30/07/2009

Um programa às direitas


Ontem foi apresentado com pompa e circunstância o programa do PS para governar Portugal nos próximos quatro anos. Não me vou referir às promessas, porque essas devem ter o mesmo destino que tiveram as anteriores, o caixote de lixo. Vou falar de política, tal como nos meus posts anteriores. Pois o tempo é dos confrontos políticos e da luta ideológica, não dos fait-divers.

A apresentação do programa de Governo teve, que me apercebesse pelas notícias dos media, dois protagonistas distintos, António Vitorino e José Sócrates, passando pela intervenção de uns independentes que só serviram para compor o ramalhete.
António Vitorino deu o tom. Segundo o Público o programa é ao centro, e deu exemplos, no entanto, o seu coordenador teve o cuidado de se referir que o “programa é da esquerda moderna e plural”. Quanto à esquerda moderna parece-me que estamos conversados, as opções neo-liberais tomadas desde o início pelo Governo Sócrates fazem pensar que em vez de ser moderna, é um regresso ao passado, à exploração do trabalho, sem regra nem princípios, veja-se a Lei Laboral anteriormente aprovada. Quanto a ser plural, não é por incluir nas listas um ex-bloquista, que se transformou em recém-convertido à "modernização" socratista, e uma realizadora e actriz de cinema, que passam a ser plurais. Do Manuel Alegre nem sombra, qual fantasma pairando sobre esta esquerda plural.
A António Vitorino foi também entregue o trabalho sujo de atacar a esquerda, à esquerda do PS, afirmando que existem “soluções à esquerda, mas que não passam pelo imobilismo, nem por modelos do passado, por muito pós-modernas que sejam as roupagens com que os querem vestir”. Só faltou voltar a afirmar que o PS não se mistura com os radicais e extremistas do Bloco e do PCP. As “soluções à esquerda” já nem passam pela aliança entre o PS-I, o de Sócrates, com o PS-II, o de Manuel Alegre, é de Sócrates consigo próprio.
A Sócrates foi atribuído o ataque à Dr.ª Manuela Ferreira Leite. Muita energia, muita “bota-abaixismo”, como gosta de dizer o nosso primeiro, muita crítica. Vamos a ver se em Setembro não tem que engolir tudo o que disse, a bem da estabilidade governativa, como quer o Cavaco e como os patrões anseiam, e formar um Governo de bloco central.
Mas para dar também o tom, Sócrates classificou o programa de “progressista”, empregando uma expressão que há tempos Miguel Urbano Rodrigues, a propósito de outro assunto, considerava mais apropriada do que de esquerda.
Estamos pois numa época das grandes piscadelas de olho à esquerda, mas à esquerda inócua, que não dá trabalho, não obriga a cumprir compromissos, nem vai exigir no Parlamento que estes se concretizem, daí a aliança que eu referi de Sócrates consigo próprio e, quando o país o exigir, com aqueles com quem sempre teve vocação de governar, os interesses instalados.
Quem ainda tentar descortinar qualquer solução à esquerda com este PS de Sócrates que se desengane. Os dados estão lançados. As rupturas que não se fizeram no devido tempo, não são agora, em época de apertos, que se vão fazer. Sócrates com muitos floreados de esquerda e com alguns, muito poucos, convertidos ao encanto do líder, irá continuar o seu caminho. E diga-se de passagem para quem perdeu as eleições europeias, está a reagir bem. O programa da outra esquerda será de fortalecer a alternativa, congregar os descontentes e propor soluções que não passem pelo passado.

29/07/2009

Planta girassóis e apanha berbigão no Cais Sodré


Esta foi uma das frases de “agitação e propaganda” que Santana Lopes usou contra José Sá Fernandes, que integra a lista de António Costa à Câmara de Lisboa, no debate televisivo que ontem teve honras de primeira página na SIC e na SIC Notícias (ver aqui). A outra, não menos significativa, foi também pronunciada por Santana Lopes: “essa caldeirada que o senhor leva nas suas listas”, referindo-se aos acordos que Costa estabeleceu com José Sá Fernandes e Helena Roseta, do Movimento de Cidadãos por Lisboa.
As televisões na ânsia de obter mais audiências e nada preocupadas, até valorizando a criação artificial de um clima de bipolarização, estão-se ensaiando para porem unicamente em confronto os dois partidos do centrão: PS e PSD. Assim já estão anunciados debates entre Sócrates e Manuela Ferreira Leite e, ontem, lá tivemos o confronto entre António Costa e Pedro Santana Lopes, quando se sabe que há mais dois candidatos à Câmara de Lisboa, com significativa expressão eleitoral, Luís Fazenda e Ruben de Carvalho.
Não me vou pronunciar sobre quem ganhou o debate. Isso competiu ao Luís Delgado, o amigo de Santana, que logo a seguir àquele garantia que Santana venceu Costa por 5 a 4, o que deu motivo para que a SIC afirmasse que os “comentadores” tinham dado a vitória a Santana.
Contudo, diria que Santana foi mais convincente dada imensa capacidade que tem para aldrabar e mentir com o ar mais angélico. Depois, teve um enorme êxito no ataque político ao Costa. Não só utilizando aquelas frases que eu referi no início, como foi capaz de mostrar as contradições dos diversos participantes na lista de Costa. Este facto sobressai, porque ainda não há um programa consistente desta lista, que obrigue cada uma das partes coligadas a ter posição comum sobre determinadas áreas que são fulcrais. Costa foi incapaz de atacar a salgalhada que também vai na lista do Santana e não defendeu o seu vereador Sá Fernandes, deixando-o isolado, a plantar girassóis.
Por estas e por outras é que se vê que compromissos à última da hora, feitos unicamente para tentar vencer a direita, sem princípios, nem programa, não são bons conselheiros para a esquerda.

Na continuação do duelo, a SIC Notícias organizou um daqueles debates com os comentadores do costume, todos do Bloco Central, prontos a dizerem isto e o seu contrário, mostrando sempre grande profundidade nas banalidades que vão debitando. Assim, Mário Bettencourt Resendes teve o desplante de dizer que Santana Lopes imagina a cidade com ideias largas, um homem que não tem qualquer ideia sobre o que é uma grande metrópole nos nossos dias, e que António Costa é o contabilista rigoroso, afirmação, que ainda está por provar, mas que contraposta às ideias largas de Santana Lopes, assassina qualquer candidato a presidente de uma junta de Freguesia, quanto mais a uma capital como Lisboa. Mas mais, sem estar ali ninguém que pudesse defender o Bloco de Esquerda, achou que os eleitores de Lisboa que votavam naquele partido o faziam por snobeira. Disparate e provocação que só podem vir de comentadores pagos à peça e que se alapardam ao comentário político em todos os media.

25/07/2009

Os amigos de Manuel Alegre, as nuances do discurso e compromissos e “esquerda grande”


Elaborei muito recentemente um texto em resposta a algumas controvérsias que atravessam a esquerda e que resultam de diferentes visões políticas para a sua acção. Porque penso que este debate é actual, e retirando do texto qualquer fulanização que pudesse existir, aqui vos deixo este post.

Quem é mais amigo de Manuel Alegre?
Ouvi na quinta-feira à noite a entrevista a Francisco Louçã a Judite de Sousa, na RTP 1, em que este falava de Manuel Alegre e fazia mais uma vez uma referência positiva à sua intervenção e às posições assumidas. Para um político que diz que pode fazer campanha a favor de um partido cuja prática seguida não se coaduna com o que quer o Bloco, é no fundo um pouco estranho que se lhe façam tão rasgados elogios. Por isso eu penso que o Bloco quer ser amigo de Manuel Alegre e conquistar a amizade deste.
Mas não é só o Bloco. A Associação Política Renovação Comunista vai lançar na segunda-feira, dia 27, às 18h00, na Associação 25 de Abril, o livro As Linhas de Mudança – Debate para a Alternativa e convidou para o seu lançamento e para intervir Manuel Alegre. Conhecendo as posições públicas de alguns renovadores de apoio a um dos participantes na pequena convergência conseguida para a Câmara de Lisboa, este convite tem um significado. Qual dos dois movimentos é mais amigo de Manuel Alegre? Mas não são só os dois citados, também a aproximação ente Helena Roseta e Costa se deve, segundo foi dito e escrito, a Manuel Alegre. Ou seja, este homem está em toda a parte, no discurso do Bloco, nos convites da Renovação, na aproximação de dois socialistas desavindos.
Isto só pode resultar ou de um discurso dúplice que está bem com todos ou no trabalho constante de aproximação de toda a esquerda. Acreditemos que seja esta última a razão destas recentes amizades políticas.

As nuances do discurso
Parece-me para mim claro que há quem à esquerda realce mais, no actual quadro da luta política, o problema da sua união contra o perigo da direita. Direita que desta vez, se governasse, fazia o pleno de um Governo, de um Presidente e até das principais câmaras do país. Nesse sentido têm sido feitos alguns discursos um pouco aterradores, chamando a atenção para o perigo que acarretaria o regresso da direita ao poder. Este é, podemos dizê-lo, o discurso mais antigo da esquerda, apelar à unidade contra os avanços da direita, que, no passado, era representada pelo fascismo.
Outros há que realçam mais a importância de que havendo uma maioria de esquerda essa esquerda se deve unir para formar Governo. Acham fundamental ter uns tantos ministros, que praticassem numa política de esquerda. Por isso, quando o Bloco acha que não deve ser muleta do PS, criticam-no severamente porque não apresenta um programa mínimo para que fosse possível haver convergência para governar. Chegam ao ponto de recorrer a uma metáfora, como a da construção da ponte da Arrábida, no Porto, para pôr em prática essa proposta. Ou seja, o Bloco construía um arco, o que partiu da margem esquerda do rio Douro, e esperava que o PS construísse o outro, o da direita, e que alguém pusesse o cimbre que os ligava (ver fotografia a ilustrar o que digo). Estes, sem subestimar o perigo da direita, dão particular relevo à governabilidade à esquerda, confiantes de que o PS viria a construir o arco em falta.
É evidente que a primeira hipótese pressupõe o apelo ao voto útil, apesar de haver alguns que dizem que, como a Assembleia da República é eleita pelo método de Hondt, não se justifica esse apelo. Ou seja, pareceria indiferente votar em qualquer partido da esquerda, já que o que interessava é que esta esteja em maioria. No entanto, há outros que não defendem isso, porque dizem que se o PS ficasse atrás do PSD, tal como sucedeu nas eleições europeias, Cavaco Silva chamaria o partido mais votado para formar Governo e a partir daí o caldo estaria entornado.
Na eleição para os executivos municipais, apesar de se utilizar o método de Hondt para distribuir os vereadores pelas diferentes forças políticas, a presidência vai sempre para o partido mais votado. Por isso, a táctica seguida por alguns lisboetas de esquerda foi apelar à convergência de esquerda contra o Santana, que não foi nomeado. Alguns ficaram muito satisfeitos com a pequena convergência conseguida entre Costa, Sá Fernandes e Helena Roseta. Aqui, é interessante, funcionou a primeira hipótese. Pois, que eu tivesse reparado, não se garantiu, apesar dos acordos aprovados, a eleição de vereadores para praticarem uma política de esquerda. Não se discutiu um programa mínimo conjunto que pudesse dar essa garantia. Acredita-se que Sá Fernandes e Helena Roseta cumpram esse desiderato.

Compromissos e “esquerda grande”
A primeira parte desta dicotomia já foi, de certo modo, discutida no ponto anterior. No entanto, gostaria de sublinhar outros aspectos. Alguns acham que é muito importante ter influência no Governo, ter alguns ministros favoráveis às políticas de esquerda e que para isso é necessário compromissos, acordos, propostas de programas mínimos, ou seja, propõem uma panóplia de processos que permitissem a esquerda e neste caso o Bloco, já que o PCP está fora de questão, poder apoiar e mesmo entrar para o Governo. Nesta constante crítica, não têm qualquer certeza se a outra parte, o PS, quer isso. A sua prática continuada não é essa. Mas eles insistem que se deve fazer mais um esforço. E pensam que dentro do PS há gente que, apoiada no exterior, era capaz de forçar essa possível convergência. Ou seja, o Bloco deveria orientar a sua estratégia em função de uma remota possibilidade de influenciar os elementos de esquerda no PS. Ainda agora o Manuel Alegre teve que constatar que nenhum dos seus elementos, quer do PS quer dos independentes, faz parte das listas apresentadas por aquele Partido para a Assembleia da República. A única vitória que conseguiu, e isso já satisfez muita gente, foi ter conseguido pôr Alberto Martins em primeiro, no Porto, em vez de Teixeira dos Santos, o ministro da economia.
Que nos propõe o Bloco e que para mim ficou claro na entrevista referida. Este partido, acha que não pode fazer cedências ao bloco central, que alternadamente tem governado Portugal. Mas se o PS for Governo e quiser aprovar medidas de esquerda, os votos de o Bloco nunca lhe faltarão e citou o exemplo do trabalho conjunto desenvolvido na luta pela legalização do aborto. Propôs uma esquerda grande que englobaria Manuel Alegre e os PS de esquerda que a quisessem engrossar e todos os independentes, que neste momento se encontram entre um e outro partido. No fundo, se bem percebo, propõem-se agregar uma esquerda que seja alternativa a este centrão que, segundo ele, nos desgoverna.
Alguns, um pouco na linha do PCP, mas de sentido contrário, dizem que estas propostas do Bloco são iguais às do PCP. Imobilistas e incapazes de forçar alianças à esquerda. O PCP diz quase a mesma coisa, por outras palavras, esta gente é louca, com Manuel Alegre e com a esquerda do PS não se vai lá, estão sempre prontos a trair e a regressar ao PS.
Ora bem, eu acredito nesta alternativa de esquerda grande, que está a romper o tradicional bloqueio em que o PCP e o PS tinham lançado a esquerda. É uma esquerda que está a engrossar e entrou em diálogo com quem achou que devia entrar. Não se meteu nos caminhos ínvios dos compromissos, das intrigas palacianas, na procura de quem é quem no PS, para mais uma vez falhar e não conseguir nada. É uma esperança, que como sempre pode sair completamente furada, tão furada como para aqueles que estão sempre à procura de sinais no PS.

20/07/2009

A governabilidade, a política de alianças à esquerda e o voto útil – II


No post anterior afirmei que a previsível, mas não garantida, subida da esquerda, à esquerda do PS, estava a alarmar a direita, tendo esta, por essa razão, recomeçado a defender alterações constitucionais para artificialmente obter a governbilidade do país.
Gostaria neste post de relançar um outro problema que atravessa toda a esquerda, qual fantasma que percorre a Europa (Marx dixit), que é o das alianças à esquerda.

Comecemos pela nossa história recente.
Como resultado do PREC formaram-se na sociedade portuguesa dois blocos políticos, um maioritário, chefiado por Mário Soares, e que agrupava o PS e toda a direita, outro bastante mais reduzido que englobava o PCP e a esquerda radical, mas que entre si não tinham qualquer unidade política.
Por esta razão, como eu já afirmei no post anterior, o PS sempre se recusou a fazer alianças à sua esquerda, ou seja, com o PCP, já que a outra não tinha expressão parlamentar. As suas propostas foram sempre de governar sozinho e quando não podia, fazia o “sacrifício” de governar coligado com o CDS ou o PSD. No fundo, Portugal reproduzia as clivagens da guerra-fria: os partidos da governabilidade, eram pró-americanos e os outros, ligados aos vários campos comunistas.
E quando alguém no PS se atrevia a sugerir alianças à sua esquerda lá vinha a ladainha que esses eram partidos anti-NATO, e depois, mais tarde, anti-União Europeia. Desaparecido o campo comunista, como o entendíamos antes da queda do Muro de Berlim, acabada, pelo menos em palavras, a guerra-fria, ainda hoje a direita com a cumplicidade do PS, continua a chamar aos partidos à esquerda dos socialistas, anti-NATO e anti-União Europeia e radicais e extremistas. Sobre isto já escrevi vários posts (ver aqui e aqui), que só vêm sublinhar o bloqueamento por parte do PS oficial de qualquer aliança com a sua esquerda. Neste aspecto, como noutros, a linguagem da guerra-fria continua a manter-se e o PS nada faz para que haja uma reversão destes factos.
Manuel Alegre nos seus recentes encontros com o Bloco de Esquerda e a Renovação Comunista, quer no Teatro da Trindade, quer na Aula Magna, pretendeu desbloquear esta situação, iniciando, e bem, uma diálogo com a sua esquerda. Houve de facto frutos, mas quanto a mim eles não são ainda transponíveis para estas eleições.

Como é que o PCP tentou, sem êxito, romper estes bloqueamentos que o PS e a direita lhe estavam a impor desde a instituição do Estado constitucional, saído do 25 de Abril?
Primeiro, tentando puxar o PS para a sua área. Na altura, falava muito em partidos democráticos, em oposição aos não democráticos, que seriam o PSD e CDS. Esta linguagem ainda teve algum curso, e irritou particularmente aqueles partidos, hoje está completamente fora de uso. Depois, evita defrontar em conjunto o bloco PS, mais a direita. Por exemplo, na primeira eleição de Ramalho Eanes, em 1976, para Presidente da República, não apoia qualquer candidato “unitário”, como na altura foi sugerido pelo MDP, que queria Costa Gomes, e sacrifica o seu dirigente Octávio Pato. Por razões mais tarde compreensíveis, foge, como Diabo da Cruz, de se juntar a Otelo, que era o candidato da esquerda radical nessas eleições.
Em seguida é a questão, já abordada num post anterior, dos cartazes a falar da eleição de uma maioria de esquerda para a Assembleia da República e a sua posterior transformação de maioria numérica em política. Por último, é a operação PRD, que visa enfraquecer o PS e encontrar à sua direita um possível aliado. Essa operação culmina com o apoio a Salgado Zenha, contra Lurdes Pintassilgo, Mário Soares e Freitas do Amaral, nas eleições para Presidente da República de 1986. Tudo isto saiu furado e teve-se que ir à última da hora votar em Mário Soares. Hoje tenho dúvidas se não se devia ter apoiado Lurdes Pintassilgo. Os “esquerdistas” diriam que o PCP, na hora da verdade, preferiu sempre alianças à sua direita do que à sua esquerda.
Depois foi “a apagada e vil tristeza” dos últimos anos em que a perspectiva unitária se transformou em fazer aliança consigo mesmo, ou seja, com os Verdes e a Intervenção Democrática.

Quanto à política de alianças do Bloco – partido recente, apesar da sua origem na esquerda radical, com a qual cortou –, já escrevi um longo texto sobre esse assunto, a propósito da intervenção do Louçã na sua IV Convenção. Aí falava da sua proposta para uma esquerda grande e que esta seria “anti-capitalista, porque só pode ser socialista”, em ruptura com a actual prática “terceira-via” do socialismo dito democrático e reformista, ou de centro-esquerda. Ou então, da defesa que fez de uma convergência de esquerda que não deve ter pressa, ou seja, que só se poderá concretizar para depois destas eleições, já que naquele momento nada garantia que Manuel Alegre se afastasse do seu partido e formasse um novo.

Deste longo arrazoado fácil é de concluir que, neste momento, não são previsíveis alianças à esquerda. Sem querer pretender ser moralista, é razoável concluir que o PS é quanto a mim o principal culpado. Poderíamos dizer, como agora é vulgar afirmar, que está no seu código genético a pulsão para ser um fiel reprodutor entre nós, primeiro, das práticas atlantistas de não se coligar com comunistas. Segundo, como defensor do chamado socialismo reformista, e seguindo as directivas da terceira-via, enfileirar no apoio ao neo-liberalismo triunfante e ao chamado reformismo, que não passa de repor a ordem estabelecida antes da instalação do estado de bem-estar social. Hoje, com a crise e a retoma do papel do Estado e com vista a piscar o olho à esquerda, vem contrapor um maior intervencionismo estatal, contra uma Manuela Ferreira Leite ainda sem saber que programa e que princípios há-de defender, se os de Pedro Passos Coelho da privatização da Caixa Geral de Depósitos, se os de rasgar todas as medidas de cárter social ou então deixar tudo como dantes.
Este é o PS que temos, com quatro anos de um longo Governo responsável por medidas bem gravosas contra os trabalhadores, como o Código de Trabalho ou o ataque aos professores, fechando as portas a qualquer saída possível, ou ainda por todas as pequenas injustiças e trapalhadas na administração pública. Um primeiro-ministro autista e arrogante, que depois de entradas de leão, muito apreciadas por quem gosta de pulso forte para governar o povo, se transforma num empecilho, mesmo para aqueles que tanto apreciavam o seu estilo.
Quanto às outras esquerdas estão na retranca: o PCP, a garantir a sua sobrevivência, e o Bloco pensando que ainda não está chegado o momento de fazer a convergência de esquerda, e provavelmente terá razão, pois com este PS e o seu Governo não é possível qualquer entendimento.
Nesse sentido, todos aqueles que neste momento apelam ao voto útil no PS, pois não há outro, para combater a direita e a sua actual versão, que pode acabar num Governo e num Presidente, estão a dar um voto em branco a Sócrates, não percebendo que com ele a esquerda não irá a lado nenhum.
Este tem sido sempre o dilema da esquerda, que é votar útil naqueles que miticamente se consideram de esquerda, e depois ficar desiludida porque o seu voto não serviu para nada a não ser para prolongar a vida daqueles que nunca cumpriram as promessas feitas.
Que cada homem e mulher vote em quem em sua consciência pensa que na esquerda melhor defende os seus interesses. Eu por mim votarei no Bloco.


Resta o problema bem real, mas se não houver maiorias absolutas de nenhum dos lados, que fazer? Em post posterior tentarei responder a essa pergunta

19/07/2009

A governabilidade, a política de alianças à esquerda e o voto útil – I


O Expresso este fim-de-semana desenvolve uma série de cenários sobre aquilo que pode acontecer depois das eleições de 27 de Setembro. Põe mesmo o título: Guia para sobreviver no caos pós-eleitoral. Já se sabe que estamos perante uma antevisão que é típica da especulação jornalística e pouco reflectida deste tipo de imprensa. No entanto, há duas coisas que desde logo convém realçar, por um lado é o título perfeitamente aterrador do artigo e depois são a descrição das propostas que vários comentadores da direita e o representante do patronato andam a fazer para reforçar os poderes do Presidente da República. Catroga na entrevista que dá ao Diário Económico, e que eu já referi em post anterior, chega mesmo a afirmar: “os poderes do Presidente da República deveriam ser revistos se os partidos provocarem instabilidade política permanente”.
No mesmo sentido vão as declarações de Francisco Van Zeller, o patrão dos patrões, e de Medina Carreira, que, segundo diz o Expresso, foi o primeiro a pregar esta solução.
Qual é o significado de tudo isto? Eu diria que não estamos perante um facto novo, desde que o regime constitucional saído da Revolução de Abril foi implantado em Portugal que o cenário da ingovernabilidade e da necessidade de se fazer alterações constitucionais para a assegurar tem sido periodicamente acenado. E porquê?
Se estão recordados as primeiras eleições para a Assembleia da República quase que distribuíam os votos igualmente pelos quatro partidos então existentes: começando da direita para a esquerda: CDS (15,98%), PPD/PSD (24,35%), PS (34,89%) e PCP (14,39%). Por isso, se um deles se aliasse com outro facilmente poderia fazer uma maioria absoluta para governar. Ora como o PS se recusava a governar com o PCP, as maiorias só poderiam ser entre os outros três partidos e foi o que se verificou. Assim, depois de um fracassado Governo minoritário do PS, tivemos uma aliança PS/CDS, a seguir frágeis governos de iniciativa presidencial, e depois PSD/CDS (a Aliança Democrática) e por último o bloco central PS/PSD. Foi então que a criação do PRD, de Ramalho Eanes, veio provocar um relativo abalo nestas combinações a três. Não só porque inflige uma extraordinária derrota ao PS (fica nessas eleições – 1985 - com 20,77%), como começa a fazer descer o PCP, para níveis que posteriormente roçariam a irrelevância (em 2002 chega aos 6,94%), e permite o PSD começar a governar sozinho, primeiro com um Governo minoritário e depois com duas maiorias absolutas. O CDS a partir dos Governos de Cavaco começa descer significativamente chegando em 1991, na segunda maioria absoluta do PSD, a ter 4,43%. A partir daí começa a consolidar-se a ideia de que era possível uma alternância, o rotativismo do tempo da Monarquia, entre PS e PSD, este por uma vez coligado com o CDS. O PCP começava de certo modo a ser descartável.
Esta longa história, que eu aqui resumo, visa unicamente chamar-vos a atenção para que durante estes anos o regime foi sempre encontrando soluções que impedissem uniões à esquerda, mas ameaçando sempre que poderia recorrer a soluções mais radicais, que lhe permitissem artificialmente obter o rotativismo sem qualquer sobressalto.
Assim, foi durante os anos 80 a propaganda a favor da bipolarização, com comentadores e fortes meios de comunicação a martelar que a alternância era entre o PS e o PSD, que só estes é que podiam governar. A verdade é que durante o consulado de Cavaco o CDS quase desaparece e o PCP vai inexoravelmente definhando.
Para completar esta propaganda acenava-se com as alterações da lei eleitoral. Ele era a redução do número de deputados, o que tornaria irrelevantes os pequenos partidos. Ele era a ligação do eleito ao eleitor, moscambilha que só serviria para tentar diminuir ou forçar por métodos administrativos a diminuição da proporcionalidade e por último Jorge Sampaio, em dia de azar, a propor a alteração da lei eleitoral de modo a obter-se maiorias absolutas com poucos votos. Lembro-me de Pacheco Pereira a aplaudir esta proposta.
Agora, com a subida exponencial dos partidos à esquerda do PS, Bloco e PCP, vem novamente ao de cima uma qualquer solução para os impedir de ter acesso ao Governo. Pede-se por isso o reforço do papel do Presidente da República, já que a direita tem nesse órgão um amigo. Mas, como já aqui escrevi, é também o ressurgir de uma proposta que andou sempre em cima da mesa, a das moções de censura construtivas, de modo a impedir alianças espúrias no Parlamento para deitarem abaixo o Governo.
No fundo, o relato desta história recente de Portugal tem como objectivo mostrar que a democracia é muito bonita enquanto o poder se distribui por entre os “amigos”, quando há perigo de alguém estranho “ao compadrio” poder entrar, eis que temos que fazer tudo para que isso não suceda. Já em post anterior escrevi sobre isto e recordo até um Expresso da Meia Noite, da SIC Notícias, em que as senhoras bem pensantes do centrão, Maria João Avilez e Teresa de Sousa, se horrorizaram quando Alfredo Barroso falou da hipótese de o PS discutir com a sua esquerda a questão das alianças.
Ou seja, a vida política portuguesa ganhou um novo alento com a subida eleitoral do Bloco de Esquerda e do PCP. Os famosos 20% assustam muita gente e põe toda a direita em polvorosa, não vá por qualquer razão imponderável o PS, trair o seu compromisso de não trazer a sua esquerda para a área do Governo.

Concluindo, está hoje em cima da mesa a possibilidade de a esquerda, à esquerda do PS, poder obter aquilo que nunca foi capaz de ter (a votação mais alta do PCP em legislativas foi 18,80%, em 1979): uma votação acima dos 20%. Esse facto assusta a direita e obriga o PS a ter que reflectir sobre esta situação, não podendo assobiar para o lado, quando há aquela percentagem de votantes à sua esquerda. No próximo artigo desenvolverei este tema.
PS. (20/07/09): Estive hoje a ler um texto que escrevi em Maio, e que indiquei na segunda parte deste artigo, que refere uma outra proposta da direita para forçar a governabilidade, foi a de um novo bloco central (PS-PSD). Já me tinha esquecido desta, dada a rapidez com que entrou e saiu do debate político. É interessante que foi defendida pelo patronato, que pelos vistos anda a atirar barro à parede, e por Martim Avillez Figueiredo, director do novo jornal i. Já se percebeu que todos os dias há propostas novas, tem é que se forçar o PS a não fazer alianças à sua esquerda.

18/07/2009

Contra o totalitarismo marchar, marchar


Hoje já passaram de moda, no entanto, ontem as declarações de Alberto João encheram os meios de comunicação social e foram matéria opinativa por tudo quanto é sítio.
Eu não fujo à corrente, mas gostaria de acrescentar um pouco mais.
Parece que o texto da polémica, e que acompanha a proposta de revisão constitucional a ser discutida no Parlamento da Madeira, é este: a democracia não deve tolerar comportamentos e ideologias autoritárias e totalitárias, não apenas de direita, caso do fascismo, esta expressamente prevista no texto constitucional em vigor, como igualmente de esquerda, caso do comunismo. Ao fim da tarde, já no Continente, Alberto João teria dito: o "ideal" seria a Constituição Portuguesa não proibir ideologias mas, já que proíbe a ideologia totalitária de direita, que proíba também a de esquerda. Acrescentando de seguida para a RTP: na maior parte dos países europeus, o PCP já nem sequer é eleito para os parlamentos. É uma peça de museu. Só neste país absurdo que por enquanto se chama Portugal é que as forças comunistas somadas – o Bloco de Esquerda e o PCP – têm mais de 20 por cento dos votos. Há aqui qualquer coisa que não está funcionando bem.
Fica para mim claro que estas declarações não constituem uma brincadeira, uma boutade, do líder madeirense. Nem são para desvalorizar, no sentido em que, como ele é um irresponsável e diz o que lhe vem à cabeça, não interessa o conteúdo das mesmas. Quanto a mim o objectivo é claro, como sempre embaraçar a direcção do PSD, que incapaz de o criticar, fica portanto à sua mercê e por outro, e esse é o aspecto mais importante, passar ao ataque contra os partidos que ele considera extremistas, obrigando os meios de comunicação social a discutirem se são ou não democráticos e depois pôr o PS à defesa, para não se confundir, nem contar com eles na formação de Governo.
A confirmar esta minha interpretação gostaria de vos citar primeiro um editorial do Diário de Notícias: Político sagaz, Jardim sabe que essa proposta introduz no debate político outra questão: a tentativa de influenciar, pressionando a esquerda (as esquerdas), dando vantagem a um lado contra o outro ao colocar o tema na agenda mediática e política. A proposta do líder madeirense não é ingénua, nem obedece apenas ao fervor democrático do seu autor. Como toda a proposta política tem um verso e um reverso. É o caso desta. Percebe-se o que quer Alberto João.
Mas na sua linha e tomando-lhe as palavras a sério alguns comentadores passaram ao ataque aos partidos “extremistas”. Do boçal e ultra-reaccionário João Pereira Coutinho temos na sua coluna de opinião no Correio da Manhã esta "bela" prosa: Primeiro: a Constituição faz muito bem em proibir partidos fascistas. Segundo: a Constituição faria muito bem em proibir partidos comunistas. Precisamente em nome da “democracia” e da “liberdade”. Ao contrário do que se pensa, a “democracia” e a “liberdade” só existem quando os actores políticos estão dispostos a respeitar esses valores sem o desejo programático de os liquidar. Aceitar ideologias totalitárias em nome da “democracia” e da “liberdade” é como aceitar a raposa no interior do galinheiro. Este finório não queria mais nada, era a proibição dos partidos comunistas.
Mas igualmente Lobo Xavier na Quadratura do Círculo, da SIC Notícias, afirma: a iniciativa de Alberto João Jardim é oportuna e chama a atenção para o núcleo essencial das propostas de alguns partidos de esquerda que, de facto, andam disfarçadas no momento presente.
Fica claro, depois destas prolongadas citações, que estamos à moda de Jardim a passar à ofensiva contra a esquerda do PS, que hoje, ao atingir cerca de 20% de votos, começa a assustar a direita.
Esta noite, no Expresso da Meia Noite, da SIC Notícias houve um debate em que pontificou Eduardo Catroga, antigo ministro da economia de Cavaco, que tinha defendido esta semana que se devia reforçar os poderes do Presidente, dado que o país caminhava para a fragmentação partidária e o PS não iria fazer alianças à sua esquerda com partidos que Catroga classificava como anti-economia de mercado, anti-NATO e anti-União Europeia. Os seus opositores, todos pertencentes ao bloco central, nunca foram capazes de dizer que era possível alianças à esquerda, mas sim que não valia a pena reforçar os poderes do Presidente, porque ele já os tinha suficientes, mas que se podia rever a Constituição de modo a tornar mais fácil a vida de Governos minoritários.
A direita, com a cumplicidade do Partido Socialista, está mais uma vez a arranjar estratagemas para inviabilizar quaisquer alianças à esquerda. Dantes era defesa da bipolarização, depois foram as propostas para alteração das leis eleitorais para assegurar facilmente a obtenção de maiorias absolutas, agora, pela voz de um dos intervenientes, é a moção de confiança construtiva, que obriga a que não se deite abaixo um Governo sem propor outro.

Não queria deixar de abordar neste tema, e fá-lo-ei pela rama, o problema concreto que põe Jardim que é a introdução na Constituição da condenação dos totalitarismos, em vez especificamente do fascismo. Isto levaria a uma grande história, que eu, para abreviar, resumiria na aprovação recente numa reunião da Assembleia Parlamentar da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), presidida pelo socialista português João Soares, da Declaração de Vilnius, que poderão encontrar aqui e que não andará muito longe do que quer o Alberto João. As suas propostas mereceram a indignação da nossa inteligência, mas que noutras circunstâncias e contextos são por ela toleradas, pois foge-lhe sempre uma perninha para o anti-comunismo, mesmo que ele nada tenha a ver com as práticas actuais do PCP ou mesmo com as estalinistas.

17/07/2009

A grande coligação de esquerda: Manuel Alegre/PS


Saiu hoje no Sol esta declaração espantosa de Manuel Alegre “Se foi possível em Lisboa será possível em todo o país” e depois acrescenta o “entendimento à esquerda na Câmara de Lisboa devia ser um exemplo para todo o país, evitando o risco de um triunfo da direita”.
Já num post, que tinha escrito em Março, relatava que António Costa falava de uma coligação entre o PS oficial e Manuel Alegre. Pacheco Pereira respondeu-lhe no Público com um artigo denominado Uma coligação do PS-1 (Sócrates) com um PS-2 (Alegre). Simplesmente o tempo passava e não se via nada. Manuel Alegre recusa ir nas listas do PS e escreve um artigo para o Expresso, É urgente acordar . De facto, era um bom começo para um distanciamento em relação ao PS oficial. Tirava o tapete a alguns dos seus arautos que achavam que perante a ameaça da direita tudo se devia fazer, inclusive votar útil no PS, para que aquela não tivesse uma maioria, um presidente e até as principais Câmaras do País (Lisboa e Porto).
Eis que no lançamento da OPS! Manuel Alegre afirma que estaria disposto até a colar cartazes para que o PS derrotasse a direita. Hoje, no Sol, leio isto. Como a única coligação que vejo em Lisboa, e que foi apadrinhada por Manuel Alegre, é entre Costa e Helena Roseta, seu braço armado para a cidade e antiga militante socialista, concluo que a coligação que o Manuel Alegre deseja para o país é entre ele e o Sócrates, garantindo provavelmente alguns lugares nas listas para os seus amigos, já que ele se reserva para voos mais altos, como sejam as presidenciais.
Hoje começa a ficar claro que a ambição de Alegre é ser Presidente da República, o que não lhe fica mal, e que a estratégia unitária desenvolvida no teatro da Trindade e na Aula Magna não servia para outra coisa do que lhe dar importância política, valorizar as suas hostes e poder negociar com o PS oficial em posição de força. Andou muita gente enganada a acalentar esperanças que de facto não se concretizaram. A vida é assim, mas cá estaremos para depois de 11 de Outubro vermos como tudo isto vai evoluir.

16/07/2009

Segundas reflexões melancólicas sobre a política à portuguesa


Em dois dias, grandes desenvolvimentos se verificaram no nosso panorama político.
Helena Roseta e o seu movimento de cidadãos fizeram um acordo com António Costa para ser ela a número dois nas listas do PS à Câmara de Lisboa e conseguir ainda incluir, em área elegível, o Prof. Nunes da Silva, especialista em transportes.
Helena Roseta tinha dito, quando o Sá Fernandes e o Bloco de Esquerda fizeram um acordo com o Costa, "agora já se sabe para que serve o Zé", acabaram os dois na mesma lista. O Nunes da Silva no célebre debate no Prós e Contras sobre os contentores de Alcântara, atacou o Zé forte e feio, dizendo que antes era o Zé agora era o Sr. Vereador, pelos vistos parece que vão também aparecer na mesma lista.
São estes factos que descredibilizam a política, permitindo que os eleitores não acreditem nos seus eleitos.
E não se diga que se fez este sacrifício pela unidade de esquerda, ou pela possibilidade de cumprir o seu programa, quando ainda há bem pouco tempo essa possibilidade era recusada.
Simplesmente, nas primeiras sondagens, Helena Roseta aparecia atrás do Costa, mas à frente do Bloco e do PCP. Estava muito bem lançada para obter os mesmos dois vereadores que tinha alcançado nas eleições de 2007. Já nas últimas aparecia em último lugar, com possibilidades dela própria não ser eleita. Depois teríamos uma longa campanha de Verão, em que só se falaria de legislativas e o movimento dela não apareceria na televisão. Tinha 15 dias, entre 27 de Setembro e 11 de Outubro, para se fazer lembrada aos cidadãos de Lisboa. Assim, o melhor é fazer uma aliança e dizer que os outros, os da esquerda radical, é que não quiseram.

Ontem manifestei uma particular paixão por um artigo de Manuel Alegre sobre o PS de Sócrates. Acreditei pela resposta de António Vitorino que afinal eles estavam mesmo zangados e que o Manuel Alegre, ao contrário de muitos outros, não alinhava na versão português suave de apoiar Sócrates para não deixar a direita tomar o poder.
Hoje li nos media que Manuel Alegre estaria até disposto a ir colar cartazes para que o PS vencesse e a direita não cumprisse seu ideal: uma maioria e um presidente.
Afinal aquilo que eu antevi em Março que poderia acontecer: “acabar tudo com Manuel Alegre e Sócrates nos comícios eleitorais a darem vivas ao PS”, pode-se transformar, numa versão mais esforçada, com o Secretário-geral mais o Manuel Alegre a colarem cartazes no Largo do Rato, para impedirem a chegada de Manuela Ferreira Leite ao poder.
Estamos pois numa época de grande instabilidade e aquilo que foi verdade há uns tempos poderá rapidamente transformar-se no seu contrário. É preciso ter uma linha bem definida para não soçobrar às primeiras incongruências.

13/07/2009

Algumas reflexões melancólicas sobre os últimos desenvolvimentos da política à portuguesa


Desde que escrevi o último post sobre o ponto final na Convergência para Lisboa que algumas coisas se têm vindo a modificar na política portuguesa e, um pouco em jeito impressivo, gostaria de partilhar convosco algumas das minhas preocupações.

Realizou-se na semana passada um almoço que juntou antigos apoiantes de Sá Fernandes e que deram conhecimento à cidade que tinham criado uma associação, Lisboa é muita gente, para concorrer à Câmara da capital. Sá Fernandes chegou mesmo a apelar a uma convergência de esquerda, dizendo que iria reunir-se com António Costa para ultimarem a realização de um acordo. Domingo esse acordo é assinado num dos miradouros mais bonitos da cidade, o da Graça.
Andou um conjunto de lisboetas a recolher assinaturas para um apelo a uma convergência de esquerda e eis que tudo acaba com Sá Fernandes a apossar-se desse desejo e a convergir com Costa. Desde que o Bloco lhe retirou a confiança já pressentíamos que era isso que iria acontecer, só não sabíamos como. Ficámos a saber.
Quando o apelo à Convergência de Esquerda foi lançado, Jorge Sampaio tornou público o seu apoio, apesar de não o assinar. Falou-se igualmente em José Saramago, mas este encontrava-se hospitalizado e ninguém poderia jurar que da sua boca ou da sua pena tinha saído qualquer recomendação nesse sentido. Houve uma notícia num jornal e foi a partir daí que se começou a dizer que o mesmo era igualmente apadrinhado pelo Saramago. Parece que houve um desmentido do PCP a dizer que não era verdade.
Posteriormente, veio a público uma declaração de Saramago a afirmar a sua concordância com o apelo e hoje sabemos claramente que apoia António Costa. Carlos do Carmo, mais explícito, assinou o apelo à convergência, apareceu mesmo na sua sessão de enceramento. Hoje é o mandatário de António Costa.
Vim a saber que vai igualmente ser activado, a partir de alguns dos peticionários da convergência, um novo apelo denominado CLAC – Cidadãos Lisboetas Apoiam António Costa.
Fiquei com a sensação depois de tudo isto que o apelo já continha no seu bojo um claro encaminhamento para o apoio ao Costa. Sinto algum desconforto na figura que eu e outros andámos a fazer nisto tudo. Paciência, temos que aprender.

Fui dos mais entusiastas apoiantes das Sessões que se realizaram quer no Teatro da Trindade, quer na Aula Magna e juntaram o Bloco de Esquerda e Manuel Alegre. Na primeira, a Renovação Comunista participou como uma das suas promotoras, na segunda, apesar dos seus principais dirigentes estarem quase todos presentes, não juro que tivesse obtido o realce que teve na anterior.
Eu próprio fui escrevendo vários textos em que enaltecia o papel de Manuel Alegre e previa uma possível alteração na correlação de forças partidária, reforçada por esta junção de esforços entre a esquerda do PS e o Bloco, com a participação de independentes. Foi inclusive, na sequência da reunião do Trindade que me zanguei com o meu amigo Fernando Redondo, do DoteCome, tendo até abandonado a colaboração no seu blog. Podemos dizer que levei demasiado a sério as perspectivas de unidade que aqueles encontros poderiam proporcionar.
Em Março, depois de alguns episódios a que chamei a novela Manuel Alegre, faço um aviso à navegação para que não “acaba tudo com Manuel Alegre e Sócrates nos comícios eleitorais a darem vivas ao PS”. Parece que pelo menos esse perigo já foi ultrapassado. Com o seu recente artigo, É urgente acordar, Manuel Alegre consegue, até com alguma clareza, distanciar-se do PS oficial e do seu Secretário-geral. A crítica é certeira e tira o tapete àqueles que a pretexto de vem aí a direita se preparam para que se volte ao círculo vicioso ou nós, o PS de Sócrates, ou a Manuela Ferreira Leite, com a figura do Cavaco a agigantar-se por detrás. Esta alternativa com que o PS já nos começou a matraquear a cabeça, tem que ser quebrada e este artigo de Manuel Alegre, a exigir mudanças profundas no PS, não desmerece dos encontros que ao longo do ano se foram tendo com ele. Espero não deitar foguetes antes do tempo. No entanto, hoje António Vitorino, no comentário político que tem na RTP I, Notas Soltas, considerou tão inoportuno aquele artigo, que me deu alguma esperança da sua real utilidade.

03/07/2009

Ponto final no Apelo à Convergência de Esquerda nas Eleições para Lisboa


Realizou-se no passado dia 29, no Hotel Roma, uma conferência de imprensa em que os peticionários, ou seja, os subscritores do Apelo à Convergência de Esquerda nas Eleições para Lisboa prestavam contas aos lisboetas e à comunicação social das diligências desenvolvidas. De todos os contactos efectuados “cumpre-nos informar com verdade a cidade de que, chegados à passada 5ª feira, 25 de Junho, acabaram por não ter resultado as inúmeras diligências efectuadas.”
Sendo esta uma das conclusões do comunicado final dos peticionários, gostaria pela minha parte, que também fui um dos ssubscritores do apelo e por duas vezes comentei neste blog (ver aqui e aqui ) este assunto, de fazer algumas considerações sobre o mesmo.
Como eu afirmei por diversas vezes há entre a esquerda portuguesa uma clara pulsão unitária, que tem origem principalmente na luta antifascista e que se manteve ao longo dos anos, alimentada mais pelo PCP do que pelo PS, e que encontrou nos recentes eventos que tiveram lugar no Teatro da Trindade e na Aula Magna uma expressão significativa. O encontro da esquerda do PS, corporizada pelo Manuel Alegre, do Bloco de Esquerda e da Renovação Comunista trouxe para a praça pública o renovado desejo de um diálogo à esquerda.
Nesse sentido, a Renovação Comunista tentando expressar este desejo empreendeu alguns contactos, primeiro com vista a uma possível saída de esquerda para as eleições legislativas que se avizinham e depois, goradas aqueles, iniciou movimentações para a Câmara de Lisboa, porque lhe pareceu que era o local onde melhor se poderia corporizar aquela união.
Por isso redigiu um apelo e submeteu-o a um conjunto de personalidades independentes ou que num ou noutro caso têm aparecido ligadas a alguns dos partidos da esquerda.
Quando aquele apelo surgiu já praticamente o quadro das diferentes candidaturas à Câmara estava traçado. Sabia-se que António Costa, pelo PS, queria continuar e que o Bloco e o PCP (vulgo CDU) iriam apresentar candidaturas próprias e que Helena Roseta manteria o seu movimento de cidadãos. Ou seja, a esquerda aparecia completamente desunida, “cada um por si e fé em Deus”. Foi contra isto que este movimento arrancou, primeiro com duzentas assinaturas e depois na Internet, aberto a quem o quisesse assinar. Quer o Bloco quer o PCP manifestaram desde logo, com justificações diferentes, que eu já assinalei num dos post referidos, a sua indisponibilidade para alianças. António Costa, sem nunca ter tido um gesto público significativo em relação à convergência foi alimentando nas conversas com os peticionários essa possibilidade.
Restava aos peticionários, principalmente ao seu núcleo organizado, que incluía alguns elementos da Renovação Comunistas, mas também independentes que prontamente se quiseram juntar, prestar contas dos resultados e da acção empreendida, foi isso que foi feito no dia 29 de Julho.
É evidente que diferentes eram os motivos para que várias pessoas, oriundas de diversas áreas políticas de esquerda, se tivessem juntado com o mesmo objectivo.
Da minha parte, devo reconhecer que foi para mim irresistível o apelo à unidade de esquerda. A minha formação ao longo dos anos sempre teve em conta este desejo, e sempre mitifiquei, provavelmente, pelas boas razões, as épocas históricas em que ele foi conseguido. Nesse sentido assinei o referido apelo.
Reconheço, no entanto, que o mesmo poderia, dada a aceitação em palavras, não sei se em actos, de António Costa, servir para apoiar a sua candidatura, favorecendo aquilo em que o PS é mestre em momentos de aperto: fazer o apelo ao voto útil.
Sei que alguns dos peticionários tinham claramente essa intenção, no entanto, conseguiu-se fazer um esforço, não extravasando as claras competências que nos tinham sido atribuídas, para que esse facto nunca transparecesse claramente.
A não existência de acordo e a possibilidade real de Santana Lopes e a direita ganharem a Câmara levou a algum dos peticionários a classificarem a não existência de coligação como "uma tragédia patética" e "quem não entrar em acordo é um traidor para o povo lisboeta" (Pílar del Rio, mulher de José Saramago, Diário de Notícias, de 30/06/09).
Acredito piamente que este seja o pensar de muitos dos peticionários. Que a presença de Santana Lopes na Câmara seja uma tragédia para eles. Mas tenho que reconhecer, que sendo verdade este facto, não podemos, por outro lado, deixarmo-nos cair na tentação de que o voto útil é que é a solução ou então que a estratégia dos partidos se deve submeter a uma lógica local, esquecendo que uma das partes, o PS, nem nacionalmente se portou para merecer o nosso apoio, nem mesmo a sua face visível na Câmara deu motivos para que nele confiássemos. Provavelmente a longo prazo os eleitores que acreditam nos valores e na clareza das atitudes não compreenderiam que em nome de uma possível vitória local sacrificássemos algumas estratégias nacionais ou avalizássemos a postura de quem sempre demonstrou um grande desprezo pelos “extremistas” de esquerda. Há nestes casos que avaliar entre um legítimo anseio de unidade e a queda irremediável para o oportunismo e o laxismo.

Ministro leva demasiado a sério debate na AR

Já referi que na minha experiência na Assembleia Municipal de Lisboa, quando menos se espera, os deputados municipais do PS e do PSD começam a insultar-se sem ninguém perceber a razão, nem a causa. Entram numa espiral de violência verbal que na maioria dos casos deveria acabar à chapada, ou com zangas para toda a vida. E, como já tenho dito, não é que os encontro nos corredores em alegre cavaqueira.
Na Assembleia da República deve-se passar o mesmo, simplesmente o primeiro-ministro ao estabelecer um estilo sobranceiro e arrogante, respondendo sempre em tom malcriado e arruaceiro, permitiu que os seus ministros, incapazes de assumirem aquilo que para José Sócrates é encenação e propósito deliberado de humilhar e enfraquecer os seus adversários, se convençam que podem actuar do mesmo modo, incapazes que estão de distinguir a linha que separa os comportamentos inqualificáveis dos de animal feroz, que pretende paralisar os adversários. Manuel Pinho deixou-se arrastar por este clima e a uns apartes do Bernardino Soares, do PCP, achou que tinha autorização do seu chefe para lhe responder malcriadamente. Excedeu-se e deu-se ao desfrute de todo o país. Para a próxima, que provavelmente já não haverá, terá que compreender que aquele estilo é uma encenação para televisão e eleitores verem e não para ser levado a sério.

01/07/2009

Quebrar o Círculo Vicioso


A história da classe e do movimento operário em Portugal tem algumas originalidades de que a esquerda moderna ainda é um pouco devedora. Nesse sentido qualquer análise da situação da nossa esquerda e das suas perspectivas futuras tem que ter em conta a o seu passado e a especificidades que lhe são próprias. Comecemos pois pelo princípio.

I – O PS
Como se sabe o PCP não teve origem em qualquer dissidência do socialismo português mas sim no movimento anarco-sindicalista. Este facto só vem provar que nunca os socialistas tiveram qualquer influência visível na história da nossa classe operária. Tirando alguns próceres que no século XIX tentaram introduzir mais as ideias do Proudhon do que as de Marx em Portugal e deram origem ao socialismo português, aquilo que sobrou desta organização depois da República e do advento do fascismo foi um Ramada Curto, seu antigo secretário-geral, a apelar, no fim da vida, à defesa das colónias portuguesas.
Bem podem hoje alguns historiadores com boa vontade descobrir a participação socialista no 18 de Janeiro de 1934, a greve geral contra a fasciszação dos sindicatos, que dificilmente encontrarão referências sólidas a essa intervenção. Nesse sentido, quando em 1973 se funda novamente o Partido Socialista português este é mais devedor das novas ideias que percorriam o socialismo europeu na época do que de qualquer passado histórico relacionado com a luta da nossa classe operária. Estou-me a recordar do António Reis, hoje Grão-Mestre da Maçonaria, a propor em 1974 como programa político do PS a adopção do “reformismo-revolucionário” então defendido por um sociólogo francês, André Groz.
Por outro lado, e não de forma despicienda, este partido herda a velha ideologia republicana e oposicionista, com algum vocação maçónica e jacobina.
Mas a carta de alforria ganha-a durante o PREC, depois de vencida em Congresso a sua ala esquerda, representada por Manuel Serra. Foi no anti-comunismo, ou como o PS gosta de dizer na luta contra o anarco-populismo, que o PS se destacou, ganhou apoios e gratidão na direita nacional e conquistou a admiração da social-democracia internacional mais ligada a um dos lados da guerra-fria. Para aqueles que esquecem estas coisas lembro a frase do socialista francês Jean-Pierre Chevènement que a dada altura do PREC teria afirmado, mais ou menos isto, sobre o socialismo europeu, “não morrer como no Chile e não trair como em Portugal.”
Mas isto são histórias passadas. O PS tornou-se, vencida a esquerda revolucionária no 25 de Novembro, num dos principais partidos da rotação governamental, fazendo tudo para, juntamente com o PSD, bipolarizar a sociedade portuguesa, de modo a se evitarem coligações, principalmente à esquerda. Ou seja, depois do PREC, tentou-se por todos os meios impedir que na sociedade portuguesa houvesse uma alternativa de esquerda plural. Daí, que ainda recentemente André Freire, num estudo sobre os diversos partidos socialistas europeus, ter afirmado que o português era o que se situava mais ao centro, distanciando-se menos ideologicamente do seu opositor de direita.
Esta é a história, e por muito que o PCP na sua máxima pujança eleitoral tentasse que a maioria numérica que a esquerda dispunha no Parlamento se transformasse em maioria política, nunca o PS acedeu a isso. Para romper este círculo vicioso o PCP tenta, aproveitando a situação criada com a saída do Ramalho Eanes de Presidente da República, apoiar a criação de um novo partido, o PRD, que pudesse romper e dividir o PS. Foi a sua última grande operação política, que redundou num profundo fracasso. É só ver a diminuição de votos e de percentagem que a partir daí, 1985, o PCP foi tendo.
Mais uma vez o PS, de modo ainda pouco claro, mas que alguns, mais papistas que o Papa, tendem a verbalizar, começou a ensaiar a melodia do voto útil. Se não votam em mim terão a direita no poder. Por enquanto esta operação resume-se a começar a encostar o PSD à direita conservadora e se possível salazarenta, provavelmente só depois virá o apelo ao voto útil. É verdade que ainda estamos na fase da classificação dos partidos à esquerda do PS como extremistas, radicais e pouco confiáveis, mas com o tempo lá iremos à sedução dos seus votantes.

II – O PCP
Como já foi anteriormente afirmado a origem do PCP entronca no movimento anarco-sindicalista e dessa influência ser muito clara nas suas primeiras movimentações. No entanto, a principal razão da sua existência deve-se em primeiro lugar ao êxito da Revolução Soviética de 1917 e depois à existência da III Internacional e da sua influência no movimento operário internacional. Partido disciplinado e com características próprias para lutar contra a investida fascistas consegue, muito melhor que os anarco-sindicalistas, resistir à repressão fascista e poder organizar o movimento operário. Transforma-se com o tempo num grande partido nacional, que influencia toda a ideologia da Oposição. Podemos dizer, utilizando um conceito gramsciano, que conquistou a hegemonia ideológica da esquerda em Portugal durante o final dos anos 30, e depois durante os anos 40, 50, até meados dos anos 60. Não deixando, no entanto, de estar por detrás ou de influenciar profundamente a ideologia de esquerda que pôde renascer com a queda de Salazar e o advento de Marcelo.
Não é por acaso que o PCP surge logo a seguir ao 25 de Abril como a grande força organizativa da esquerda portuguesa, que obriga Spínola a atribuir-lhe um lugar no Executivo, incapaz que se sentia de governar sem a participação do PCP.
Mesmo hoje, quando alguns herdeiros do esquerdismo dos anos 60/70 falam da perda e fraqueza do PCP nesses anos, esquecem a força política e organizativa deste partido a seguir ao 25 de Abril. Ainda recentemente, num colóquio organizado no Museu da República e Resistência (1º Colóquio "Os Comunistas em Portugal"), um historiador brasileiro, nada favorável ás posições do PCP, reconheceu isto. É evidente que a sua força organizativa não correspondeu depois à sua força eleitoral, como eu já demonstrei aqui .
Derrotada que estava a fase revolucionária houve no PCP alguma dificuldade em adaptar-se aos novos tempos. Continuou-se por razões meramente programáticas a acreditar que o país avançava para o socialismo, porque isso estava inscrito na nossa Constituição, quando há muito tempo que esta, neste aspecto crucial, não passava de uma ficção. Ainda recentemente num museu que foi recentemente inaugurado em Sines encontrei um cartaz da Câmara Municipal daquela cidade, de 1980, que falava das realizações do poder autárquico socialista. Dando a ideia que estaríamos a caminhar para o socialismo.
Tirando esta ficção, que provavelmente foi um pouco inebriadora, sempre o PCP tentou forçar uma saída à esquerda. Daí o apelo a uma maioria de esquerda, que chegou a estar publicitada em cartazes, ou depois, o apelo discreto à formação do PRD. No entanto, o círculo fecha-se, com o governo de Cavaco a direita e as classes dominantes em Portugal encontram a sua estabilidade, o Muro de Berlim cai, começam as divergências e purgas no PCP, este partido reduz significativamente a sua votação. Duas soluções surgem entretanto no horizonte: o Novo Impulso, que visa a sua renovação, ou o enquistamento e o refúgio nos valores seguros. Esta última foi a opção vencedora. E hoje o PCP é um partido sectário e com laivos esquerdistas, que não desaparece, como os outros PC da Europa, mas que é incapaz de crescer, de romper com o cerco e as limitações que lhe criaram e em que ele próprio foi caindo.

III – O BE
O Bloco de Esquerda foi criado em 1999. Herdeiro da tradição esquerdista do final dos anos 60 e do PREC, rompeu com ela a e apresentou-se com uma outra cara. Abordando primeiro os chamados temas fracturantes, foi progressivamente voltando a sua atenção para os temas nacionais, surgindo com uma nova linguagem e uma grande flexibilidade táctica. Podemos dizer que no panorama político português foi a novidade que pode permitir com alguma razoabilidade romper com o círculo vicioso em que a esquerda portuguesa tinha caído: voto útil no PS, para não deixar a direita tomar o poder, ou fidelidade aos princípios, continuando a votar PCP.
Ainda é cedo para avaliar o desenvolvimento futuro do Bloco. Para já, e perante o êxito nas eleições europeias, as tentativas de diálogo com a esquerda do PS (Teatro da Trindade e Aula Magna) e um claro evitar de confrontos desnecessários com o PCP, reconhecendo-lhe a importância e o valor histórico, têm permitido a este partido aglutinar as forças que se reclamam da esquerda.
Para muitos resta o problema da ideologia. O Bloco, fugindo às discussões ideológicas e aos rótulos, cobra da tradição da social-democracia de esquerda e do movimento comunista, com toda a sua complexidade e diferenciação.
Reconhecendo que são realidades muito diferentes o Bloco poderia ser na sociedade portuguesa aquilo que o PT foi na brasileira. Um partido aglutinador de toda a esquerda, principalmente a que vinha dos meios católicos e que rompia com as tradições clássicas da esquerda comunista e da que provinha da guerrilha.
É evidente que o Bloco sozinho não irá longe, precisa de compreender que, como força aglutinadora da esquerda, deverá juntar à sua volta outros parceiros ou mesmo se necessário ser capaz de diluir a sua identidade num movimento mais vasto que inclua a esquerda do PS, socialistas sem partido e dissidentes do PCP, que se têm vindo pelas razões aduzidas a afastar-se dele. No fundo o Bloco poderá ser um movimento aglutinador e, porque não, refundador da esquerda.

IV – Conclusões provisórias
Pelo que atrás foi dito há neste momento uma necessidade da esquerda romper, e do movimento operário, se ainda terá sentido falar nele como movimento autónomo, com o círculo vicioso em que há bastantes anos se tem vindo a deixar espartilhar.
Ser capaz de assumir que o PS como um todo não foi capaz de se assumir como um parceiro de confiança, com quem seja possível estabelecer um programa comum de esquerda, como aquele que há uns largos anos se estabeleceu entre o PS e o PC francês. Que regularmente nos pede o seu voto para evitarmos ser governados pela direita e que posteriormente sem qualquer escrúpulo faz tudo aquilo que não seria de esperar de um partido de esquerda, mesmo que só cumprisse os mínimos exigidos. A situação actual é das mais gravosas, sendo José Sócrates e a sua equipa completamente responsáveis pela situação de degradação a que o Governo e o partido socialista chegaram.
Por outro lado, a outra opção era quase até ao presente votar num PCP que sempre nos pediu o seu voto para se reforçar e conseguir fazer sair o país da situação de atoleiro em que ia progressivamente mergulhando, quer com os Governos do centro-direita, quer do centro-esquerda, ou seja do centrão. Nunca como hoje, aqueles que nele votaram sentiram a impotência desse voto.

Hoje, a fugindo à chantagem do voto útil, é possível termos uma perspectiva, encarnada pelo Bloco, de rompermos com este bloqueio da esquerda. Nada disto é certo e muito menos garantido, no entanto só numa perspectiva de aglutinação de todos os descontentes é possível romper com o círculo vicioso em que a esquerda tem vivido nos últimos anos.