28/06/2008

O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril. Parte II



Com um dia de atraso, publico a segunda parte do meu artigo sobre o PCP e a sua actuação no processo revolucionário desencadeado pelo 25 de Abril.
Como devem ter percebido não só ninguém me ajudou a resolver o problema informático que tinha exposto na primeira parte, como acumulei um segundo problema para o qual não encontro solução. Como no texto que escrevi as notas de rodapé foram inserida com o auxílio desse recurso do
Word, na transposição do texto para o blog, elas mantém-se, mas em vez de indicarem, quando nelas se clica, a respectiva nota de fim do texto remetem para o início do blogger. O leitor prevenido evita esse problema, pois pode ir constantemente ao fim do texto. Quem não está pode ficar baralhado. Tenho que ter paciência para transformar as notas de rodapé numa simples numeração de notas.
Penso que o problema descrito também se resolve para quem tenha conhecimentos de informática. Mais uma sugestão para os meus leitores.


O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo –
Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril. Parte II

III – A Revolução Democrática e Nacional rumo ao socialismo, o 25 de Novembro e a Constituição da República Portuguesa

No livro que tenho vindo a citar de Álvaro Cunhal, A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril (A contra-revolução confessa-se), e que foi um dos últimos originais políticos que escreveu (1999), afirma-se a dado passo[25] que “a democracia portuguesa resultante da revolução” caracteriza-se “como uma democracia avançada rumo ao socialismo”, indo provavelmente buscar esta denominação ao actual programa do PCP: “uma democracia avançada no limiar do século XXI”, substituindo o floreado da última frase pelo rumo ao socialismo. Mais adiante, no entanto, acrescenta: “Pela profundidade das reformas, não se tratou de uma democracia burguesa. Tão pouco se tratou de uma revolução socialista. Foi uma revolução democrática e nacional “rumo ao socialismo”, como então a definimos”.
Esta última transcrição termina uma troca de pontos de vista com Freitas do Amaral, que ocupam duas páginas[26]. É interessante, e resumindo, que Freitas do Amaral fale da originalidade da proposta programática do PCP sobre a RDeN e considere que Lenine, para chegar ao comunismo, defendia a necessidade de duas revoluções: a primeira burguesa ou liberal e mais tarde a proletária ou socialista. E que o Programa do PCP defenda objectivos que eram da primeira e outros que já eram da segunda, o que leva aquele autor a considerar que aquele Partido está “a queimar uma etapa no processo revolucionário”. Cunhal responde-lhe com uma daquelas citações de Lenine que servem para tudo, em que este diz que “todas as nações virão ao socialismo, … mas não virão todas de forma absolutamente idêntica, cada uma trará a sua originalidade, nesta ou aquela forma de democracia, nesta ou naquela variedade de ditadura do proletariado …” E Álvaro termina afirmando que Freitas não compreendeu que a RDeN, ““que o PCP propôs como revolução a seguir ao derrubamento da ditadura”, não era uma “revolução liberal”, uma revolução burguesa, nem uma revolução socialista, mas uma revolução diferente (e até por isso lhe foi dado um nome diferente) tendo entre os seus objectivos a liquidação do poder dos grandes grupos monopolistas e dos latifundiários …”, segue-se depois a frase transcrita no parágrafo anterior.
Esta longa referência àqueles dois políticos visa sublinhar que a caracterização que Álvaro Cunhal faz da RDeN, apesar de o omitir, corresponde à “etapa intermédia” que foi definida no capítulo anterior. Por outro lado, Freitas do Amaral, pouco familiarizado com os temas do movimento comunista, recorreu à vulgata leninista, escrevendo sobre aquilo que não sabe e que julga saber.
Por último, gostaria igualmente de realçar que Álvaro Cunhal, na obra referida, indica que a Constituição de 1976, nos seus dois primeiros artigos, consubstancia todo o processo revolucionário. Assim, “a República Portuguesa é um Estado democrático … que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo”, com “a sua transformação numa sociedade de sem classes” “mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras”. Estas belas palavras já hoje não fazem parte do articulado da Constituição e estão incluídas unicamente no Preâmbulo, que assinala a sua existência pretérita e que é motivo, volta e meia, para o CDS pedir a sua supressão total.
Pelas transcrições atrás feitas é patente que o PCP, mesmo depois do 25 de Novembro de 1975, e tendo por base o conteúdo da Constituição, aprovada em 2 de Abril de 1976, continuava a considerar que a RDeN rumava ao socialismo.
Os resultados das primeiras eleições para a Assembleia da República, realizadas em 25 de Abril de 1976, não traduzem essa situação, apesar de Cunhal afirmar, no livro que vimos referindo, que “PS, PPD e CDS conluiados não conseguiram os resultados eleitorais que esperavam”[27]. Ora a verdade é que, embora o PCP tenha subido eleitoralmente, até devido à não participação do MDP nas eleições – obteve 14,4%, contra os 12,5%, nas eleições para a Assembleia Constituinte –, os resultados foram manifestamente insuficientes para poder influenciar a seu favor a governação do país.
Sem recorrer ao espírito derrotista com que certos sectores esquerdistas, mas não só, encararam o 25 de Novembro, a verdade é que naquilo que foi considerado pelo PCP como o factor fundamental do avanço da Revolução, a aliança entre o Povo e o MFA (Movimento das Forças Armadas), uma das componentes, o MFA, a partir daquela data, foi-se diluindo progressivamente nas Forças Armadas tradicionais e conservadoras. Embora o Conselho da Revolução se tivesse mantido formalmente na Constituição, foi no entanto devidamente expurgado dos oficiais representativos da esquerda militar e do extinto COPCON. Neste sentido, embora o PCP continuasse no VI Governo Provisório, depois do 25 de Novembro de 1975, e a Constituição tivesse sido aprovada e promulgada muito depois daquela data, não havia forças para que o rumo ao socialismo da RDeN se mantivesse. O PCP passa a determinada altura a falar do processo contra-revolucionário que, segundo Álvaro Cunhal, no livro que temos vindo a referir, “viria a demorar mais de 20 anos para realizar os seus objectivos estratégicos”[28].
Concluindo, se é correcto, como afirma o PCP, que foi devido à aliança Povo-MFA que processo revolucionário avançou – entendendo como MFA, o conjunto das forças armadas que participaram activamente na preparação e execução do 25 de Abril, e como Povo, o conjunto de sindicatos, comissões de moradores e trabalhadores e os militantes dos partidos à esquerda do PS, com principal destaque para o PCP –, quando uma destas componentes falha, neste caso o MFA, já se torna muito difícil defender as principais conquistas revolucionárias, aquelas que caracterizavam a RDeN como anti-monopolista e anti-latifundiária, apesar de todos estes objectivos estarem inscritos na Constituição. E muito menos garantir que a mesma rumava para o socialismo. Pode-se dizer que o processo de normalização capitalista foi longo, que as classes dominantes, depois do abalo de 74/75, demoraram algum tempo a encontrara a estabilização que desejavam para prosseguir o seu domínio. Mas com a entrada para a CEE, depois EU, e com o longo consulado de Cavaco Silva, facilmente foi encontrado, depois de revista a Constituição, um regresso à normalização capitalista.
O PCP no esforço de garantir que os principais objectivos da RDeN, previstos no seu Programa de 1965, tinham sido cumpridos, forçou a compreensão do que se tinha passado em 25 de Novembro e super-valorizou uma Constituição que, não tendo suporte político eleitoral, estava condenada a ser ineficaz na defesa de uma sociedade a caminho do socialismo. É evidente que a herança do 25 de Abril, do que resta na sua Constituição, e que prevalece, mesmo que de forma difusa, nas massas populares, ainda tem força suficiente para que a maioria do povo português defenda o Estado democrático e as suas conquistas sociais.

IV – Ainda o rumo ao socialismo e o Verão quente de 1975.

Por tudo aquilo que anteriormente foi escrito, e recuando um pouco na História, o processo revolucionário português, baseado na aliança Povo-MFA, teve, depois do golpe falhado perpetrado por Spínola no 11 de Março de 1975, um avanço significativo, daí que o PCP necessitasse de definir a etapa da revolução”, que se estava a viver, como rumo ao socialismo. Já constatámos que a partir do 25 de Novembro, era difícil continuar a utilizar essa designação, mas para quem viveu o período exaltante dos dias seguintes ao 11 de Março, com as nacionalizações da banca e dos seguros e o começo da reforma agrária, não tem dúvidas que o socialismo estava ao alcance de uma mão. Daí que Álvaro Cunhal, no livro que venho referindo, denomine um dos capítulos: “Todos pelo socialismo[29]. Ou seja, a determinada altura quase todos os partidos e os próprios militares do MFA defendiam a construção de uma sociedade socialista. Cunhal transcreve as declarações e os programas em que todos juravam essa fidelidade. No entanto, depois das eleições para a Assembleia Constituinte, a 25 de Abril de 1975, a unanimidade já não era absoluta. Havia um socialismo para os mais apressados e outro para os mais moderados, de acordo com os documentos militares que foram publicados na época.
A verdade, é que a partir da desagregação do IV Governo Provisório, com a saída do PS e do PPD do Governo, no início de Julho de 1975, o começo dos ataques às sedes dos partidos de esquerda e depois de toda a sequência acontecimentos que permitiram designar aquele Verão como “quente”, o avanço em direcção ao socialismo fica seriamente comprometido, apesar do Presidente da República ainda ter nomeado a 8 de Agosto, com um horizonte temporal limitado, o V Governo Provisório, que foi de todos os Governos Provisórios o mais à esquerda, mas que só contava, entre os partidos importantes, com o apoio do PCP.
Hoje, relendo a intervenção de Álvaro Cunhal na Reunião Plenária do Comité Central do PCP, de 10 de Agosto de 1975, e que foi posteriormente publicada na íntegra[30], fica-se com a ideia da complexidade da situação, da bagunça que atravessava as instituições militares que tinham um papel importante na defesa da revolução, das dificuldades em superar essa situação e da própria fragilidade do V Governo Provisório, o último chefiado por Vasco Gonçalves. É nesta reunião que é sugerido que a solução política da crise passe por negociações. Álvaro Cunhal chega mesmo a pedir ao Comité Central que autorize a Comissão Política a tomar decisões “no sentido de uma reconsideração da Revolução Portuguesa através de negociações” ou então “numa situação muito aguda, para poderem propor soluções que sejam soluções de compromisso, conclusivamente e naturalmente o nosso Partido no processo e a ala mais consequente do MFA” e termina “é também necessário um esforço real e imediato em busca de soluções entre as principais forças e sectores interessados no processo revolucionário”[31].
Nestas circunstâncias e verificando o que sucedeu no 25 de Novembro não tenho dúvidas de que só com grande grau de optimismo se pode afirmar, como faz Álvaro Cunhal no seu Prefácio a A Revolução Portuguesa o Passado e o Futuro, o seu Relatório ao VII Congresso do PCP, que se realizou em Novembro de 1976, que a “democracia portuguesa tomou o rumo do socialismo”[32].


V – Revolução socialista e resultados eleitorais. Conclusões provisórias.

Tendo em atenção o que foi escrito no capítulo inicial, todo este amalgamado de citações visa, acima de tudo, chamar a atenção para que é um manifesto exagero dizer, como o fazem os detractores do PCP, que este visava, em 1974/75, a realização de uma revolução socialista em Portugal. E mais ainda, quando garantem que Álvaro Cunhal seguiu as passadas de Lenine nesse empreendimento. Em qualquer dos casos desconhecem toda a prática leninista em relação à Revolução de Outubro. O mesmo sucede com o PCP quando, sobrevalorizando actualmente a experiência de Lenine, esquece que não foi com base nela que actuou na Revolução portuguesa, apesar de se poder afirmar – uma citação de Lenine cai sempre bem – que agiu com base nos seus ensinamentos.
Nunca houve da parte do PCP, ao longo do processo revolucionário de 74/75, qualquer ruptura revolucionária com vista a implantar a ditadura do proletariado. O PCP tentou sempre, e com sucesso, influenciar uma das componentes da aliança Povo-MFA, o Povo, e cavalgar a luta dos oficiais do MFA, que resistiram com êxito às pressões de Spínola, primeiro, como Presidente da República, e depois como golpista, explorando o sucesso obtido em qualquer destas vitórias e procurando com as movimentações populares reforçar naquele Movimento a componente “esquerda militar”. A derrota nas eleições para a Assembleia Constituinte e a subestimação do papel contra-revolucionário que o Partido Socialista iria desempenhar em todos estes acontecimentos, como ponta de lança de toda a reacção, mas igualmente a Igreja e os caciques locais e a influência que isso teria nos oficiais, ditos moderados, do MFA, levou o PCP a ter que recuar e a conseguir sair com êxito de uma situação complicada, como foi o 25 de Novembro.
Em segundo lugar, ao referir pormenorizadamente a RDeN e a tentativa da sua concretização no Portugal pós-25 de Abril, pretendi por um lado enquadrá-la numa formulação mais vasta que teve início no VII Congresso da Internacional Comunista, negando assim a sua originalidade, como pretendia Cunhal, por outro chamar a atenção que ela era uma etapa intermédia e não a revolução socialista. Por último, ao faltar-lhe a componente MFA, que detinha o poder, ela dificilmente se iria concretizar na sua totalidade num país onde a principal força mobilizadora do povo, o PCP, não detinha a força eleitoral necessária.
Em terceiro, gostaria de sublinhar, porque isso já foi referido de raspão, que uma das maiores derrotas do PCP em todo o processo revolucionário foi o resultado eleitoral obtido para a Assembleia Constituinte. Alguém, que não interessa agora identificar, dizia-me que o Álvaro Cunhal teria dito que qualquer valor inferior a 20% era uma derrota para o Partido e foi isso que aconteceu, só tiveram 12,5%, um pouco mais se considerarmos os resultados do MDP (4,14%).
Há tempos, um ex-embaixador americano em Portugal, em entrevista ao Expresso, que eu não consigo localizar, teria dito que o PCP foi vencido porque não era um Partido de massas, mas sim de quadros. Para além da falta de respeito imperial para com um partido nacional e do manifesto exagero daquela afirmação, não restam dúvidas que comparando os resultados eleitorais obtidos pelo PCP nas primeiras eleições para a Assembleia Constituinte com os resultados que registaram no pós-guerra, para Assembleias do mesmo tipo, o PC francês – ficou em primeiro lugar – e o PC italiano – ficou em segundo lugar, a seguir à Democracia Cristã –, os do PCP são manifestamente insuficientes. E se tentarmos fazer uma comparação com os resultados que o Partido Bolchevique obteve (24,7%) para a Assembleia Constituinte da República Socialista Federativa Soviética (nome que à época tinha a Rússia), Assembleia essa que foi posteriormente dissolvida pelos bolcheviques, verificamos que são muito superiores àqueles que obteve o PCP em Portugal. Aí o Partido Bolchevique foi o segundo mais votado, depois dos socialistas-revolucionários, o partido dos camponeses. Muito à frente dos seus concorrentes directos os mencheviques.
Estes factos não se podem ignorar e não basta garantir que não se é eleitoralista ou, como se afirmava durante o processo revolucionário, não se podia perder por via eleitoral aquilo que já se tinha ganho com a Revolução. É evidente que, quando não se tem o poder militar ou a força das armas, só a estratégia eleitoral, encarada de um ponto de vista dinâmico e não como a soma aritmética dos votos, pode garantir o êxito da luta. Por isso, bem podíamos ter a Constituição mais progressista da Europa, se não tínhamos votos, nem armas, a sua defesa, como documento base da “RDeN rumo ao socialismo”, estava condenada ao fracasso. O que não quer dizer que o Portugal democrático em que vivemos e as conquistas sociais alcançadas não sejam objectivos a defender e, se para tanto houver forças, a reforçar.

[25] Álvaro Cunhal, A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril (A contra-revolução confessa-se), Edições Avante!, 1999, p. 110.
[26] Ibid. pp. 108-109.
[27 Ibid. p. 267.
[28] Ibid. p. 270.
[29] Ibid. p.110.
[30] Álvaro Cunhal, A crise Político-Militar, Discursos Políticos/5, Edições Avante!, 1976, pp. 129-166.
[31 Ibid., p. 163.
[32] Álvaro Cunhal, A Revolução Portuguesa o Passado e o Futuro, Edições Avante!, 1976, p. 13.


PS.: este texto foi igualmente publicado no site da Renovação Comunista

2 comentários:

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Parece-me uma excelente análise.

Falta-lhe analisar um outro lado da questão: a representação que a generalidade dos militantes e dos quadros do PCP tinha do PREC e da Revolução Democrática e Nacional.

Uma coisa são os documentos, os textos escritos, outra as práticas. E, ou me engano muito ou até mesmo depois de 1976 (já com o 1.º Governo Constitucional, do Mário Soares), o PCP (direcção, quadros e militantes) ainda sonhava que vivíamos numa sociedade "a caminho do socialismo". Só tarde compreendeu que a recuperação capitalista tinha começado há muito...

JMC.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Concordo com aquilo que diz, mas parece-me que eu assinalo isso no meu texto: a crença, para lá do 25 de Novembro, que ainda estávamos "a caminho do socialismo". No último livro político de Álvaro Cunhal isso é nítido, como eu assinalo. Quanto aos militantes eu próprio faço referência que, depois do 11 de Março, parecia que o socialismo estava ao alcance de uma mão.