30/12/2008

Empréstimos aos Funcionários Públicos


Quando menos se esperava, Sócrates tirou da cartola esta medida e pôs-se a divulgá-la por tudo o que era sítio. A indignação foi geral. Não houve cão nem gato que não comentasse, que não dissesse que também queria, que não insultasse os funcionários públicos, que tinham uma regalia que mais ninguém tinha.
Parecia de propósito, aquilo que para o Governo de Sócrates era uma grande medida transformou-se numa decisão errada, que a generalidade dos comentários considerou injusta.
Como sucede nestas coisas que mete funcionários públicos, os comentadores, como trabalhadores independentes que são, e os bloggers, que têm sempre opinião formada sobre tudo, desconhecem a realidade, que de facto foi deliberadamente ocultada pelo Governo para tentar dar o ar de grande generosidade.
Vejamos o que se passava até há data. De um modo geral quase todos os Ministérios tinham obras sociais. Alguns, como o das Finanças, tinham uma instituição chamada Cofre. Qualquer desses serviços sempre emprestou dinheiro a funcionários em situações difíceis e, no caso do Cofre de Previdência do Ministério das Finanças e da Caixa de Previdência do Ministério da Educação até emprestavam dinheiro, a juros muitos baixos, para a compra de casa. É evidente, que nos dois casos citados, tinha-se que ser sócio, mas por uma importância pequena, que no caso da Educação funcionava como seguro de vida, tinha-se acesso a essas vantagens.
Ora o Governo, que sistematicamente tem vindo a destruir as obras sociais dos diferentes Ministérios, retirando-lhes subsídios, regalias ou até pura e simplesmente extinguindo-as, resolveu centralizar num único departamento aquilo que há muitos anos cada Ministério vinha fazendo. Decidiu, como com tudo o que faz e não faz, propagandear esta iniciativa e, em vez de dizer que tinha centralizado os serviços, passou a alardear que, a partir de agora, como se fosse uma novidade, os funcionários públicos podiam receber empréstimos.
A acrescentar a isto, é bom que se saiba que a maioria das grandes empresas deste país sempre tiveram serviços sociais que muitas vezes emprestavam dinheiro aos seus funcionários e que, mesmo nas pequenas empresas é normal, o trabalhador pedir adiantado uma parte do seu salário para acorrer a pequenos problemas.
Por tudo isto, tão demagógico é o Governo ao alardear uma coisa que já fazia, como os comentadores e bloggers ao afirmarem que os funcionários públicos são uns privilegiados.
Haja tento nesses comentários.

Posições dos Partidos e dos Sindicatos sobre o empréstimo

Este comentário é parecido com o que o PSD fez, simplesmente o que aquele partido disse é o que toda as pessoas bem informadas dizem sobre isto. Só os comentadores do Eixo do Mal e alguns bloggers mais assanhados contra a Função Pública é que desconheciam esta realidade. Num vídeo da RTP com esta notícia, temos o CDS a alinhar pela crítica de que só alguns portugueses é que beneficiam desta medida; o PCP a dizer que se deve aumentar os funcionários públicos e não dar-lhes empréstimos, o que sendo verdade, só mostra que foi mal informado pela Frente Comum, e o Bloco a desvalorizar a medida. Resta esse Secretário de Estado de opereta, que em tempos quis trucidar os trabalhadores da função pública, a afirmar que ficou “chocado” com as opiniões da oposição. Só o PSD, pela voz de Paulo Rangel, e provavelmente com a informação do Sindicato dos Quadros Técnicos (STE), que tinha já tomado posição semelhante num canal de televisão, soube do que estava a falar. No entanto, em notícias transmitidas pela TSF os Sindicatos da UGT (FESAP e STE) tomaram a mesma posição que o PCP.

29/12/2008

Um herói do nosso tempo


É hoje comum as críticas, as graçolas, ao passado revolucionário de alguns dos políticos actuais. O passado pró-chinês de Durão Barroso volta não volta regressa à ribalta. Mas, não é só o dele, são, para meu deleite, o desse xaroposo João Carlos Espada ou do actual director do Público, a personificação da bem pensância nacional.
Vem isto a propósito de, no outro dia, ter aparecido na SIC Notícias o Carvalho da Silva e João Vieira Lopes, este último em nome da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, de que é Vice-presidente, a pronunciarem-se sobre o chumbo pelo Tribunal Constitucional de um artigo do novo Código de Trabalho aprovado pela maioria PS no Parlamento. Já se sabe, Carvalho da Silva concordando com o chumbo e considerando que havia outros artigos igualmente inconstitucionais e João Vieira Lopes atacando a decisão do tribunal.
Tem sido vulgar João Vieira Lopes aparecer na televisão. Já esteve num Expresso da Meia-noite e aparece muitas vezes como porta-voz daquela associação do patronato. No entanto, não se pode dizer que seja uma figura pública conhecida e muito menos o seu passado. Refiro-me a ele unicamente porque o conheci e fui vítima, mesmo que indirecta, da sua militância política “esquerdista”.
Há tempos tinha lido um livro um pouco perturbador, por ser a confissão pública de um denunciante e da sua posterior colaboração com a PIDE, onde Vieira Lopes é amplamente citado. O livro chama-se Conquistadores de Almas e é de Pinto de Sá. Aí João Vieira Lopes aparece como responsável por uma das míriades de organizações marxistas-leninistas (M-L) que existiram nos finais dos anos 60, princípios de 70. A dele seria, segundo a informação prestada por aquele autor, o CCRM-L – Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas (ver aqui e também aqui, onde são citados os seus principais dirigentes, que incluía o actual ministro Mariano Gago).
Esta é de raspão a descrição da personagem pública. Mas que conheço eu do seu passado?
Como já aqui tenho referido, fui durante muitos anos dirigente do Cine-Clube Universitário de Lisboa (CCUL). Era vulgar, por causa da sua sede ser próximo do Instituto Superior Técnico e o cinema onde se realizavam as sessões ser na mesma área, que muitos dos seus colaboradores e dirigentes fossem alunos daquele Instituto. Como sempre sucedia, uma fornada de jovens alunos do Técnico apareceu nos finais dos anos 60 a oferecer-se para colaborar. João Vieira Lopes foi um deles, segundo alguns dados que recolhi pertenceu mesmo à Direcção de 1968-69. Por essa altura, já no fim da minha “longa” carreira universitária, tinha deixado de participar activamente no Cine-clube. Naquele ano lectivo, o último, entrei para a Direcção da Associação de Estudantes de Ciências. Este episódio já aqui foi relatado.
Como na preparação da lista candidata a Ciências fosse necessário fazer algumas reuniões, houve uma que inesperadamente não pôde ser feita na Associação, decidi por isso, como tinha a chave do Cine-clube, reunir lá. No dia seguinte contei isto ao Vieira Lopes. A resposta, própria de um pequeno tiranete, foi que assim me iriam tirar a chave. Ou seja, a lista era “associativa”, como então se chamava às listas progressistas, não havia qualquer perigo para a segurança do Cine-clube, mas sua excelência achava que devia exibir o seu poder.
Este episódio é um “fait-divers”, sem qualquer importância. O mais significativo é o que vem a seguir.
Provavelmente por volta de 1970 ou 71, num local que eu hoje não consigo precisar, houve uma reunião de dirigentes e colaboradores do Cine-clube em que eu estive presente. Não me lembro o que se ia discutir. Sei que a determinada altura Vieira Lopes, com ar sério, começa a falar de uma infiltração social-fascista no Cine-clube. Fiquei estarrecido. Não se estava a referir a mim, era evidente, eu era suficientemente mais velho do que os presentes para ter a pouca vergonha de me considerar um social-fascista infiltrado. Também não se referia a nenhum infiltrado da PIDE, como o termo fascista poderia deixar entender. Mas sim a dois colaboradores, também vindos do Técnico, que tinham, segundo me recordo, colaborado activamente num ciclo de cinema documental sobre a América Latina, com textos claramente de esquerda, e que para Vieira Lopes, e provavelmente a maioria dos presentes, deviam ser suspeitos de pertencer ou professar ideias próximas do PCP. Um deles, de facto, encontrei-o, depois do 25 de Abril, numa realização do PCP.
Para mim aquilo era um insulto, não podia contemporizar com afirmações daquele tipo. Protestei, como não encontrei eco, fui-me embora, nunca mais voltei ao CCUL.
Tempos depois telefonaram-me, pensei que era para me pedirem desculpa. Nada disso, era pura e simplesmente a pedirem-me a devolução de alguns livros que tinha requisitado à biblioteca. Assim se acabou uma relação de anos com o Cine-clube.
Vim a encontrar mais tarde o Vieira Lopes no assalto e destruição da Embaixada de Espanha, na rua do Salitre. Acontecimento que teve lugar nos tempos do PREC, a 27 de Setembro de 1975. Naquele dia já se antevia que a extrema-esquerda organizasse manifestações, pois tinham sido executados na véspera pelo regime de Franco cinco militantes bascos das FRAP e da ETA. Por isso, nessa noite, passei pela Avenida da Liberdade a caminho de casa, para ver o que se passava. Assisti à barafunda, ao incêndio da Embaixada e ao Vieira Lopes a comandar um bando de jovens que se preparavam para seguir para a outra dependência da Embaixada, existente na Praça de Espanha.

Aqui temos o percurso de um “revolucionário”, um herói do nosso tempo, que depois de estar “sempre, sempre ao lado dos trabalhadores” se passou, com armas e bagagens, para o lado do patronato.

"The Black Hole" ou "A ganância tem o seu preço"

Enviaram-me este pequeno vídeo, Black Hole no original, com a designação moralista "A ganância tem o seu preço". Por o achar engraçado, quero partilhá-lo com os meus leitores

22/12/2008

“O regresso a Marx” de Pacheco Pereira


Pacheco Pereira (PP), que é entre os ideólogos da nossa direita aquele que provavelmente leu Marx e consegue, sem dizer disparates, alinhar duas ideias sobre o pensamento marxista, meteu-se no último Sábado, no Público* , contras aqueles que advogam um regresso a Marx. Arranjou uma série de moinhos de vento contra quem investir e resolveu, de uma penada, dizer mal dos comentadores apressados - as “modas mediáticas” - que falam de Marx, com a ignorância com que de um modo geral falam de tudo, da “esquerda independente” que advoga esse regresso e, por tabela, do próprio pensamento marxista.
De facto, se há hoje muitos comentadores que acham que já estaríamos a caminho do socialismo, porque o capitalismo está em crise e os Estados advogam uma maior intervenção na economia dos seus países, há igualmente aqueles que consideram que nos pressuposto ideológicos dessa intervenção estaríamos a seguir as propostas de Marx. Ou seja, como o Estado intervém, como o sistema capitalista está em crise e como há ricos e pobres em luta eis que Marx teria razão e seria necessário regressar a ele. Contra estes moinhos de vento é fácil a PP traçar armas.
Por outro lado, ele tenta criar alguma confusão ao atacar igualmente aquilo que ele chama a “esquerda independente” e as “modas mediáticas”: “Se ao menos o "regresso a Marx" se traduzisse numa leitura de Marx, um dos autores fundamentais da nossa contemporaneidade, ainda valia a pena. Não é isso que se passa, mas a deterioração acentuada do pensamento da chamada "esquerda independente" e das modas mediáticas”.
Não sei o é que PP entende por “esquerda independente”, se é a de Manuel Alegre, a do Bloco de Esquerda, a dos organizadores do Congresso Marx, de todos aquele que não se revêem no “marxismo-leninismo” do PCP.
Mas falemos de coisas sérias. Gostaria de responder a Pacheco Pereira com este interessante período, contido num artigo de Flávio Aguiar, saído no site brasileiro Agência Carta Maior: “os banqueiros do mundo estão lendo Marx, tentando discernir o que aconteceu. As esquerdas estão relendo Keynes, tentando discernir o que fazer.” Ora é isto que de certo modo os nossos articulistas não percebem e que serve a Pacheco Pereira para misturar no mesmo caldeirão todos aqueles que propõem, disparatadamente ou não, um regresso a Marx.
Vamos por partes. Tudo o que PP diz sobre a intervenção e o papel do Estado, não é de facto um regresso a Marx, mas sim a Keynes. Tal como o articulista diz no artigo citado a esquerda neste momento tem que reler Keynes porque andou muito à pressa a libertar-se do “estado social”. A Terceira Via trabalhista foi isso mesmo.
Mas onde PP se engana redondamente é quando afirma, aqui achincalhando e desvirtuando o pensamento de Marx: “Na crítica ao capitalismo moderno que Marx fez no Capital e em outros textos, na sua convicção "científica" da inevitabilidade da "autodestruição" do capitalismo, formulada em "leis" a que Marx e Engels atribuíam o mesmo estatuto das leis de Newton, nenhuma se aplica à actual situação de crise económica e financeira, nem as análises, nem as soluções.” Ora é isto que os autores marxistas contestam e se os banqueiros se vêm agora obrigados a ler Marx é porque poderão encontrar nele explicações para a crise que o sistema financeiro e produtivo capitalista atravessam. Já circularam na net diversos textos de autores marxistas que, à luz de Marx, explicavam esta crise. Posso dar um exemplo, mas há vários.
É evidente que há aqui uma questão importante e é essa que, de certo modo, despertou o renovado interesse das esquerdas em Marx e o manifesto ódio das direitas a esse renascimento. Com o desaparecimento do “socialismo real” não foi só o “marxismo-leninismo” que entrou em colapso, a direita na sua ofensiva contra aqueles que ainda pensavam que o comunismo seria uma saída, depois de devidamente expurgado as excrescências estalinistas, passou a atacar também Marx como um dos responsáveis pelo Goulag soviético. Parecia pois que o marxismo estaria enterrado para sempre nos escombros do Muro de Berlim e eis que ele renasce das cinzas, capaz, mais uma vez de dar um contributo para a explicação do mundo actual e para a sua transformação. Isto, não podem elas suportar.

*O link é para o Abrupto, o blog de Pacheco Pereira, já que não é possível aceder aos textos do Público sem pagar. Pacheco Pereira resolve no seu post publicar uma fotografia da estátua de Marx que está no seu túmulo no cemitério de Highgate, em Londres, acrescentando, por pura maldade, uma bicada contra as flores amarelecidas que teriam sido postas “por uma delegação do PC dos Estados Unidos, aquele que tinha mais membros do FBI do que militantes genuínos”. Não havia necessidade disto.
A fotografia que está no post é a do Abrupto

18/12/2008

Ainda as trafulhices do Púbico – IIIº e ¿último? episódio


Ontem o Público trazia uma carta de Carlos Carvalhas onde este desmentia um antetítulo daquele jornal relativamente a uma notícia publicada na véspera.
O desmentido é aqui reproduzido, já que é difícil ter acesso on-line à versão impressa do Público:
Pela segunda vez consecutiva, e sempre sem qualquer base ou fundamento, o Público volta a referir em antetítulo a uma notícia sobre o adiamento de um colóquio que "o PCP impediu a presença de Carlos Carvalhas".Esta insistência é tanto mais incompreensível quanto é certo que, ainda na sua edição de ontem, o Público referia declarações do meu camarada Jerónimo de Sousa sobre este assunto, explicitando claramente que se tinha tratado de uma minha decisão.Neste sentido, para plena reposição da verdade e para repelir a implícita insinuação do Público de que o Gabinete de Imprensa do PCP, eu próprio e Jerónimo de Sousa teríamos faltado à verdade, aqui reafirmo que a anulação da minha participação no referido colóquio se deveu às razões explicitadas em comunicado do Gabinete de Imprensa do PCP e foi da minha exclusiva iniciativa, vontade e responsabilidade.”

Tenho vindo a relatar neste blog esta telenovela que tem sido alimentada diariamente pelo Público, nesse sentido dispenso-me de fazer uma nova discrição de todo este episódio.
O quero realçar, com a publicação deste desmentido de Carlos Carvalhas, é que mais uma vez o ex-secretário-geral do PCP a única preocupação que manifesta em relação à triste desinformação do Público é de que não é um pau-mandado do PCP e que as decisões são tomadas por “minha iniciativa, vontade e responsabilidade”. Ou seja, Carlos Carvalhas nunca desmentiu que não tenha sido convidado para a sessão da Aula Magna, nem nunca clarificou que a iniciativa para que foi convidado foi a do Hotel Zurique, que por acaso foi adiada. Deixou no ar, com a ajuda do seu amigo Victor Dias, do blog o Tempo das Cerejas, que havia uma cumplicidade entre os jornalistas trapalhões do Público e os organizadores da iniciativa do Hotel Zurique. A única coisa que o preocupa é que não digam que anda a mando do PCP.
A verdade é que quando alguém se quer desvincular de uma iniciativa para qual foi convidado e aceita, é avisar os organizadores, o que fez, de que não vai e desmentir o jornal que tinha especulado sobre a relação entre a iniciativa para que tinha sido convidado e o encontro da Aula Magna. Não precisa de pedir ao Gabinete de Imprensa do PCP que se apresse a garantir a sua não participação no debate para que se tinha comprometido. Daí que os jornalistas possam ter especulado sobre quem tinha impedido quem de participar no referido evento. O que já não era legítimo e muito menos verdadeiro era dizer que o Carvalhas se tinha recusado a participar numa iniciativa para a qual não tinha sido convidado.
No fundo, em todo este episódio nem o Carvalhas se saiu bem, nem o Público que, consciente ou inconscientemente, e neste caso por pura incompetência, andou uma série de dias a alimentar uma mentira.

PS.: Por mais que tentasse nunca consegui ler a versão completa do comunicado do Gabinete de Imprensa do PCP a desmentir a participação do Carvalhas no debate do Hotel Zurique. O que veio a público era claramente insuficiente e não manifestava da parte do visado um completo esclarecimento. É evidente, que isto não absolve o Público, mas deixa é muitas dúvidas sobre quais eram as verdadeiras intenções de Carlos Carvalhas ao não comparecer àquela iniciativa.

15/12/2008

Fórum das Esquerdas: nova reconfiguração das esquerdas ou simples debate entre cidadãos interessados


Tal como fiz em relação a outros eventos que ultimamente têm vindo a acontecer nesta cidade e todos eles relacionados com a esquerda, também achei oportuno fazer um pequeno relato desta iniciativa que teve lugar na Cidade Universitária, aqui no entanto mais empenhado e provavelmente menos imparcial.

O nome Fórum das Esquerdas, assim chamado penso que pelos próprios ou pelos media, não constava da convocatória que apelava à participação em debates temáticos e numa sessão de encerramento na Aula Magna, com a participação de diferentes oradores, incluindo Manuel Alegre. Todas estas acções estavam agrupadas sob o nome genérico de Democracia e Serviços Públicos. Este aspecto é aqui referido porque o nome Fórum das Esquerdas fez caminho e vai ser por esta designação por que vai ficar conhecido e não por aquela com que foi inicialmente baptizado.
Isto tem alguma importância, porque transforma uma sessão onde um grupo de cidadãos interessado pela coisa pública debatem Serviços Públicos, num fórum onde um conjunto de homens de esquerda e claramente filiados em diferentes organizações políticas debatem aquele tema, com vista a uma saída política de esquerda para o país. Neste aspecto este fórum parece-me ser bastante importante, porque agrupa debaixo do mesmo tecto gente que vem do Bloco de Esquerda, que já é em si uma força bastante heterogénea, socialistas ditos de esquerda, que se revêem em Manuel Alegre, e comunistas renovadores e outros que, já tendo deixado o PCP, procuram uma nova força onde se ancorar.
Um fenómeno semelhante ao que se traduziu, noutras circunstâncias e com outros objectivos, mas sem o BE, na expressiva votação de Manuel Alegre para a Presidência da República, e que levou a Direcção do Bloco e o deputado do PS a iniciarem contactos, a que se juntou outra gente de esquerda desejosa de forçar a unidade, dando voz a um bloco social que não se revê nas políticas neo-liberais do PS de Sócrates.
Projectos deste tipo não são novos, e já foram defendidos, mais que não seja encapotadamente, pelo PCP quando apostou bastante no PRD de Ramalho Eanes e depois, na eleição para Presidente da República, em Salgado Zenha. Podemos dizer que nesse tempo a operação foi bem mais perigosa, já que Ramalho Eanes e o seu partido não teriam a consistência política de esquerda que esta facção do Manuel Alegre representa.
Isto é aqui referido, dado que o PCP tem reagido a estes encontros como virgem ofendida, como se nunca tivesse pecado, na procura de unidade com outras forças que, no caso anteriormente referido, eram bem mais instáveis e controversas, como depois se veio a verificar, do que esta esquerda do PS.
Isto não significa que eu achasse que o PCP não devia ser convidado, mesmo se fosse para demonstrar, a quem ainda tivesse dúvidas que, na situação actual, é impossível qualquer movimento de unidade com este PCP.
É evidente que o problema do PCP e das suas reacções é bem mais complexo do que a simples acto de convidá-lo ou não e das opiniões do Jerónimo de Sousa em cima dos acontecimento, mas isso será matéria para outro post.

Assisti de manhã ao painel sobre economia. João Rodrigues, um dos autores do blog Ladrão de Bicicletas, e renovador, abriu o debate com uma bela intervenção sobre os serviços públicos.
Assim, fez uma distinção entre aquelas empresas que estão viradas para a produção de bem transaccionáveis e as que adquiriram bens que eram considerados de interesse público e que foram parar às suas mãos como resultado da sua privatização. As primeiras seriam empresas que produzem produtos que de um modo geral são exportáveis, favorecendo por isso o nosso comércio externo e o nosso desenvolvimento e as outras, que fariam parte daquilo que ele chama um capitalismo predador, dedicam-se unicamente a explorar os bens públicos, que o Estado privatizou. É o caso das empresas que exploram as auto-estradas, a energia, as telecomunicações, os transportes, a construção civil, etc. que não desenvolvem riqueza, exploram normalmente o sector em regime de monopólio e garantem uma renda regular. São, segundo ele, grupos privados que vivem à custa do Estado, praticam uma forma de rentismo (de renda).
João Rodrigues acabou afirmando que aquilo que distingue a esquerda da direita, não é que esta queira menos Estado, mas que este lhe facilite a entrega dos bens públicos, teríamos assim, segundo o autor, um Estado predador. Em oposição teríamos um Estado estratega que controlasse e dirigisse os serviços públicos e facilitasse o desenvolvimento das empresas que produzem bens transaccionáveis.
Depois tivemos Alexandre Azevedo Pinto que fez uma intervenção sobre a pobreza em Portugal, apresentando dados bastante alarmantes, e o modo como podíamos sair dela através da inovação social.
A seguir interveio José Reis que, na linha da de João Rodrigues, desenvolveu igualmente a ideia de que aquilo que a direita quer é um Estado regulador com punhos de renda, só para suprir aquilo que o mercado não fazia. Mas que neste momento falhou. A má qualidade dos serviços que são geridos pelos privados é disso um exemplo. O capital abriga-se nos sectores protegidos, nos bens não transaccionáveis. Os capitalistas empreendedores que, como o Belmiro, produziam aglomerados de madeira, passaram a entrar nas actividades protegidas, como sejam os centros comerciais ou as telecomunicações.
Jorge Bateira traçou um panorama arrasador sobre as novas propostas para a Administração Pública. Desmantelou-se a função pública herdada do passado pela criação daquilo que se chama a Nova Administração Pública, que, por exemplo, nos Estados Unidos foi um fracasso. Acabaram-se com regras e regulamentos, que se consideraram desnecessários, importaram-se técnicas de gestão do sector privado.
Em Inglaterra, o novo trabalhismo, introduziu a nova administração pública que foi igualmente um fracasso, com os serviços prestados a serem muito piores. Defendeu que se deve sair do binómio serviços públicos esclerosados versus nova administração pública e sim criamos um serviço público que ouça os funcionários e discuta com eles os problemas.
Por último, tivemos a intervenção de André Freire que insistiu na diferença entre esquerda e direita e o papel que cada uma atribui ao Estado. Está de acordo com as diferenças estabelecidas por João Rodrigues. Destacou, como exemplo, aquilo que o Compromisso Portugal propõe que é o acesso do capital privado à saúde, à educação, às universidades, etc.
Tracei este breve panorama do debate sobre Economia por me parecer importante. Como sempre, em iniciativas deste tipo, com diferentes painéis, é difícil saber quais os que foram mais motivadores, dado que é pouco produtivo andarmos a saltitar de painel em painel.
À tarde assisti ao painel referente ao Trabalho. Cheguei já tarde, não trazia nem papel nem caneta para tomar notas, como tinha feito de manhã. As intervenções, que estiveram a cabo de Elísio Estanque, Jorge Leite e Mariana Aiveca, foram quase exclusivamente sobre o novo Código do Trabalho. Jorge Leite chegou mesmo a classificá-lo como um retrocesso civilizacional. Depois do que ouvimos ficamos perfeitamente esclarecidos sobre os objectivos do Código e de quem o propôs, o PS de Sócrates.
Carvalho da Silva, utilizando o seu papel de moderador deste painel, interveio igualmente na denúncia do Código de Trabalho e realçou um dado importante que é o desprezo do primeiro-ministro pelos sindicatos, considerando-os organizações “do passado”, que já não teriam razão de ser. O dirigente da INTERSINDICAL considerou que pensando assim era impossível qualquer diálogo produtivo com o primeiro-ministro.
Às cinco horas da tarde estava prevista iniciar-se a sessão na Aula Magna. Esta não encheu, mas estava razoavelmente composta por participantes bastantes entusiastas, que pontuaram todas as intervenções com grandes salva de palmas.
Falou em primeiro lugar a célebre Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária Infanta D. Maria (Coimbra), que se encontra em primeiro lugar no ranking das escolas públicas. A sua intervenção foi toda ela dirigida para a luta dos professores e para a denúncia das malfeitorias praticadas pelo actual Ministério da Educação. Seguiu-se a de Ana Drago, com um discurso um pouco poético sobre a situação política actual. Por último, a intervenção de Manuel Alegre, acutilante e pondo a questão da necessidade de unir as esquerdas e de "a reconfiguração da esquerda implicar a capacidade e a vontade de construir uma perspectiva alternativa de poder." Citou o exemplo das políticas de Roosevelt, com o New Deal, ou da Frente Popular em França, com o Governo de Léon Blum. Manifestou a sua solidariedade aos militantes socialistas que são vítimas e que lutam contra as políticas desastrosas e neo-liberais do actual Governo de Sócrates, e considerou que a nova "reconfiguração da esquerda não se fará sem os eleitores, simpatizantes e militantes do Partido Socialista". Reforçou a ideia de que a esquerda não é unicamente um contra-poder, não é “só a coragem de resistir e persistir, de que muitos de nós temos experiência, mas a coragem de virar a página e construir uma nova esperança e uma nova alternativa”. Considerou que ninguém “é proprietário da esquerda, ninguém tem o monopólio da verdade, ninguém é dono do futuro”. Discurso a prenhe de consequências, que estabelece uma clara ruptura com as políticas do PS de Sócrates e que faz a ponte para possíveis desenvolvimentos desta atitude.
Feito este relato, as conclusões que se podem tirar deste encontro é que ele poderá favorecer, assim tenha desenvolvimentos positivos, a unidade à esquerda e de provocar dentro do PS uma ruptura com as políticas que têm vindo a ser seguidas por Sócrates, lesivas do interesse das populações.
É evidente que nada disto está consolidado, que não são favas contadas e que pode também suceder que este espaço de diálogo não passe disso mesmo, ou seja, que se resuma unicamente à troca de opiniões de um conjunto de cidadãos preocupados com a coisa pública. A ver vamos.

O Público continua com as trafulhices


À notícia que dei neste blog sobre a realização de um debate Crise, oportunidade de viragem. Para onde queremos ir?, que teria lugar hoje, no Hotel Zurique, acrescentei este pequeno PS.: afinal não é só o Carvalhas que tem medo destes encontros, também o Jorge Sampaio se assustou, talvez com a Aula Magna. Este debate foi anulado por falta de comparência de um dos principais intervenientes.
Posteriormente, tive oportunidade de ler hoje no Público a notícia que tinha por título Jerónimo só vai a bodas (da esquerda) se for convidado. Para lá de outras afirmações, temos esta a meio do corpo da notícia: “O ex-líder do PCP Carlos Carvalhas recebeu um convite, mas optou por não comparecer no debate. Instado a comentar, Jerónimo disse tratar-se de "uma decisão do próprio". "Os contornos da iniciativa não eram aqueles que pareciam na medida em que havia a ideia de alguma articulação e combinação com esta iniciativa, mas o meu camarada Carlos Carvalhas assumiu a posição que assumiu de uma forma livre", afirmou.
Mais uma vez o Público, e aqui percebe-se que conscientemente, serve de veículo à provocação e à mentira e há jornalista que se prestam a isto. Uma vergonha para a classe e para o seu director.
Em post anterior já tinha falado de As trafulhices do Público a propósito de uma notícia completamente inventada que dava como tendo sido convidado para o Fórum das Esquerdas o Carlos Carvalhas, quando afinal foi unicamente convidado para o debate acima referido. Posteriormente o próprio Público veio a desmentir a notícia que tinha saído na véspera.
Mas agora insiste em perguntar ao Jerónimo de Sousa, numa notícia que se referia explicitamente ao Fórum das Esquerdas e ao não convite ao PCP em participar nele, porque é que o ex-líder do PCP tinha sido convidado e não compareceu ao debate. Jerónimo pela voz do Público parece não querer esclarecer muito bem e só se preocupa em dizer que a decisão era do próprio e que este não era um pau-mandado do PCP.
Triste jornalismo que aldraba e inventa deliberadamente para confundir quem de boa-fé acredita no que escrevem. Já hoje tive um amigo meu, leitor do Público, a falar do convite ao Carvalhas para a sessão da Aula Magna.
E não se pode exterminá-los!
PS.: reparei posteriormente que a notícia do Público vinha assinada Lusa. Pelos vistos os reactores daquela Agência, tendo lido apressadamente as notícias anteriores do mesmo jornal, continuam a insistir numa mentira. No entanto, os responsáveis pela publicação da notícia tinham obrigação de a corrigir ou de não a publicar como estava redigida A responsabilidade continua pois a ser de quem a transcreve e de quem dirige o jornal.

14/12/2008

Como às vezes um blogger político se transforma em biólogo profissional


Não existe uma barreira intransponível entre a nossa vida pública e a vida privada, ou seja, a nossa profissão. Não se pode durante o dia aturar um chefe prepotente, indiferente ou incapaz e depois à noite, como vingança, dizermos no nosso blog mal do Governo ou do patronato, ou então sermos um professor respeitável e sério e à noite transvertermo-nos em irónicos e galhofeiros comentadores da política nacional. Tem que haver uma relação entre aquilo que fazemos como profissionais e o que escrevemos como cidadãos.
Por este motivo achei que vos devia dar conta do que andei a fazer durante estes dias e porque motivo estive tanto tempo ausente da blogosfera.
Apesar de estar reformado, ainda de vez enquanto faço trabalhos de consultoria, e agora encomendaram-me um que achei engraçado partilhar convosco.
O trabalho referia-se a uma compilação bibliográfica sobre os perigos que resultam para os cursos de água nacionais da invasão de uma espécie, que na linguagem biológica, se classifica como exótica, pois que não é característica da nossa fauna e por esse motivo pode ser causadora de graves prejuízos não só para os ecossistemas dulçaquícolas, como igualmente para as actividades económicas que se desenvolvem nas albufeiras ou nos cursos de água. Espécies invasoras e exóticas dos nossos cursos de água são também o lagostim-vermelho ou o jacinto-de-água
A espécie em questão tem o nome vulgar de mexilhão-zebra, não mede mais de 3 cm, e deve o seu nome a ser parecida com o mexilhão marinho, que todos nós conhecemos e que muitas vezes comemos, apesar de ser mais pequena, e à cor das suas valvas (concha), que apresentam uma alternância entre tiras escuras e claras, que as tornam parecidas com a coloração da zebra. Esta espécie, cujo a fotografia junto, é um molusco bivalve, mas que do ponto de vista filogenético – antepassados comuns – nada tem a ver com o mexilhão, nem é comestível. O seu nome científico é Dreissena polymorpha.
Esta espécie é original do Mar Cáspio, Negro e de Aral, e dos rios que desaguam naqueles mares. Para os que só pensam em política pode-se associá-la ao perigo russo ou, mesmo, ao perigo comunista. Simplesmente a sua expansão para Europa ocidental começou no início do século XIX, com a construção de canais em toda a Europa resultantes do desenvolvimento do comércio. A sua chegada, no entanto, aos Estados Unidos deu-se só em 1988, tendo-se expandido em poucos anos da zona dos Grandes Lagos, na fronteira com o Canadá, até ao Golfo do México.
A sua chegada à Península Ibérica deu-se em 2001, e os primeiros exemplares foram encontrados no rio Ebro. Hoje está instalada numa série de albufeiras daquele rio, no rio Júcar, mais ao Sul, e no Norte, na zona Cantábrica. Ainda não chegou a Portugal, mas pensa-se que nestas circunstâncias não demorará muito tempo até aparecer nos nossos cursos de água.
A sua acção resulta fundamentalmente de se reproduzir em grande quantidade e, depois de passar por uma fase de vida livre, fixa-se no substrato, tal como os mexilhões, por uns filamentos que segrega, a que se chama o bisso. Forma grandes tapetes, que cobrem extensas áreas. Todas as indústrias que recorrem às águas doces das albufeiras, normalmente para arrefecimento dos seus condensadores, mas também para abastecimento de água potável às populações, ou para a produção de energia eléctrica, a função mais usual das albufeiras, vêem as suas tubagens em geral serem invadidas por esta espécie, o que, como se compreende, provoca elevados prejuízos económicos.
As medidas preventivas e de controlo da praga são várias, que normalmente implicam um forte ordenamento e condicionamento das albufeiras, como sejam as limitações à navegação, veículo importante de propagação dos ovos e das larvas desta espécie, interdição de pesca com barcos e mesmo de pescadores, já que estes recorrem muitas vezes a este mexilhão como isco. Fortes campanhas de informação das populações ribeirinhas e não só. Limpeza e desinfecção dos barcos que utilizam as albufeiras. Já no final da linha, introdução de métodos de eliminação dos próprios mexilhões, de que a cloragem das águas é um dos principais, apesar dos perigos que podem resultar para os ecossistemas a permanência de cloro residual nas águas devolvidas às albufeiras.
Acho que já vos dei um rápido panorama sobre esta espécie e os perigos que acarreta. Já agora, se a encontrarem em alguma albufeira ou num curso de água avisem as entidades pública e se quiserem trocar algumas informações comigo terei muito gosto.

13/12/2008

Crise, oportunidade de viragem. Para onde queremos ir?


Vai realizar-se a 15 de Dezembro, às 21h, no Hotel Zurique, um debate subordinado ao tema Crise, oportunidade de viragem. Para onde queremos ir?, com a participação de António José Seguro, Florival Lança, Jorge Sampaio e Ricardo Pais Mamede. Seguir-se-á um debate animado por Ulisses Garrido.
O Hotel Zurique fica situado na R. Ivone Silva (traseiras do Hospital Curry Cabral— estacionamento, metro: Campo Pequeno e CP: Entrecampos) .
PS.: afinal não é só o Carvalhas que tem medo destes encontros, também o Jorge Sampaio se assustou, talvez com a Aula Magna. Este debate foi anulado por falta de comparência de um dos principais intervenientes.

06/12/2008

Massacres na Bolívia II


Em post publicado a 17 de Setembro fiz referência ao massacre de 30 camponeses que tinha sido praticado na Bolívia. Fazia igualmente referência ao comunicado final da reunião da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), que tinha tido lugar no Chile, chamando a atenção para o seu ponto cinco, onde se dizia: “Nesse contexto, expressa sua mais firme condenação ao massacre que se viveu no departamento de Pando, e respalda o chamado realizado pelo governo boliviano para que uma comissão da UNASUL possa se constituir nesse país irmão para realizar uma investigação imparcial que permita estabelecer e esclarecer a brevidade dessa lamentável acção, e formular recomendações de tal maneira que o mesmo não termine impune”(tradução do espanhol para o português do Brasil).
Nesse mesmo post denunciava o relato perfeitamente parcial e encobridor da realidade levado a efeito pelo enviado especial do Público, Nuno Amaral, e em PS. chamava a atenção para as notícias do Expresso, mais próximas da verdade dos factos.
Já se sabe que ninguém pegou neste assunto, nem as boas as almas que na net estão sempre prontas a denunciar os atropelos aos direitos humanos.
Passado todo este tempo descubro em o Vermelho o relatório final da Comissão Especial da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), que tinha sido encarregue na reunião daquele grupo de países de investigar o massacre referido. O relatório ou o resumo dele está no site referido, naquela linguagem muito típica dos brasileiros, mas a principal conclusão que se pode retirar, e que é sintetizada pelo Vermelho, é que “o massacre em Pando, em 11 de Setembro, foi organizado por uma rede de comando do governo departamental. Os crimes devem ser tratados como delitos comuns e ser processados na justiça ordinária”.
Ou seja, ao contrário do que durante dias as televisões e o repórter do Público nos andaram a vender, os trinta mortos não resultaram de confrontos entre as autoridades e as populações, mas são o resultado de um massacre perpetrado pela rede de comando do governo departamental. Na sequência desta acção o Governador de Pando foi preso pelo Governo de Evo Morales com grandes protestos da oposição e dos órgãos de comunicação sempre prontos a ver atropelos à democracia, quando o poder legítimo é exercido pela esquerda.
Este é um caso exemplar de esquecimento e desatenção da esquerda europeia, mesmo daquela mais atenta às realidades sul-americanas.

05/12/2008

Democracia e serviços públicos


Fórum “Democracia e serviços públicos”, 14 de Dezembro

Painéis de debate (11.00 e 14.30)- Faculdade de letras
11.00 Economia
Moderador: José Maria Castro Caldas
Oradores: João Rodrigues, André Freire, Alexandre Azevedo Pinto, Jorge Bateira

Educação
Moderador: Paulo Sucena
Oradores: Cecília Honório, Nuno David, José Reis, Jorge Martins

14.30 Cidades
Moderador: Helena Roseta
Oradores: Manuel Correia Fernandes, Pedro Soares, Pedro Bingre, Fernando Nunes da Silva

Trabalho
Moderador: Manuel Carvalho da Silva
Oradores: Jorge Leite, Elísio Estanque, Mariana Aiveca

Saúde
Coordenador: António Nunes Diogo
Oradores: Cipriano Justo, João Semedo, Mário Jorge, Manuel Correia da Cunha

Sessão final (17.00) - Aula Magna
Oradores: Manuel Alegre, Ana Drago, Maria do Rosário Gama

30/11/2008

As trafulhices do Público


A história que vou contar passou-se no Público, mas nada impedia que se tivesse passado noutro jornal qualquer
O Público, do dia 27, relata, pela pena de São José Almeida, que as Esquerdas organizam-se em debates como alternativa à criação de um novo partido político.
Logo de início afirma: “aparentemente sem que haja vontade suficiente e consequente para que apareça um novo partido político à esquerda, várias personalidades com filiação partidária no PS, no PCP e no BE envolvem-se em debates e iniciativas públicas para buscar respostas para a crise social e económica.” Já se sabe que depois, no resto do artigo, nada permite que se retire a conclusão porque é que não há vontade politica para criar um novo partido político. Mas isso pouco interessa para quem tem como objectivo especular sobre a esquerda e permitir assim aos leitores do jornal terem a sensação de estarem bem informados.
Mas isto é o menos importante, apesar de ter servido de título ao artigo, o principal é ter juntado no mesmo corpo da notícia três debates que nada têm de comum, a não ser serem protagonizados por gente da esquerda.
Um dos citados, e o mais disparatado no âmbito da notícia, foi a apresentação do livro de Celso Cruzeiro, A Nova Esquerda, como mais um debate relacionado com os outros dois. Se um autor junta, para lançamento do seu livro, e eu penso até que foi mais por pressão da editora, três personalidades de vários quadrantes da esquerda portuguesa. Neste caso Francisco Louçã, Paulo Fidalgo, que não é nomeado – não dá prestígio à notícia – e Paulo Pedroso, que foi defendido pelo advogado, autor do livro, aí temos a esquerda em debate, como alternativa à criação de um novo partido. Joana Lopes, no seu blog, já tinha denunciado as notícias completamente disparatadas que tinham a aparecido sobre este lançamento.
Depois temos o fórum, na Aula Magna, em Lisboa, no dia 14, sobre Democracia e serviços públicos, organizado pelos mesmos que participaram na festa-sessão do Trindade. Esta realização merece, de facto, destaque especial, dado que junta, como já tinha sucedido anteriormente, a esquerda do PS (Manuel Alegre), o Bloco de Esquerda, Renovadores Comunistas e independentes, contando com a participação de Carvalho da Silva, esta sim a novidade, a dirigir a mesa sobre o Trabalho.
Por último, temos uma iniciativa de um grupo que se designa por Ideias de Esquerda e que resolveu há já bastante tempo, e antes de ser conhecida a iniciativa da Aula Magna, promover um debate plural sobre o tema Crise, oportunidade de viragem. Para onde queremos ir?, que junta, ou juntava, Jorge Sampaio, António José Seguro, Carlos Carvalhas, e o economista do blog Ladrões de Bicicletas, Ricardo Pais Mamede. Esta iniciativa tem lugar a 15, no Hotel Zurique, também em Lisboa.
Só por mera coincidência é que todas estas iniciativas acontecem num curto espaço de tempo. Mas a sua origem é bastante diferente. Era isto que uma jornalista séria e não desejosa de especular deveria ter dito. Poderia até entrevistar os responsáveis pela organização do Hotel Zurique e saber quem são e o que pretendem com aquela iniciativa. Já se sabe isso daria muito trabalho e não permitiria tanto fogo de vista.
Perante esta notícia, Carlos Carvalhas recusa participar, não fosse alguém pensar que ao debater com personalidades tão insuspeitas como Jorge Sampaio ou António Seguro, estivesse na Aula Magna a discursar juntamente com Manuel Alegre ou Manuel Carvalho da Silva. Mas as acções ficam com quem as pratica.
Para agravar este disparate pegado, o Público, de 29, pela pena, com certeza de uma estagiária(o), que assina LA, escreve este mimo, “Carlos Carvalhas, ? secretário-geral da CGTP ?, já não vai ao debate, de 14 de Dezembro, em que estaria lado a lado com Manuel Alegre (PS) e Ana Drago (BE). A informação foi ontem prestada em comunicado pelo Gabinete de Imprensa do PCP. Justificação: "não participará nesse debate, para o qual foi convidado, em circunstâncias e num quadro bem diferente daquele a que agora se procura associá-lo."Nota do PCP cita a notícia do PÚBLICO da passada quinta-feira em que é afirmado que "esquerdas organizam-se em debate como alternativa à criação de um novo partido". A notícia, diz o PCP "dá conta do chamado Fórum da Nova Esquerda, no âmbito da qual se associava a participação de Carlos Carvalhas num debate sobre a crise mundial", daí que o PCP tenha achado que o seu militante não deve participar. O debate em causa vem na sequência do encontro de Junho, no Teatro da Trindade, que juntou Alegre, dirigentes do BE e outras pessoas de esquerda. O PCP não se associou a este encontro.”
É a trafulhice completa, que revela a incompetência e a ignorância de um(a) estagiária(o) e de quem, ao menos, devia ler o que ela(e) escreveu. Podemos dizer que nunca em tão pouco espaço se disseram tantas mentiras. Estou curioso para ver se a notícia é desmentida na rubrica “O Público errou”.
Assim vai a nossa imprensa dita de referência.

PS.: Já este post estava redigido quando vi o do Vítor Dias, em O Tempo das Cerejas. O assunto é o mesmo, a denúncia de um jornalismo trapalhão, simplesmente os objectivos são diferentes. Enquanto que eu critico as notícias do Público, Vítor Dias, sem esquecer isso e até atribui um nome ao responsável, tenta defender o seu camarada Carlos Carvalhas, que alegando intenções ocultas, desmarca um compromisso já assumido. Vítor Dias no seu post junta tudo, jornalismo trapalhão e políticos oportunistas, que, feitos uns com os outros, pretendem confundir a opinião pública. Gente séria e honesta só Vítor Dias e os seus amigos do PCP.
E a propósito de gente séria, veja-se mais uma das tradicionais bicadas do Vítor Dias, que no seu blog, O Tempo das Cerejas, fala que o Esquerda.net indica como promotores do Fórum Manuel Alegre e Carvalho da Silva, e que não estariam na lista aí publicada. Esqueceu-se foi de dizer que o Esquerda.net fala em “promotores e participantes” o que é bem diferente da piadinha que faz.

Depois de ouvir o discurso de Jerónimo de Sousa sobre Manuel Alegre e o Bloco de Esquerda, que Vítor Dias subscreve de certeza, fico com a ideia clara de que com este PCP, sectário e autista, não se pode ir a parte nenhuma.

29/11/2008

Que "alegria" ver confirmadas as nossas opiniões


Foi hoje publicado no Jornal de Notícias um artigo de Ana Paula Correia e Paulo Martins sobre a A velha e a nova guarda do PCP, em que, para além das opiniões expendidas, que me abstenho de comentar, se pede ao historiador do “movimento comunista” João Madeira para se pronunciar sobre as Teses apresentadas ao XVIII Congresso do PCP. Diz aquele historiador, pela pena dos autores do artigo citado, o seguinte: “no plano estratégico, regridem no tempo. Embora inspiradas na tradição de Cunhal, vão mais atrás: a ideia de Frente Popular, da procura de aliados numa perspectiva unitária, para criar uma maioria de Esquerda, é substituída pelo reforço do partido, força de vanguarda. Constata-se "um esforço muito forte de hegemonia, num quadro de recomposição da Esquerda", sublinha o historiador.
Trata-se de uma posição de "classe contra classe", que deve ser lida no contexto de maioria absoluta do PS. É a primeira vez que o PCP se reúne em congresso tendo este cenário em pano de fundo. Mas, como acentua João Madeira, aquele posicionamento fora já ensaiado em 2004
.”
Destas declarações retenho a regressão em relação à ideia de Frente Popular, defendida, segundo aquele autor, por Cunhal, e o reafirmar da posição de “classe contra classe”, que foi defendida pela Internacional Comunista no início dos anos 30, antes de ser aprovada no VII Congresso daquela organização, em 1935, as propostas de Frente Popular.
Lido isto, que parece simples, constatei que as ideias expostas eram semelhantes a àquelas que eu tenho vindo a defender relativamente ao PCP actual. Assim, em artigo de Julho de 2007, intitulado O Desvio Esquerdista e Sectário da Internacional Comunista (1929-1934), comparava posição da Internacional daqueles anos em que era defendida, entre outras, a posição de “classe contra classe” com as atitudes sectárias do actual PCP. E noutro artigo, mais recente, de Junho de 2008, com o título O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril , chamava a atenção para que as propostas defendidas pelo PCP e por Álvaro Cunhal para “a revolução democrática e nacional” eram inspiradas nas teses do VII Congresso da Internacional Comunista, sobre a Frente Popular, e que contrastavam muito com as posições leninistas, de ruptura revolucionária, ultimamente defendidas por aquele partido.
É pois com "grande alegria" que vejo um reputado historiador do movimento comunista fazer uma crítica às posições do actual PCP que se assemelham às que eu, modesto aprendiz destas andanças, tenho formulado.

“Substituir uma fezada por outra” ou a conversão de António Gramsci


Nesta ânsia de estarmos permanentemente a actualizar os nossos blogs somos muitas vezes levados pela análise superficial, pela piada dita engraçada, pelo comentário sem substância. Eu próprio sou arrastado pela necessidade de todos os dias assinar o ponto e por isso de me perder na espuma dos dias.
Vem tudo isto a propósito de um post que Joana Lopes inseriu no seu blog sobre uma pretensa conversão de António Gramsci no leito de morte à Santa Teresinha do Menino Jesus. A novidade foi dada por um arcebispo italiano, a imprensa daquele país rapidamente pegou nela e vem reproduzida no Público.es de Espanha.
Rui Bebiano enquadra-a perfeitamente e considera-a que se trata “de uma provocação anticomunista, digna dos melhores tempos da Guerra Fria.” Eu não diria melhor, mas não deve andar muito longe das provocações católicas, que sempre utilizaram Fátima com essa mesma finalidade, inclusive a da conversão da Santa Rússia.
Mas o que nos diz Joana Lopes “A ser verdade, não foi o primeiro – e não terá sido o último – a substituir uma fezada por outra. (Amanhã, vou ler o Avante! com uma atenção redobrada.)”
Sem considerar que há personagens intocáveis, encontramos pelos menos alguns pensadores e políticos que pelo seu sacrifico pessoal, pela sua postura, e pela sua inteligência – o juiz fascista que o condenou à prisão dizia que era necessário impedir este homem de pensar – que merecem um pouco mais de rigor na apreciação das suas vidas. Não se pode impunemente, a propósito de António Gramsci, dizer que substituiu uma fezada por outra.
Gramsci foi sem dúvida nenhuma, entre os intelectuais que foram responsáveis por aquilo que se costuma designar por “marxismo ocidental”, um dos pensadores mais originais e que mais se distanciaram da visão estalinista do mesmo. Os conceitos que desenvolveu de “hegemonia”, de “bloco histórico” ou o de “guerra de posição”, aquela que corresponderia à luta possível da classe operária ocidental, são hoje extremamente importantes na luta política.
Nos comentários ao post de Joana Lopes há logo alguém, um erudito em relação ao que se publica em inglês, que vem afirmar que está ser editado naquela língua uma edição crítica dos “Cadernos do Cárcere”, tendo já sido editado o terceiro volume. Pois eu informo que no Brasil, em português, já existe uma edição daqueles Cadernos em seis volumes, dirigidos pelo gramsciano Carlos Nelson Coutinho (edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001), que escreveu igualmente, para quem estiver interessado, um estudo sobre o pensamento político Gramsci (Gramsci – um estudo sobre o seu pensamento político, Civilização Brasileira, 1999)
Para terminar lembraria à Joana Lopes que só por grande ironia é que o Avante! dedicaria algumas linhas a Gramsci, pois o apego do PCP ao marxismo-leninismo há muito que impediu de pensar e encarar outras correntes do marxismo.
PS.: é evidente que esta crítica ao post da Joana Lopes não invalida a qualidade do seu blog, nem o belo trabalho que tem desenvolvido em Caminhos da Memória.

25/11/2008

Ainda o Congresso sobre Marx e os engulhos da direita


Nunca uma iniciativa cultural da esquerda, principalmente daquela que está próxima do Bloco de Esquerda, mas poder-se-ia referir as intermináveis conferências do PCP sobre as realidades económicas, sociais, culturais, etc., tinha merecido uma resposta tão pronta e acirrada da direita. Não a direita dos blogs, mas aquela que os jornais ditos “sérios” abrigam nas suas páginas
Comecei um post anterior com a citação de um artigo de Vasco Pulido Valente (VPV), que este publicou no Público, ainda o Congresso sobre Marx estava a decorrer. O tom estava dado. A direita sentia-se como que arrepiada por alguém vir revisitar Karl Marx e alinhavou então uma série de chavões e velhos preconceitos contra aqueles que nos nossos dias em ainda se consideram marxistas ou inspirados em Marx.
Uma semana depois Bruno Peixe e José Neves, membros da Comissão Organizadora do Congresso, respondem-lhe no Público e de forma lapidar consideram que o seu artigo “é simplesmente sinal da sua actual incompetência e desqualificação intelectual”. Eu não diria melhor. E mais, considero que ao desqualificar o artigo de VPV contribuem para desmascarar um dos fenómenos mais aberrantes que se tem imposto na imprensa de referência, que é o de aceitar-se como boas as opiniões de gente que produz, para gáudio de alguns, as maiores boçalidades sobre a realidade presente.
Mas não se ficou por aqui a ofensiva da direita. Henrique Raposo, no Expresso, passa também ao ataque com um artigo com um título sugestivo, "Striptease" marxista. A prosa é pior do que a de VPV, aqui já passa ao ataque pessoal, “ao professor doutor a agir como uma beata de aldeia”, que dá “um espectáculo que apela à piedade”. Para este douto comentador “a beata reza aos seus santinhos” e “o beato vermelho faz colóquios sobre a actualidade de Marx”. E depois não resiste à denúncia “o muro não caiu nas universidades portuguesas. Os marxistas portugueses que defendiam a URSS e outros regimes similares permanecem nos departamentos de humanidades, e continuam a fabricar mentiras”.
Para alguém como eu que já viveu muitos anos e conheceu esta senha pidesca de denunciar aqueles que nas universidades espalhavam a subversão contra o regime fascista – veja-se a prosa do Diário da Manhã, de A Voz ou do Novidades – isto não é novo, é a boçalidade daqueles miseráveis tempos a vir novamente ao de cima. Se hoje algum dos presentes no Congresso sobre Karl Marx propusesse o saneamento por reaccionarismo militante do Sr. Rui Ramos, um dos pais espirituais desta gente, vinha o mundo a baixo que estavam novamente a ressuscitar os saneamentos selvagens. Mas quando estes comentadores, sem qualquer pudor, denunciam os professores doutores, que ainda ensinam na universidade, e que no seu comportamento cívico têm opiniões que se podem considerar marxistas, e organizam um Congresso com a finalidade de as discutir, são logo apontados ao opróbrio público como incapazes e mentirosos para ensinar os nossos adolescentes.
Mas mais, eu que normalmente não frequento os blogs de direita, fui encontrar deste mesmo senhor esta bonita prosa, no Atlântico, num post denominado A vergonha marxista nas escolas, onde se dizia “Os manuais de História do nosso ensino são uma vergonha. Não são manuais escolares: são cartilhas ideológicas feitas por “professores” que devem acumular funções no ministério da educação e no PCP/BE.” Prosa esta que vem na linha do que outra sirigaita, que também anda metida com este blog, chamada Helena Matos, costuma escrever no Público.
O que mais me indigna é que estas coisas sejam ditas por gente que é aceite normalmente como tendo opiniões discordantes das nossas, quando no fundo o seu comportamento visa, no mínimo, inibir a expressão daqueles que se reclamam do marxismo ou da esquerda, ou então para sua glória expulsá-los das Universidades, das escolas, dos manuais, de todos os locais onde ainda possam influenciar a juventude.
Por último não podia faltar o senhor Pacheco Pereira, mais comedido. Depois de um longo artigo, em que repete aquilo que ele já fez muito bem, quando foi da crise da Ponte 25 de Abril, a propósito de alguém que se tinha que levantar cedo para atravessar a Ponte e vir trabalhar em Lisboa, lá vem a ferroada sobre o Congresso de Marx. Diz então o Sr. Pacheco Pereira na sua última crónica no Público: “Os tempos estão difíceis, mas os que nos vêm outra vez com o Marx deles, e com o Estado e com o "diálogo", estão-nos a vender produtos tão tóxicos como o subprime. Parece uma Alemanha de Weimar cansada e ainda mais triste.” Aqui insinua-se que quem vende Marx neste momento está a vender um produto tóxico e contribui provavelmente para que Portugal atravesse tempos semelhantes aos da República de Weimar, que favoreceu a ascensão do nazismo. Esquece o Sr. Pacheco Pereira que o nazismo foi uma forma do capitalismo sair da crise que se vivia desde 29, e que hoje não é com receitas iguais, que essas conduzirão inevitavelmente a uma saída direita, que se poderá ultrapassar esta crise que os seus amigos do outro lado do Atlântico lançaram o Mundo.
O fantasma de Marx continua ainda a percorrer a Europa.

20/11/2008

Um marxista perdido num Congresso sobre Marx


A direita, pela voz Vasco Pulido Valente, não reservava grande futuro a um Congresso que neste momento discutisse Marx: “seria sempre uma reunião um pouco saudosista e patética” (ver aqui). Já se sabe que este era o desejo de uma dos seus mais enfatuados representantes, mas não foi isto o que de facto aconteceu.
Foi um Congresso vivo, bastante participado, com uma variedade de temas e de comunicações que abrangiam quase todas as áreas do saber. Esta foi sem dúvida uma das suas principais características e aquela que mais se deve realçar.

1 - A organização
As organizações responsáveis pela realização do Congresso foram a Cultra – Cooperativa de Cultura Trabalho e Socialismo, a Transform! - European Network for Alternative Thinking and Political Dialongue e o IHC – Instituto de História Contemporânea.
O Congresso era composto por painéis, com quatro ou cinco a funcionarem à mesma hora, com três comunicações cada um, e quatro sessões plenárias com intervenções de convidados. Havia tradução simultânea do inglês, do francês e, penso que, do espanhol para português. A participação de estrangeiros, principalmente de brasileiros e de espanhóis foi extraordinária.
Pretendeu-se seguir um modelo abrangente para este Congresso, o que tendo sido uma opção correcta, obrigou, a quem quisesse seguir com alguma atenção o que se passava em cada um dos painéis, a uma verdadeira maratona, acabando sempre por falhar aquele, que depois vinha a saber, tinha sido o mais apelativo.
Mesmo pessoas interessadas, como este vosso comentador, que previamente estudaram o programa e escolheram os painéis que lhe poderiam interessar, chegaram ao fim com a sensação que falharam o que mais importante foi dito. Não sei que solução dar a este fenómeno de grande desejo comunicacional manifestado pelos marxistas, mas, verificando-se que em quase todos os painéis houve faltas de comparência de alguns comunicantes, não teria sido possível reduzir o seu número, fazendo uma selecção mais apertada de modo a garantir que as ausências não perturbavam o andamento dos trabalhos
Quanto ao critério seguido, de só no final de todas as comunicações apresentadas em cada painel é que se iniciava a discussão das mesmas, sendo do ponto de vista de redução de tempo muito mais eficaz, obrigava a não se poder saltitar de painel em painel, pois se se queria assistir à discussão das comunicações apresentadas, e que muitas vezes era a parte mais interessava aos participantes, tinha que se assistir a todas as outras comunicações daquele painel.

2 – O conteúdo
2.1 - O sentido político
Dito isto quanto à organização, passemos ao conteúdo do Congresso.
Em primeiro lugar gostaria de fazer uma apreciação política de um observador desprevenido e que não conhece os meandros da sua realização, nem a maioria dos comunicantes.
Esta foi uma organização de pessoas ligadas ao Bloco de Esquerda que apareceu com quase toda a sua Direcção. No entanto, tem que se reconhecer que os convidados, a maioria eram estrangeiros, e muito dos comunicantes não estavam de modo algum ligados aquele Partido, nesse sentido foi interessante, contar com intervenções de José Barata-Moura, que foi convidado, ou com as comunicações de Manuel Carvalho da Silva ou de António Filipe, que segundo me disseram não apareceu para apresentar a sua.
Por isso, o Bloco de Esquerda está de parabéns pois esteve presente em força, mostrando uma visibilidade e vitalidade, capaz de mobilizar professores da academia, alunos, que apareceram em número significativo, e velhos e menos velhos “revolucionários” dos grupos ML, mas não só, que há muitos anos acompanham com interesse este tipo de problemas.
Podemos também afirmar que o PCP, como organização, esteve completamente ausente, apesar de estarem presentes militantes seus, e que aqueles que no PS ainda se reclamam de esquerda e marxistas primaram também pela falta de comparência.

2.2 – As comunicações
2.2.1 – Sexta à tarde

Passemos à descrição das comunicações e à sensação que eu tive durante todo o Congresso de que passei ao lado das mais importantes. Sigamos por isso o meu roteiro, que, pelos motivos expostos, pode não ter sido o melhor. (Ver o programa aqui).
A abertura teve lugar sexta-feira ao fim da tarde, com intervenções dos representantes de cada uma das organizações responsáveis pelo Congresso. Passou-se de imediato aos paneis. Escolhi Estado e a Sociedade. Começou por uma intervenção de Diana Raby, que conhecia com o nome masculino de Dawn Raby (tinha mudado de sexo) e que escreveu um livro bastante interessante e objectivo sobre a Resistência Antifascistas em Portugal, 1941/74” (Edições Salamandra, 1988). A sua intervenção versou principalmente sobre as questões da América Latina e acima de tudo sobre a Revolução Bolivariana. A autora, bastante segura, deu uma ideia muito favorável daquela Revolução o que, na altura da discussão, provocou alguns engulhos a vários revolucionários encartados que estavam presentes. Sempre considerei negativo pronunciarmo-nos sobre assuntos que não conhecemos e muito mais darmos conselhos sobre o modo de fazer a Revolução a quem a realiza a milhares de quilómetros de distância.
Seguiu-se a intervenção António Louçã, por sinal a última, já que o orador anterior tinha faltado, que defendeu a perspectiva leninista de que o Estado é sempre um Estado de classe, e que a democracia burguesa não passa do domínio da burguesia sobre as outras classes sociais. Citou exemplos, falou dos Conselhos, quer dos Sovietes, quer das estruturas revolucionárias semelhantes criadas na Europa Ocidental no pós-primeira Guerra Mundial. Pareceu-me uma intervenção extremamente ortodoxa, incapaz de compreender as novas discussões sobre o papel do Estado. Conhecia António Louçã como historiador empenhado, principalmente o caso do ouro dos judeus que serviu para Hitler pagar a Portugal as suas dívidas, e muitos outros livros alusivos à relação de Portugal com a Alemanha nazi, um deles já por mim comentado (O Segredo da Rua do Século, Ligações perigosas de um dirigente judeu com a Alemanha nazi (1935-1939, Fim de Século, 2007), mas desconhecia esta faceta de militante político, muito preso a um leninismo já, quanto a mim, completamente ultrapassado. A sua intervenção motivou alguma discussão, em que se retomam velhos problemas que ciclicamente regressam, parecendo sempre não estarem resolvidos. Abordarei este tema no painel a que assisti no Sábado de manhã.
Por último tivemos o Plenário desse dia. Uma das intervenções era em inglês a outra em francês. Como não compreendo bem o inglês recorri à tradução simultânea. Mas com a longa experiência que já levo de traduções simultâneas, ou estamos muito dentro dos assuntos e a reunião é de trabalho ou então perdemo-nos na tradução, acompanhando dificilmente as divagações dos autores. Foi o que me aconteceu com a intervenção nesse Plenário de Alberto Toscano, que falou em inglês sobre a religião e o marxismo. Houve depois uma intervenção, em francês, de Paolo Virno de carácter muito didáctico sobre o comum e o universal, em que me pareceu que o autor compartilhava as formulações de Negri no seu livro “Multidão”. O tema não me interessava muito, mas foi fácil seguir o raciocínio do autor. Ver sobre o mesmo a wikipedia. Depois de ouvi-lo e ler o que aquela enciclopédia virtual diz sobre o mesmo, chega-se à conclusão que há mais mundos do que aqueles que resultam da cultura franco e anglo-saxónica. Ainda bem.

2.2.2 – Sábado
Nove e trinta da manhã. Uma violência. Consegui estar a horas e ouvir os intervenientes num dos painéis que mais me interessava: História do Comunismo em Portugal. Comunicação inicial de Ricardo Noronha, que abordou os textos de ruptura com o PCP de Francisco Martins Rodrigues (FMR), principalmente aqueles em que ele critica as posições “conciliadoras” daquele Partido para com a burguesia. Pretendendo ser uma análise distanciada dos factos e das opções daquele revolucionário, mostra sem dúvida alguma afinidade para com as suas críticas, considerando-as, em comparação com as posições do PCP, como as únicas verdadeiramente leninistas, o que não deixa de ser verdade, se considerarmos com boas as premissas de análise que FMR faz da sociedade portuguesa, o que não me parece.
Seguiram-se depois duas comunicações, já por mim referidas a propósito do 1º Colóquio sobre Os Comunistas em Portugal. A primeira era relativa ao Estado e à posição do PCP sobre o mesmo, e que segundo a proposta inicial do autor, António Simões do Paço, abarcaria o período que vai da “reorganização” de 1941 à revolução de Abril de 1974, limitando-se, no entanto, a sua comunicação a fazer principalmente a apreciação do opúsculo de Álvaro Cunhal A Questão do Estado, a Questão Central de Cada Revolução.
Incidindo a sua crítica e análise na visão que o PCP tinha do Estado português, como imperialista e simultaneamente dependente do imperialismo estrangeiro, esqueceu-se que aquele partido também o considerava como representando os grandes grupos monopolistas, opondo-lhe, por isso, uma aliança das camadas anti-monopolistas. Daí as suas propostas de unidade com os representantes da burguesia democrática.
A segunda, de Miguel Cardina, era sobre os grupos maoistas em Portugal entre 1964 e 1974.
A discussão foi bastante interessante, mas falarei nela na sequência do comentário ao painel seguinte, que teve lugar na mesma sala. O tema do painel era A Revolução Portuguesa de 1974/75, uma das comunicações era de Raquel Varela, O PCP no PREC, e outra de Manuel Loff. O terceiro orador, segundo ouvi dizer, teria faltado. Foi deliberadamente que não fui. Já conhecia as opiniões da Raquel Varela, que tinha apresentado uma comunicação semelhante no Colóquio sobre os Comunistas, e de quem discordava completamente (ver o site anteriormente referido). Achei que não havia necessidade de tanto masoquismo e por isso fui ouvir pacatamente o meu amigo e militante do PCP, João Arsénio Nunes. Disseram-me depois que o painel tinha tido interesse e de facto acabou bastante tarde, provavelmente devido às discussões que lá se travaram.
Não querendo ser injusto em relação às comunicações que não ouvi, e sobre as quais não me posso pronunciar, apercebi-me, no entanto, que o sentido geral de certas intervenções no primeiro painel da manhã, que já vinha do dia anterior, com o António Louçã, e que transparecia muito nas intervenções do público, era de um ajuste de contas com algum passado mal resolvido. Muitas das interpretações que se apresentaram resultavam das visões “esquerdistas” sobre a nossa Revolução e consistiam num ataque a um partido, o PCP, que, por sua própria culpa: não está presente, não favorece a investigação, não abre os arquivos, permite que os outros falem por ele. Tem-se pois a sensação que é a vingança póstuma de um grupo, que tem hoje muito mais força política, mas que pensa e actua de modo completamente diferente, sobre um partido ideologicamente débil, sectário e autista. Verifico com tristeza, que alguns dos acontecimentos pretéritos, que já deviam ser observados com algum distanciamento histórico, ainda são objecto de confronto ideológico, e neste caso, como no Colóquio sobre os Comunistas, por um único dos lados.
Nessa mesma manhã falaram também Carlos Pimenta, um professor da Faculdade de Economia do Porto, com estudos publicados sobre a economia portuguesa, e o Manuel Carvalho da Silva, sobre o qual se dirigiram todos os holofotes. Já se sabe, perdi os dois.
Na sessão plenária da manhã houve três intervenções extremamente interessantes, duas de dois investigadores espanhóis sobre a transição em Espanha e a actuação dos Movimentos Sociais e a terceira, de Fernando Rosas, sobre a Memória e Histórica. Ressalto a sua condenação firme e decidida do historiador de “extrema-direita” Rui Ramos, que ao considerar as atitudes anti-democráticas da República iguais às do fascismo não pretende mais do que desculpabilizar este e valorizar a Monarquia. Eu, que há muito venho travando um combate solitário contra aquela personagem, veja-se, entre outros, este post, fiquei deveras satisfeito, como dizem os brasileiros de “papo cheio”.
Na parte da tarde, estive no painel sobre Correntes marxistas onde pensava assistir a uma comunicação sobre Otto Bauer e o austro-marxismo, assunto, que me interessa particularmente, pois é, a par de Gramsci, outra forma de pensar a intervenção política após a derrota da Revolução na Europa Ocidental a seguir à I Guerra Mundial. O orador faltou. Ouvi unicamente um brasileiro, Leandro Galastri, falar sobre a influência de Sorel em Gramsci, que teve o interesse de atribuir à influência daquele teórico do sindicalismo revolucionário alguns conceitos gramscianos, como, por exemplo, o de bloco histórico. Por último a de Fernando Oliveira Baptista, que foi ministro num dos Governos do Vasco Gonçalves, que estabeleceu a relação entre camponeses, que não são assalariados rurais, e marxismo. Bem interessante.
Saltitei depois para outro painel sobre Estado e Violência, onde ouvi parte da comunicação de Valério Arcary, meu conhecido do Colóquio dos Comunistas, que, com aquele à vontade típico dos brasileiros, falou da experiência política actual sul-americana. Só pela fluência e graça valeu a pena assistir. A outra comunicação era de um jovem sobre a luta armada na Itália e na Alemanha na década de 70. Nada a assinalar.
O dia estava terminado. Fiquei sempre na dúvida se perdi as comunicações mais interessantes.

2.2.3 – Domingo
Tentei chegar do Domingo a horas, ia-se discutir Marxismo, Ambiente e Ciência.
Já apanhei a comunicação de uma jovem, Rita Calvário, a meio. Tentava estabelecer uma ligação, por vezes bastante difícil, entre luta ecológica e luta de classes. Penso que conseguiu. O segundo orador faltou, o que foi a prática corrente em quase todos os painéis.
Seguiu-se aquela comunicação que mais me interessava, de Alda Sousa, Os desafios da genética e a esquerda no século XXI. A comunicação estabelecia uma relação entre a investigação em genética e a sua aplicação política e ideológica. Falou da eugenia e da esterilização forçada não só na Alemanha nazi, mas igualmente nos Estados Unidos e na Suécia, do caso Lyssenko, mas também do actual aproveitamento que as multinacionais fazem de testes genéticos para tudo e para nada e do patenteamento dos genes. Comunicação bastante interessante, que quanto a mim pecou por estabelecer uma ligação muito intima entre a investigação nesta área e o seu aproveitamento ideológico e político. É evidente que os biólogos também participaram nestes desvarios, mas a relação entre geneticistas e política é, quanto a mim, mais complexa do que as formulações apresentadas.
Foi o painel, daqueles em que estive presente, com menor participação. Mas ao assistir, por razões da minha formação profissional a estas comunicações, perdi a da Ana Barradas, que alguém me disse, provavelmente injustamente, que era como ter ido assistir a uma missa. Perdi igualmente as do Luís Fazenda e do J. P. Avelãs Nunes, que me disseram que tinha sido muito reaccionária. Não posso garantir.
Na segunda parte da manhã assisti ao painel Marx, Estado e Revolução em que Fernando Dores Costa pôs o jovem Marx a criticar o jacobinismo e a defesa que este movimento político fazia da “razão de estado”. Comunicação interessante para quem, como eu, tendo uma ideia do que diz o jovem Marx, desconhecia estes textos claramente humanistas e críticos de algumas das posições jacobinas. Depois houve uma comunicação em francês de uma brasileira, que falava mal o português. Foi um “bocadinho” difícil de a acompanhar.
Faltei a uma de Eduardo Chitas sobre Marx e a Unidade Material do Mundo e a um painel que se debruçava sobre os Problemas de História do Século XX Português, qualquer deles me interessava.
A manhã termina com a comunicação, que parece ter sido a que mais repercussão teve na imprensa, de José Barata-Moura, que tinha sido convidado para a terceira sessão plenária. Esta abre com uma comunicação, em inglês, sobre alguns conceitos da obra de Walter Benjamin. Esqueci-me de previamente ir buscar os auscultadores para acompanhar a tradução simultânea e estive todo o tempo a olhar para o relógio, saí antes do tempo. Eram quase duas horas da tarde e o Barata-Moura ainda não tinha começado. Fui almoçar. Cultura sim, mas não tanto. Soube depois que tinha sido uma lição bastante interessante, mas muito professoral. São opiniões, que não sei se as partilharia.
Tarde de Domingo. O Fernando e a Rosa Redondo iam falar sobre a sua tese Do capitalismo ao digitalismo, sobre a qual já publicaram um livro. Grande qualidade de exposição, mas com alguns conceitos controversos que mereceram discussão na sala. Depois de tudo falado e discutido não sei se o novo modo de produção que propõem não será mais capitalismo revestido de outras formas. No entanto, cabe-lhes o mérito de levantarem o problema. Depois fui assistir à comunicação do Statter, da Renovação Comunista, sobre a actualidade da lei do valor. Irá ser publicada rapidamente no site da Renovação. Decorria ao mesmo tempo a do Fernando Ramalho, esta já publicada.
O dia e o Congresso terminaram com o quarto e último plenário.
A primeira comunicação, em inglês, referia-se a um investigador argentino a viver a Inglaterra chamado Ernesto Laclau, foi um tema um bocado exótico para quem neste país desconhecia completamente este autor.
Por último, tivemos a intervenção de Nuno Nabais propondo-nos um debate em torno da democracia, recorrendo para isso a três autores, ligados neste momento ao meio intelectual francês. Os autores em causa são Ranciére, Negri e Nancy, aos quais se pode aplicar o epíteto de pós-marxistas e que nos propõe novas formulações para problemas do mundo de hoje. Para mim, sempre embrenhado na terminologia e nos conceitos marxistas, as suas propostas fogem à reflexão de Marx, mas penso que foi oportuno chamar a atenção para aqueles que à margem do marxismo, mas inspirado nele, propõem outras formulações. Este debate foi suscitado no final da sessão, o que permitiu um bom esclarecimento dos presentes, dado o carácter bastante didáctico das intervenções de Nuno Nabais.

3 – Conclusões e Sugestões
Como conclusão final podemos afirmar que uma das características deste Congresso, e a sua grande virtude, foi a elevada participação estrangeira, o número e a qualidade dos académicos convidados e a diversidade dos temas abordados. Este Congresso abriu sem dúvida portas para um marxismo que se quer renovado e propondo novos conceitos e novas formulações. Pena é que nas análises que se apresentaram sobre a história do comunismo em Portugal e da Revolução Portuguesa se continuasse a pisar os mesmos assuntos, não fugindo a algumas ideias feitas sobre eles. Mas não será isto que no futuro será lembrado deste Congresso, mas sim a sua abertura a novas perspectivas e temas.
Quanto a sugestões, para além daquelas que resultam da minha crítica a algumas opções organizativas, gostaria que tivesse havido uma maior preocupação com a divulgação de textos de apoio e a organização de uma pequena feira do livro marxista ou abordando temas marxistas. Os livros seleccionados, e que foram apresentados no átrio de entrada, eram de um modo geral escritos por autores reaccionários, contrários a qualquer formulação marxista na análise dos temas que abordam. Por outro lado, alguns brasileiros traziam envergonhadamente revistas editadas nas suas faculdades. Devia ter havido um esforço para que a delegação brasileira, tão numerosa em participantes, estivesse minimamente representada na riqueza da sua bibliografia sobre marxismo.

Por último, e justificando o título, senti-me um pouco perdido na imensidão de um Congresso em que se tinha sempre a sensação de que se tinha falhado o mais importante. Mas isto é a visão de um “chato”, que vos escreve quilómetros de prosa.
PS.: Ver os comentários de Fernando Penim Redondo ao Congresso no seu blog e a resposta que lhe dei. Ficamos com mais informação sobre o que se passou.

14/11/2008

1º Colóquio sobre Pavel: o resistente antifascista e o homem de cultura

Vai realizar-se na Biblioteca-Museu República e Resistência/Espaço Cidade Universitária, no dia 22 de Novembro às 16h00, um Colóquio sobre Pavel (Francisco Paula de Oliveira) antigo dirigente do PCP, que emigrou para o México, tendo aí se tornado um crítico de pintura importante, com o nome de António Rodriguez (para ampliar a imagem clique sobre ela).

13/11/2008

Congresso Internacional Karl Marx


Para que se não diga que sou incapaz, ao menos, de introduzir um cartaz no meu blog, aqui se junta este. É mais um motivo para chamar a atenção para tão importante acontecimento. Ver o programa para impressão aqui

10/11/2008

Congresso Internacional Karl Marx / 1º Colóquio “Os Comunistas em Portugal”


Congresso Internacional Karl Marx

Vai realizar-se nos dias 14, 15 e 16 de Novembro, na faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, o Congresso Internacional Karl Marx. A organização é da Cultura, do Instituto de História Contemporânea e da Transform!. Para obter o programa completo, clique aqui .
Pretendia inserir o programa neste post. Mas, como estas habilidades dão sempre muito trabalho, achei que era melhor remeter os interessados para o próprio site onde está toda a programação, com o nome das comunicações e dos seus autores.
Para fazer a ligação com o capítulo seguinte, gostaria de realçar que algumas das comunicações apresentadas neste Congresso têm o mesmo protagonista e título de outras que foram apresentadas no Colóquio de Os Comunistas em Portugal.

Devo confessar que, quando tive conhecimento que este Congresso ia ter lugar, imaginei que as comunicações seriam referentes a aspectos da obra de Marx, principalmente à parte filosófica, política e económica, e que eu não tinha nada preparado, nem estava particularmente activo na reflexão sobre o seu pensamento.
Hoje, depois de ver o programa e de o confrontar com algumas das comunicações que foram apresentadas no Colóquio sobre Os Comunistas em Portugal, fico triste porque o texto que elaborei e a que dei o nome O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril, aqui publicado, e também neste blog, não era inferior a outros que eu já conheço e que são comuns às duas realizações. No fundo este Congresso tem uma abrangência tão vasta, que quase tudo pode ser incluído, e, com muito mais razão, qualquer reflexão sobre o Partido Comunista, como era o meu caso. A uma semana do Congresso já não vou a tempo de apresentar qualquer comunicação. Paciência, é a vida.

1º Colóquio “Os Comunistas em Portugal”

Este Colóquio, que foi publicitado neste blog, realizou-se no passado fim-de-semana, na Biblioteca Museu República e Resistência.
Há que sublinhar que ele foi organizado pela revista Política Operária, que foi dirigida por Francisco Martins Rodrigues (FMR) até à sua morte, ocorrida há alguns meses. Chico Martins, como era mais conhecido, era um dissidente dos anos 60 do PCP, tendo o seu afastamento resultado de sérias divergências políticas com este Partido, quer no modo como encarava a Revolução em Portugal, quer pela posição pró-chinesa que assumiu no dissídio sino-soviético, quer quanto ao papel que Estaline desempenhou na União Soviética. Pode-se dizer, para simplificar, que FMR saiu pela esquerda do PCP e assim se manteve até ao final da vida. Por isso, sem o nomear explicitamente este Colóquio era também uma homenagem àquele revolucionário. Muitos dos oradores a isso se referiram.
Era evidente que estas opções determinaram que o Colóquio fosse mais a defesa de uma determinada concepção política, do que uma reflexão desapaixonada sobre o Movimento Comunista em Portugal. No entanto, houve a preocupação de convidar maioritariamente académicos, com estudos feitos nesta área que, na maioria dos casos, reflectiram serenamente sobre a história, a sociologia e até a antropologia do comunismo e dos comunistas em Portugal. Não fosse algumas reflexões mais apaixonadas, que depois referirei, estávamos perante uma selecção bastante razoável do pensamento académico sobre o assunto. Faltaram, no entanto, e eu sei que tentaram convidá-los, o João Arsénio Nunes, que esteve presente durante a maioria das comunicações e que é um dos poucos historiadores do PCP, filiados no Partido, com trabalhos publicados nesta área, e o José Neves, que tem uma tese de doutoramento sobre Comunismo e Nacionalismo em Portugal – Política, Cultura e História no Século XX, e cuja defesa presenciei e que foi por mim assinalada neste post. É provável que haja muitos outros trabalhos notáveis de académicos sobre os comunistas, mas que eu não conheço.
Um dos males do Colóquio, é que se pretendeu meter o Rossio na Rua da Betesga, provavelmente o que irá suceder no Congresso que se lhe segue. Facto extremamente difícil de controlar, dado que ao pretender abranger um vasto leque de temas é preciso forçar a pontualidade do começo das sessões. Assim, a partir de certa altura fomos a mata-cavalos, sem tempo para a discussão e obrigando os intervenientes a terem que cortar nas suas intervenções. É sempre difícil, nestes casos, conseguir um balanço entre tudo aquilo que se quer comunicar e o seu debate. São opções que os organizadores têm que assumir e utilizar pulso de ferro se querem que haja tempo para tudo.
Dito isto, passemos às comunicações propriamente ditas. O seu programa está afixado neste post, por isso não me irei referir a ele pormenorizadamente.
O primeiro bloco de comunicações, sexta-feira ao fim da tarde, tinha a intenção de dar um retrato do PCP em três fases distintas da sua história: a sua origem, o período da Frente Popular defendida no VII Congresso da Internacional Comunista e depois uma experiência menos importante de frentismo, verificada entre 1956 e 1958, e que resultou do XX Congresso do PCUS. Quanto a mim, e por isso interroguei a mesa sobre este aspecto, faltava a experiência importantíssima de frentismo dos anos da II Guerra Mundial, que em Portugal tiveram repercussão na criação do MUNAF e no MUD. A mesa concordou.
O segundo bloco desse dia, com um trabalho que será igualmente apresentado no Congresso sobre Marx, referia-se às posições de Mário Dionísio em relação ao PCP, de que tinha sido seu militante, quando este no seu livro A Paleta e o Mundo estabelece uma clara distinção entre a liberdade de criação artística existente na União Soviética nos primeiros anos da revolução e o que depois se veio a verificar, com a imposição do realismo socialista, facto que até à data o PCP tinha ignorado. O autor estabelece claramente uma distinção entre os dois períodos, criticando certa historiografia universitária inglesa revisionista que tem insistido na tecla de que o período leninista da liberdade artística, que dura até 1934, anunciaria o período repressivo estalinista. Confrontei o autor da comunicação sobre aquilo que é hoje para mim uma pedra de toque de toda a historiografia oficial reaccionária e não só, também social-democrata, de que não haveria diferenças entre aqueles dois períodos, que a União Soviética, desde o início, tinha sido “um imenso Gulag”. Em resposta o autor, fugindo um bocado à minha pergunta, responde-me, e bem, que no PCP, pelo menos no apogeu do neo-realista, os comunistas também eram responsáveis por essa confusão, ao não valorizarem ou nem sequer reconhecerem a diferença, no campo da arte, entre os dois períodos.
Depois segue-se uma comunicação relativa a um inquérito sociológico de Manuel Loff , que publicou recentemente um livro interessante, O Nosso Século é Fascista, e de Bruno Monteiro sobre a adesão comunista em Portugal (1960-1974), com trabalho de campo junto de operários que aderiram ao PCP naqueles anos.
No Sábado de manhã, incapaz de me levantar cedo, não pude assistir às comunicações também de inquérito sociológico – que me perdoem os sociólogos, sobre a terminologia que estou aqui a usar – relativas às comunistas do Couço, às companheiras das casa do Partido e aos testemunhos autobiográficos de autores comunistas. Ainda cheguei a tempo de assistir à parte final desta última comunicação e ao debate relativo às anteriores, que me pareceram bastante interessantes. Pecando provavelmente por excesso, consideraria todo este conjunto, mais um intervenção que houve da parte da tarde sobre mineiros, como as mais interessantes do Colóquio, já que pelo tipo de pesquisa que empreendem, fogem ao estereotipo ideológico sobre o PCP e a sua história.
O segundo bloco da manhã foi dedicado ao maoismo em Portugal e aos Partidos ML. Foram apresentadas comunicações bem informadas, académicas, que só muito indirectamente tomavam partido por esta causa. Permitiram durante a sua apresentação os momentos mais relaxantes do Colóquio, já que a terminologia usada naquele tempo por estes movimentos era de facto espantosa. Houve alguém que atrás de mim identificou, uma das fases mais ridículas que foram apresentadas, como do João Isidro, recentemente falecido.
Os blocos da parte da tarde foram os mais polémicos. Apesar da primeira intervenção, que coube a João Madeira, não apresentar essas características. Foi relativa à defesa que o PCP fez em Maio de 64, pelo efeito da cisão Martins Rodrigues, de acções especiais para acompanharem as manifestações do 1º de Maio e nalguns casos propondo interligação dessas acções com as próprias manifestações. Essas acções especiais consistiam em actos de sabotagem, corte de linhas de alta tenção, ataques à polícia, etc. Na zona de Grândola esse tipo de acções chegou a concretizar-se com rebentamentos, sem qualquer efeito, em pontes, visando isolar o Concelho. Posteriormente, foram abandonadas e até, segundo percebi, criticadas. O autor considerou-as como um desvio esquerdista. Desconhecia estes episódios.
A intervenção mais polémica e quanto a mim completamente descabelada, e tanto mais grave visto que pretende vir a ser uma tese de doutoramento, foi a de Raquel Varela sobre o papel do PCP no processo revolucionário de 1974-75. Esta autora irá apresentar no Congresso sobre Marx uma comunicação semelhante, cujo nome é O PCP no PREC.
Raquel Varela que estudou um período muito curto da nossa Revolução, entre o 25 de Abril e o VII Congresso do PCP, em Outubro de 74, formula a tese muito defendida em alguns meios esquerdistas que o PCP traiu a Revolução aliando-se à burguesia e reprimindo as suas aspirações populares. Chegou mesmo a dizer que a burguesia devia fazer uma estátua ao PCP porque foi este Partido que permitiu que a democracia se implantasse em Portugal. Deixando-se arrastar por estas considerações chega a afirmar que o principal objectivo do PCP era entregar Angola ao MPLA e por isso aos soviéticos. Aqui recorre já ao arsenal reaccionário, que tem muitas vezes defendido este ponto de vista. Esta comunicação pela terminologia usada, pelos preconceitos que manifesta fugiu ao espírito que até aí vinha prevalecendo, de estudo sereno e académico da realidade, para passar à pura construção e manipulação ideológica. Raquel Varela assenta toda a sua interpretação nos comunicados do PCP e nas entrevistas dos seus dirigentes, no entanto parte de um parti-pris tão grande contra aquele Partido que é incapaz de interpretar a realidade. Um só exemplo, na sua comunicação afirma que a burguesia contou com a colaboração do PCP no primeiro Governo Provisório do Spínola. Na sala estava um “capitão de Abril”, o Luz, de que não me recordo o primeiro nome, que no final esteve a falar comigo e que me contou o seguinte: quem quis que o PCP estivesse representado no primeiro Governo Provisório tinham sido os capitães, que achavam que o PCP era imprescindível, e que o Spínola tinha acedido porque considerava que era melhor ter o PCP ao pé de si do que longe. Ou seja, dizia este “capitão” Luz a “burguesia” era eu e os meus camaradas. Como por vezes a história tem meandros que são mais simples do que as grandes construções que sobre ela fazemos.
Depois seguiu-se a intervenção de um brasileiro, Valério Arcary, que também vem apresentar uma comunicação ao Congresso Marx e que falou com aquela descontracção própria dos brasileiros. Apesar de ser favorável à interpretação da oradora anterior, soube com grande subtileza pôr o problema noutros termos e com outra elevação, chegando mesmo a afirmar que a interveniente tinha que refazer algumas interpretações da sua tese.
No bloco seguinte e último, aquele que teve que ser a mata-cavalos, houve uma intervenção um pouco semelhante à de Raquel Varela, disseram-me que o orador era seu marido, mas agora virada para a posição do PCP sobre o Estado, principalmente sobre o livro de Álvaro Cunhal A Questão do Estado, a Questão Central de Cada Revolução. Pareceu-me também influenciada por um certo esquerdismo, mas dados os saltos que o autor teve que fazer para concluir a sua intervenção é um pouco difícil chegar àquela conclusão. Depois tivemos a já referida intervenção sobre os mineiros, que continuavam a ser mineiros sem trabalharem na mina. Com um relato bastante interessante sobre a diferença entre o ser mineiro no passado e o ser mineiro hoje, gente especializada na condução de máquinas, que se desloca de mina em mina, sem ter raízes em parte nenhuma.
Por último e a encerrar os trabalhos tivemos o ponto político de Ana Barradas, a companheira de Francisco Martins Rodrigues, que explanou as etapas do seu pensamento e que simultaneamente não deixou de traçar um panorama catastrófico do que tinha sido a história do movimento comunista e a situação da revolução mundial. O objectivo já não era apresentar uma comunicação académica mas formular preocupações políticas. Estou na maioria dos casos em desacordo com o que disse, mas considero-a mais como uma opinião política do que histórica.
Termino reconhecendo os méritos da iniciativa, mas achando que um debate destes tem que ser feito, com a participação de gente que ainda permanece comunistas, mas que já saiu do PCP, para nos contarem a sua história, com a colaboração de historiadores e investigadores académicos. Isto porque o PCP se recusa a fazer a sua história, como em Congresso ficou decidido.