Por isso, fui recorrer a um livro que possuía, publicado em 2001, e se refere a estes acontecimentos: Grandes Planos, Oposição Estudantil à Ditadura - 1956-1974, de Gabriela Lourenço, Jorge Costa e Paulo Pena (Âncora editora). O livro é muito romanceado e feito ao estilo jornalístico, entrecruzando a biografia de alguns dos participantes, que os autores entrevistaram, e os acontecimentos.
Foi aí que confirmei que o restaurante que eu chamava Castanheira, se chamava de Castanheira de Moura. Já está corrigido no post.
Pelo livro também sobe que “mais de dois mil estudantes aguardavam no Estádio Universitário o resultado da reunião” – as tais negociações de que falei no post anterior –, “enquanto decorre o festival desportivo do Dia do Estudante” – não me lembrava que os jogo que se realizavam nessa tarde tinham a ver com o próprio Dia –. “Porém a única novidade que lhes chega é a primeira carga policial. Sem saberem como nem porquê, pouco versados em técnicas de fuga, alguns estudantes são espancados e alguns vão presos. A investida detém-se quando saltam as primeiras frases do hino nacional. A confusão é grande entre os polícias – muitos põem-se em sentido fazendo continência. Os estudantes continuam a cantar e sentam-se na relva.”
Este episódio, que eu não descrevo deste modo, pois baseio-me na minha própria aprendizagem sobre o que era uma carga policial, tem alguma veracidade. Não sei se houve continências ao hino nacional, mas é um facto que teve um efeito apaziguador nos polícias. Também tenho uma vaga memória que os estudantes se sentaram na relva, mas penso que foi sol de pouca dura.
Não me parece, em relação ao que depois vi, que a polícia tenha espancado estudantes ou que os tivesse prendido. Mas o erro pode ser meu. O número de estudantes também me parece exagerado.
Os autores do livro falam do convite de Marcello Caetano para o jantar, dado que a Cantina, onde se devia realizar o jantar do Dia de Estudante, tinha sido encerrada pela polícia. Os termos empregues por aquele seriam: “A reitoria convida-vos para jantar no Castanheira de Moura”. Dito assim ou de outra forma, a verdade é que o convite existiu e as pessoas começaram a deslocar-se para lá. Os autores falam que se desceu a Alameda da Universidade, eu quase que jurava que foi a então chamada Av. 28 de Maio.
Falam também na carga policial do Campo Grande, que me parece que se verificou precisamente quando as pessoas, vindas de Entrecampos, estavam a chegar à Av. do Brasil. Exageradamente, de quem não conhece as armas da polícia, falam que os estudantes fugiam à frente da coronha das metralhadoras, tenho quase a certeza que não havia metralhadoras, mas sim as velhas Mausers, que serviam muito bem para agredir estudantes contestatários. Até porque dois parágrafos à frente falam que os estudantes saíram do Castanheira de Moura entre alas de capacetes de ferro e espingardas Mauser. Contradições de quem não revê o texto.
Depois é afirmado que “três dezenas de estudantes são levados ao hospital, sob prisão”. Parece-me, por aquilo que sei da história do meu amigo Brás, que eles estavam à espera deles à porta do Santa Maria e foi aí que os foram prender. Tenho a ideia que nem de perto nem de longe chegou àquele número.
Fala-se também que Marcello Caetano nunca chegou a ir ao Castanheira de Moura, mas que alguns professores, que de manhã tinham defendido os estudantes, entre eles Lindley Cintra, chegaram até lá e ainda tentaram negociar com a polícia, o que me parece ser exacto.
A manhã de Domingo, dia 25, está mais ou menos como a descrevo.
Na noite de 25, a Reunião Inter Associações (RIA), decide, em função do que se passou decretar o luto académico, que era nem mais nem menos do que a greve às aulas, que no caso de Ciências englobava as aulas teóricas, de frequência não obrigatória, e as aulas práticas, que obrigavam a presença e o chumbo na cadeira se o número faltas ultrapassasse um certo valor.
Este pequeno post não é uma crítica ao livro referido, mas unicamente um confronto entre o que permanece na minha memória e a recreação, por três jovens, muitos anos depois de acontecimentos de que não foram testemunhas. Voltarei aos dias da Crise Académica de 62 em próximo post.
PS. (04/04/10). Resolvi ir confrontar o meu amigo Brás com o que passou de facto com a sua prisão. Foi depois de ser tratado no Santa Maria do lenho que a polícia lhe tinha feito e de sair pela porta das traseiras é que apareceu um polícia a prendê-lo. Levou-o depois para a esquadra do Campo Grande, onde esteve lá até tarde e de seguida foi transferido para os calabouços do Governo Civil, dormindo numa sela com todos os meliantes que nessa noite tinham sido caçados. No dia a seguir é lavado para a PIDE, onde teve um interrogatório sumaríssimo e onde lhe foi feita a ficha que o havia de perseguir até depois do 25 de Abril. Com ele só esteve um outro estudante do Técnico, que fez o mesmo percurso. Para que fique como testemunho desse Dia.