22/01/2012

A crise financeira e económica: uma achega política e histórica

Pode-se dizer que ainda não dediquei nenhum post a esta crise financeira e económica que atravessa a União Europeia, particularmente agravada nos países periféricos como a Grécia, Portugal e a Irlanda, mas agora já transposta para a terceira economia da UE, a Itália.

A razão é simples eu não sou economista e, por isso, não domino bem o discurso daquela disciplina que permite fazer a interpretação da crise e até propor soluções. Por este motivo, terei sempre que me socorrer dos seus aspectos políticos e históricos, áreas que um leigo como eu domina melhor.

Feita esta advertência prévia, passemos ao que interessa. Tal como a crise que teve início em 1929, nos Estados Unidos da América, teve várias soluções, dentro do regime capitalista, e ainda uma outra que foi a “revolução por cima” iniciada por Estaline, na URSS, nesse mesmo ano, assim a actual também deve ser encarada de uma perspectiva de soluções múltiplas.

A primeira solução que foi posta em prática teve só início no ano de 1933, com a eleição de Franklin Delano Roosevelt para Presidente dos EUA. A sua resolução consistiu na adopção de um programa que se chamaria social-democrata na Europa e que nos EUA foi conhecido por New Deal: subsídios para os desempregados e grandes investimentos públicos para dinamizar a economia. Medidas semelhantes foram tomadas na Escandinávia que, a partir dos nos 30, foi governada por partidos sociais-democratas. Na Suécia isso verificou-se em 1932, com a chegada pela primeira vez ao poder do partido social-democrata.

Outra solução para a crise foi a que adveio da chegada ao poder, em 1933, de Hitler. A Alemanha tinha, por essa altura, 40% de desempregados, muitos deles a votarem no Partido Comunista Alemão, o mais forte da Europa Ocidental, e outros a votarem nos nazis. Com a ditadura nazi, que esmagou rapidamente o Partido Comunista Alemão e o Partido Social-Democrata, esta situação foi resolvida. Diga-se de passagem que a crise adveio das dívidas colossais da Alemanha, sobretudo devido ao tratado de Versalhes, que a obrigava a fortes indemnizações às potências vencedoras da I Guerra Mundial. Essas dívidas eram pagas sobretudo com empréstimos dos EUA. Quando, em 1929, a crise rebentou naquele país, este deixou de enviar dinheiro para a Alemanha e a situação em pouco tempo tornou-se explosiva. Na Itália fascista a situação não foi tão prontamente resolvida, no entanto, a tomada do poder pelos nazis na Alemanha teve uma repercussão por contágio em toda a Europa, só restando neste continente, em 1939, uma meia dúzia de estados democráticos, de economia capitalista.

A solução preconizada por Estaline foi a da “revolução por cima”, que nada teve a ver com a crise de 1929, mas sim com o próprio desenvolvimento da revolução bolchevique de 1917. Estaline lança, em 1929, a colectivização forçada dos campos e desencadeia, na base de Planos Quinquenais, a industrialização da URSS. Foi o próprio Estaline que designou esta nova etapa da Revolução Bolchevique como uma “revolução por cima”, dado que não tinham sido as massas a desencadeá-la, mas sim a Direcção do PCUS. Nos anos trinta, o Ocidente em crise assiste ao crescimento da URSS e ao pleno emprego neste país. Por isso, o termo planeamento entrou no vocabulário dos países capitalistas do Ocidente.

Hoje, tal como há mais de 80 anos, a solução da crise, apresenta aspectos semelhantes.

Em primeiro lugar também temos a soluço social-democrata constituída pela emissão de eurobonds, pela renegociação das dívidas soberanas, por empréstimos a juros baixos do Banco Central Europeu e toda uma miríade de soluções que normalmente são apresentadas para a resolução da crise. Sucede é que a solução deste problema tem que ser conseguida ao nível da própria União Europeia, com Governos que acreditem nestas mesmas medidas. Para isso é indispensável que nos centros de decisão, em Berlim ou Paris, haja uma alteração dos partidos dominantes, que social-democracia ganhe as eleições, coisa que sendo possível a curto prazo na França, já o mesmo não parece ser tão líquido na Alemanha. Por outro lado, nada garante que a social-democracia chegada ao poder naqueles países tenha condições e vontade política para resolver a situação. Como exemplo histórico, temos o caso dos governos trabalhistas na Inglaterra, entre 1929-31, que se mantiveram agarrados à velha tradição liberal, sendo que só em 1932, com a subida da social-democracia ao poder na Suécia, e tendo em conta a má experiência inglesa, é que aquela tendência política pode encarar a resolução da crise, sem no entanto isso ter qualquer influência na evolução política da Europa da altura. Hitler estaria pouco depois a subir ao poder na Alemanha.

Embora hoje não se perfilem no horizonte ameaças declaradamente nazi/fascistas, a subida ao poder de governos fortemente nacionalistas e populistas, a imposição quer na Grécia quer na Itália de Governos tecnocráticos, sem qualquer relação com a vida política daqueles países, a manutenção e a tentativa de resolução da crise com as mesmas medidas que estiveram na sua origem, o domínio de toda a zona euro pela Alemanha, correspondem grosso modo a uma solução retrógrada e, por vezes fascizante, como na Hungria, e arrastam a solução da crise, tal como sucedeu na América, antes da subida de Roosevelt ao poder, em 1933, ou como no caso já referido da manutenção da ortodoxia financeira pelo desastroso governo trabalhista britânico.

Resta a solução mais complicada e talvez impossível de uma alteração política da situação na Europa do Sul. As condições que estão a ser criadas na Grécia, em Portugal, e talvez em Espanha e Itália são tão gravosas que os povos podem não aceitá-las, e dar o poder a um verdadeiro governo da esquerda. É evidente que temos que ter a noção que nestas circunstâncias o nível de vida não melhoraria de momento, e provavelmente haveria grandes dificuldades económicas, simplesmente tinha que se dar a noção ao povo de que este era o seu Governo e que ele estaria a fazer tudo para alterar a situação.

Uma vitória eleitoral nestas circunstâncias tinha que ser antecedida de uma vitória nas ruas das forças de mudança. Não se espera que as alterações eleitorais antecedam as mudanças de consciência política.

Dada a complexidade da situação não gostaria de avançar mais nesta ideia, contudo, ela obriga a um esforço de unidade, de recomposição das forças políticas de esquerda, que neste momento para muitos poderá ser impensável. Mas só verdadeiramente uma solução deste tipo, que tenha também em conta as forças políticas dos outros países do Sul, poderá ser a solução para o desespero que neste momento nos atravessa e, como se sabe, o desespero é mau conselheiro, pode acarretar soluções autoritárias.


PS.: algumas das informações históricas aqui prestadas foram retiradas da obra de Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos, História Breve do Século XX, Editorial Presença, 1996.

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