Quando da passagem do 75º aniversário do início da Guerra Civil espanhola, a 17 e18 de Julho deste ano, a maioria dos blogs de esquerda resolveu, e bem, assinalar a data, cada um com as suas opções ideológicas próprias. Estou-me a recordar do blog de Joana Lopes, Entre as brumas da memória, que nos remete para dois dossiers, um deles elaborado por El País e que era bastante interessante. Mas também, o que me causou alguma estupefacção, a referência que Miguel Serras Pereira, no Vias de Facto, fazia a uma canção revolucionária espanhola, Ay Carmela, com uma letra em francês, que faz referência aos acontecimentos de Maio de 1937, em Barcelona – uma pequena guerra civil dentro da Guerra Civil geral, e que opôs as facções trotskistas (POUM) e anarquistas e a sua central sindical (FAI e UGT) ao Governo da Frente Popular, sedeado em Valência, principalmente à sua ala comunista e socialista moderada –, que eu conhecia com uma letra completamente diferente (pode-se ouvir a canção original no próprio post de Joana Lopes ou ler a letra aqui).
Na altura ainda pensei entrar na onda, simplesmente ou estas coisas se escrevem na data própria ou então deixam de ter sentido. Foi isso que sucedeu. Simplesmente, foi posta recentemente à venda uma nova edição do livro de Paul Preston, A Guerra Civil de Espanha (2011, Edições 70). Sucede que o comprei e o li de uma penada. Como gostei, achei por bem, mesmo com atraso, voltar ao tema falando do livro.
Penso que a tradução portuguesa é feita a partir da última edição inglesa de 1996, publicada na passagem do 60º aniversário do início da Guerra Civil. O livro na sua versão em inglês chama-se Uma História Concisa da Guerra Civil Espanhola, o que explica a ausência de bibliografia, de referências onomásticas e a descrição abreviada dos acontecimentos. Não se compara, em pormenor, com os livros que há muitos anos li de Hugh Thomas, uma edição da Ulisseia, ainda do tempo do fascismo, e o muito citado La Révolution y la Guerra de España, de Pierre Broué e Émilie Témine, numa tradução para castelhano, em dois volumes, editada no México, em 1962, pelo Fondo de Cultura Económico.
O livro de Paul Preston não nos engana ao que vem. Logo na Introdução declara que apoia os republicanos e denuncia os crimes do franquismo e a manutenção da sua ditadura até aos anos 70. No entanto, não escamoteia a realidade complexa da zona republicana e dos equilíbrios instáveis entre as diferentes forças que compunham a Frente Popular que governou a República durante a Guerra Civil, nem os desmandos e desordens iniciais ou as perseguições posteriores feita pelos comunistas do PCE e do PSUC (os comunistas da Catalunha), da polícia secreta soviética e de alguns socialistas moderados às organizações já anteriormente referidas: FAI, UGT e POUM.
Paul Preston toma igualmente posição perante o dilema, que atravessou a República, as memórias dos seus participantes e ainda hoje fornece material abundante para discussões mais ou menos sérias que por vezes aparecem na blogosfera nacional (ver aqui e o post já referido do Vias de Facto), ou seja, a opção entre guerra ou revolução, tomando aquele autor partido pela guerra.
Para se compreender o que está em causa eu resumiria assim o problema: uns defendem os comunistas e a URSS por terem privilegiado a ordem e vitória na guerra e outros acusam aqueles de traírem a revolução ao optarem primeiro pela vitória na guerra e só depois, se houvesse condições para isso, fazer a revolução.
Paul Preston logo na sua Introdução (pag. 21) não é meigo parar com aqueles que defendem a “revolução”. Diz ele: o debate sobre a “guerra ou revolução” tem ocupado os simpatizantes republicanos incapazes de aceitarem a derrota da esquerda. Durante o período da Guerra Fria, a noção de Estaline ter abafado a revolução em Espanha, ajudando a vitória de Franco, foi propagandeada com sucesso. Várias obras sobre a Guerra Civil de Espanha foram patrocinadas pelo Congresso para a Liberdade da Cultura, entidade financiada pela CIA, a fim de disseminarem essa ideia. O sucesso de uma aliança espúria entre anarquistas, trotskistas e combatentes da Guerra Fria eclipsou o facto de Hitler, Mussolini, Franco e Chamberlain serem os responsáveis pela vitória nacionalista, e não Estaline. Eu não diria melhor.
Em próximo post voltarei ao assunto, referindo-me a outro livro, já não tão recente como este, mas bastante interessante não só pelo seu conteúdo reaccionário, como a uma recensão que suscitou na blogosfera. Estou-me a referir ao livro de Stanley G. Payne, A Guerra Civil de Espanha, a União Soviética e o Comunismo, de 2006, da Ulisseia (agora já nas mãos da Leya).
2 comentários:
Pois é, ou se comemora na altura ou então... De qualquer maneira, três sugestões de leitura a juntar modestamente às tuas. Uma de carácter geral do Antony Beevor, The Batle for Spain, e do Orwell a Homenagem à Catalunha (relata os episódios passados em Barcelona opondo o POUM ao governo da Frente Popular e q referes no teu post) e Recordando a Guerra Espanhola. Como gosto de imagens, as fotos do Robert Capa e de Gerda Taro. Noutro registo, o "Viva la Muerte" do Arrabal, é já outra coisa, eu sei. Falta a música, aqui vai :
http://www.youtube.com/user/carlosgardel70#p/a/u/1/gX1QhvXeVkI
Caro Packard
Obrigado pelo teu comentário. Eu não pretendia ser exaustivo, nem fazer uma lista de temas ligados à Guerra Civil espanhola. Fiz uma recensão a um livro e comparei-o, em termos de pormenor histórico, com outros dois que tinha lido e que de facto são bastante conhecidos. As tuas sugestões são bem vindas. Em relação ao livro do Antony Beevor gostaria de escrever qualquer coisa. Li a tradução portuguesa da “Queda de Berlim” e, apesar da enorme quantidade de informação nele contida, fiquei com a ideia de que havia uma deliberada intenção de apoucar os soviéticos, o que não gostei. Já li qualquer crítica ao seu livro referente à Guerra Civil espanhola e daquilo que me recorda é que o autor pertence àquela categoria de historiadores que pretendem deslegitimar a República, pondo-a ao mesmo nível que os insurrectos fascistas, assunto que será tratado por mim no post a seguir. Quanto aos livros do Orwell eles são citados, a propósito da canção Ay Carmela no post, que eu refiro, do Miguel Serras Pereira, bem como o episódio do POUM.
Faltou de facto uma fotografia do Capa, por exemplo, aquela do miliciano a ser atingido por uma bala inimiga, mas optei, porque era disso que o post tratava, pela capa do livro de Preston. Quanto à peça do Arrabal, se é a que eu penso sobre o bombardeamento de Guernica, vi-a recentemente representada por um grupo amador, em Sines. O grupo não era famoso e a peça pareceu-me um pouco datada. Quanto ao site da música vou ver se num próximo post aproveito algumas das músicas. Já conhecia e gosto muito daquela “Si me quieres escribir”, pode ser que a publique.
Um abraço
Enviar um comentário