via DOTeCOMe um texto de Clara Ferreira Alves (CFA), já de 12/06/10, em que esta, entre outras coisas, diz o seguinte: “Desde a revolução que Portugal é governado à esquerda em matéria de Estado e prestações sociais. Apesar das maiorias absolutas, Cavaco tinha dinheiro da Europa para manter o Estado e quis mantê-lo. A sua direita, dotada de consciência social, não era a direita pura que hoje existe em Portugal. Esta nova direita é mais jovem, mais estrangeirada, mais academicamente preparada do que a velha direita. É mais ideológica e está disposta a romper de vez com o Estado social. Nascida em democracia, formada nos cursos de Economia e Gestão das universidades, é também constituída por um núcleo de quadros e recém-licenciados, futuros regentes da pátria, que nada têm a ver com as negociatas de restaurante e o bloco central de interesses. Conservadores, pró-americanos, dotados de certo puritanismo, crentes na virtude absoluta do mercado e do capitalismo, acham (protegidos pela inexperiência) que a sua oportunidade para mudar Portugal de vez está a chegar. Tencionam, no poder, construir um sistema que proteja os empreendedores, desmantele a máquina estatal, agilize a justiça e privatize a economia agilizando os seus instrumentos, desde os financeiros aos legais; o que significa que pretendem rever a Constituição e a legislação laboral.”
Esta descrição da direita enquadra-se bem nos dois tipos de comentário que eu acima descrevi a propósito da PT. Já se sabe que o resto depende do nível de inteligência do comentador, há uns que são papagaios e repetem a cassete e outros que são capazes de elaborara um discurso com mais substância, mas no fundo isto só mostra que os tempos são diferentes, e que será extremamente perigosos a chegada ao poder desta nova gente chegada das universidades e pronta a destruir, em nome da crise, todas as pequenas conquistas que ao longo do tempo se foram obtendo.
O texto de CFA fala igualmente do enquistamento socialista que já estaria à espera da derrota, só não queria é que fosse por muitos, e depois fala dessa época áurea da social-democracia: dos Willy Brandt, dos Mitterrand, dos Olof Palme e dos Mário Soares. Para mim nunca foram grande coisa, pois deixaram chegar a social-democracia ao estado a que chegou. Depois termina esperançada que o Bloco de Esquerda capitalize com a derrocada do PS. Tenho para mim, e com grande pena, que isso não sucederá tão cedo, mas tenho também a certeza que não é o PCP que vai ficar a ganhar com isso e que mais uma vez os votos se venham a deslocar para a direita. Espero, como carapau esperançoso, que isto sirva de lição ao PS e que jovens arrivistas e com alguma tenacidade não venham novamente a chefiar o partido.
Continuarei a escrever sobre este tema que é inesgotável.

02/07/2010

A “Esquerda Radical” um livro de Miguel Cardina


Fui ao lançamento do deste livro de Miguel Cardina, mas ainda não tinha tido oportunidade de o ler. Uns poucos dias de “molho” e eis que surge a ocasião. Lê-se numa tarde.
O próprio ante título deste livro diz tudo sobre o mesmo. “O essencial sobre”.
Estamos pois perante um pequeno resumo sobre aquilo que o autor entende por esquerda radical, principalmente no contexto sócio-político e ideológico dos anos sessenta e princípios de setenta do século passado.
Podemos reduzir a três os capítulos que o compõem. Primeiro uma visão da esquerda radical a nível internacional nos anos sessenta, depois a situação portuguesa com a descrição dos movimentos maoistas que, tal como cogumelos, surgiram nessa altura e depois de outros movimentos que o autor inclui na esquerda radical. Por último, a posição dos movimentos atrás referidos em diferentes contextos, que vão desde a guerra colonial, aos comportamentos humanos, e à recepção em Portugal das novidades ideológicas estrangeiras.
Podemos dizer que no “essencial” este livro cumpre com o seu objectivo dando-nos a informação indispensável à compreensão de uma época. Podemos dizer que há algum desequilíbrio entre uma informação bastante pormenorizada sobre a instalação das correntes maoistas em Portugal, que é completado com um célebre quadro que o autor já tinha divulgado em colóquios anteriores sobre o mesmo tema, e que tem sido objecto de grandes encómios, e o resto do livro. Penso que isto resulta de ser este o tema da tese de doutoramento de Miguel Cardina.

Dito isto, que me parece ser motivo suficiente para uma compra e leitura do mesmo, achei que devia discutir dois assuntos que o mesmo me suscitou.
Primeiro o título do livro. O autor, e bem, justifica a opção para designar todos os movimentos surgidos naqueles anos como “esquerda radical”. Considera que seria parcial chamá-los de “esquerdistas”, designação pela qual eram denominados pelo movimento comunista pró-soviético, de acordo com o livro clássico de Lenine, “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” e de “esquerda revolucionária”, como alguns deles se gostavam de designar, por se oporem ao PCP “reformista”.
Simplesmente esqueceu o autor que em algumas traduções do livro de Lenine o termo “esquerdismo” se traduz por “radicalismo de esquerda”, o que não sendo a mesma coisa que esquerda radical, é no entanto bastante semelhante. É mesmo por esse termo, substituindo esquerda por pequeno-burguês, que Álvaro Cunhal designa alguns daqueles movimentos, chamando-lhes com acinte “radicais pequeno-burgueses de fachada socialista”. Por outro lado, a esquerda radical é ainda hoje a forma como Sócrates e alguns socialistas se referem aos movimentos que se situam à sua esquerda. Aparecendo o PS como uma esquerda moderada oposta a esses tais radicais. Pelas razões apontadas faz-me alguma comichão esta designação. Preferia provavelmente a da "extrema-esquerda" ou então de "extrema-esquerda radical", o que, parecendo ser o mesmo que "esquerda radical", não é vulgarmente utilizada nas diferentes acepções que eu acima referi.

Um segundo ponto refere-se ao primeiro capítulo. O autor tem a preocupação de dar muito rapidamente uma visão histórica dos diferentes modelos de acção e organização que se podem incluir na esquerda radical. Num deles, que o autor denomina “partido revolucionário”, que corresponde grosso modo à formação dos partidos comunistas e da III Internacional e aos dissídios posteriores (trotskismo e maoismo), esquece completamente origem daquele modelo e da ruptura que estabeleceu com a social-democracia da II Internacional, no final da I Guerra Mundial. Penso mesmo que em quase toda a sua obra, esquece que na origem de todo o movimento socialista/social-democrata e comunista, como depois o iríamos conhecer, tem a sua origem, mesmo que seja em contraponto, na II Internacional e no principal partido social-democrata da época, o partido social-democrata alemão. Para ilustrar esta minha afirmação basta ver este pequeno parágrafo para se perceber o que escrevo.
Depois do corte anarquista, na I Internacional, e do dissídio trotskista, o maoismo representa o terceiro grande cisma no movimento comunista internacional.” Ou seja, considera-se o anarquismo como um dissídio do comunismo e passa-se por cima da II Internacional e da criação do movimento comunista como o viríamos a conhecer no século XX. Quem fala a propósito da esquerda em Spartacus e em Thomas Müntzer não pode esquecer esta dissidência fundamental, com reflexos ainda nos dias de hoje, entre sociais-democratas e comunistas.

Que Miguel Cardina não me leve a mal mas isto foram só duas pequenas considerações sobre o seu livrinho, que em nada devem contribuir para a recusa da sua leitura, que recomendo.