08/11/2011

A abstenção do PS

Tem sido prática de alguma esquerda culpar o Bloco e o PCP por termos este Governo e, bem pior, este Orçamento de Estado. Aqueles partidos ao votarem, juntamente com a direita, contra o PEC IV e, sabendo que isso acarretaria a queda do Governo, não se eximiram de o fazer, sendo pois responsáveis pela tragédia actual. Já vi isto escrito, não de forma tão clara nos media, mas em comentários ou cartas que me chegam ao meu e-mail. A interpretação oficial que o PS dá da sua queda é semelhante: uma aliança espúria entre a direita e a esquerda radical.

Aquela esquerda não percebe o estado de desagregação a que tinha chegado o Governo de José Sócrates. O Ministro das Finanças era já um verbo-de-encher. Repare-se que este entrou mudo e saiu calado numa das últimas conferências de imprensa que José Sócrates fez a propósito do acordo com a Troika. E José Sócrates fez essa conferência de imprensa pela negativa, ou seja, descrevendo tudo aquilo que não tinha sido acordado com a Troika, mas que os seus assessores nos dias anteriores, para nos aterrorizarem, tinham vindo a bichanar para os media. Meses depois, tudo aquilo que ele disse que não ia acontecer veio a ser incluído no Orçamento de Estado. Mas isto foi só um exemplo dos últimos dias do socratismo, a desagregação final já estava a decorrer, só não via isto quem sectariamente queria manter Sócrates a todo o custo, não percebendo que se ele continuasse, toda esta austeridade, contra a qual protestamos, se iria verificar, embalada talvez nas vestes soporíferas de uma esquerda “responsável”.

A nossa lei eleitoral torna difícil, e bem, que um só partido tenha a maioria absoluta. Por isso, em 35 anos de democracia constitucional, só em 12 é que um só partido obteve aquela maioria: oito para o PSD e quatro para o PS. Por esse motivo era lógico que os principais partidos tivessem políticas de aliança em caso de não obterem uma maioria absoluta. O PSD, sem precisar de o dizer publicamente – estas coisas de alianças só interessam à esquerda – sabe de ciência certa que, quando chega a hora, pode contar com o CDS. O PS desde o início que se tem dispensado fazer qualquer aliança com a sua esquerda. Mesmo quando isso foi preciso (1978), nos tempos já longínquos que se seguiram ao primeiro Governo PS sozinho (1976-78), negociou simultaneamente com o CDS e com o PCP, no entanto, em relação a este, quando chegou ao capítulo da Reforma Agrária (quando ela ainda existia), apresentou-lhe uma página em branco. Tudo aquilo não passava de uma encenação para fazer um “acordo de incidência parlamentar” com o CDS.

Sempre bichanaram ao ouvido do PS que as eleições se ganham ao centro e não à esquerda e este partido tem levado isso tão a peito que sempre se comportou como se não necessitasse a sua esquerda para governar. Honra seja feita a Jorge Sampaio que, em relação a Lisboa, fez uma aliança com o PCP. É evidente que hoje – como no passado, mais por razões ligadas à Guerra-fria – comprometeu-se com tais parceiros: algumas empresas de construção civil, por exemplo, que estes inviabilizaram qualquer aliança à esquerda.

Vem tudo isto a propósito da intenção manifestada pelo Secretário-geral do PS em se abster na votação do Orçamento de Estado para 2012. Bem pode aquela esquerda, que eu inicialmente referi, vir apelar ao voto contra do PS que este, indiferente àqueles cantos de sereia e, afirmando que se sente chocado com este orçamento, acha que uma esquerda “responsável” deve em primeiro lugar servir o seu país e depois o partido. Já se sabe que uma esquerda responsável deveria, perante um PREC da direita, votar contra o Orçamento, facilitando uma frente de toda a esquerda contra o mesmo e tornando mais difícil a tarefa do Governo da direita. Mas isso é impossível, o PS está tão enterrado nos compromissos em que se enleou que hoje torna-se difícil sair deles. Veja-se o caso de Manuel Alegre, depois de ter apelado ao voto contra, veio aceitar, compreendendo-a, a posição de António José Seguro. É por estas e por outras que teve um resultado tão triste nas últimas presidenciais.

Eu sei que não é fácil negociar com o PCP actual. Já houve tempo em que este partido defendia uma maioria de esquerda para a Assembleia da República, mas isso não impede o PS de tentar estabelecer pontes. Ora elas estão irremediavelmente cortadas com posições como estas em relação ao Orçamento.

O Bloco de Esquerda já foi uma esperança para o PS. Mário Soares há já alguns anos chegou a afirmar num Prós e Contras, da RTP, que o Bloco era uma partido a seguir. Pensavam na altura que poderia ser uma muleta do PS. Como isso não sucedeu, e porque rapa no seu eleitorado, é hoje um dos seus inimigos de estimação.

Que solução para isto? É difícil. É neste momento o problema mais complexo de resolver, mesmo ao nível da União Europeia. Como dar a volta para que esta esquerda, à esquerda da social-democracia neoliberal, consiga tornar-se uma força aglutinadora, capaz de influenciar Governos, alterar a correlação de forças na União Europeia e representar todos os descontentes com esta situação desesperada que estamos a viver.É evidente que para isso tem que contar com amplas massas da social-democracia e até, em alguns casos, com a participação activa destes partidos. É essa a grande luta que se nos põe pela frente.

2 comentários:

Armando Cerqueira disse...

Olá Jorge,

se bem entendo o Jorge concebe o PS como um partido de esquerda : "Já se sabe que uma esquerda responsável deveria, perante um PREC da direita, votar contra o Orçamento, facilitando uma frente de toda a esquerda contra o mesmo e tornando mais difícil a tarefa do Governo da direita. Mas isso é impossível, o PS está tão enterrado nos compromissos em que se enleou que hoje torna-se difícil sair deles".

Afinal o que é a Esquerda? Qual o seu paradigma?
Desde, pelo menos, o PREC, designadamente o 1º de Maio de 1975, que o PS (a sua direcção soarista, Soares também) tem sido ou um partido de centro (democracia representativa, indirecta, e capitalismo reformista com algumas preocupações de justiça social, intangibilidade da sociedade dividida em classes antagónicas), ou de direita envergonhada disfarçada de 'socialismo democrático', sendo o paradigma económico a 'economia de mercado' com laivos de liberalismo.

Enfim, talvez eu esteja errado, mas 'partido de esquerda' tem outros paradigmas e praxis...

Um abraço
Armando Cerqueira

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Para Armando Cerqueira
De acordo com a maioria dos politólogos de serviço o PS é considerado de centro-esquerda, denominação com que eu concordo. Dizer que um partido é do centro é um pouco vago, o centro é uma não existência, e de direita é uma imprecisão que leva para os braços da direita grande número de militantes e eleitores que se revêem na ideologia que o PS, nas alturas de aperto, apregoa. O PCP costuma acusar o PS não de direita mas “de farinha do mesmo saco”, eu não iria tão longe. Para mim a social-democracia europeia actual, de que o PS é uma das alas mais à direita, é de centro-esquerda, apesar de eu não concordar de modo algum com as políticas por ela prosseguidas. Acho que deve ser criticada, mas não se lucra nada em classificá-la como de centro ou de direita. A social-democracia não é o nosso inimigo principal, é um conjunto de partidos que há muito abandonaram a sua matriz original, que remonta à fundação da II Internacional em 1889, mas nem por isso deixam de ser os parentes mal comportados das esquerdas, que são muito diversas e plurais.