
Nos dois posts que já escrevi (ver aqui e aqui) a que chamei primeiro revolução e hoje, mais de acordo com uma sugestão do Pacheco Pereira, chamo revolta árabe, transparece um certo cepticismo em relação ao que irá acontecer no futuro: se nos dois países, Tunísia e Egipto, serão as forças progressistas, democráticas e de esquerda que levarão a melhor.
Nesse sentido, gostaria hoje de manifestar a minha crítica a duas ideias dominantes que percorrem a blogosfera de esquerda, que ficaram fascinadas pelas movimentações de massas naqueles países. Facto que eu também saúdo, mas com todas as precauções e avisos que já referi.
A primeira é a comparação entre a revolta árabe e a queda do “socialismo real”, no Leste da Europa, já que na Rússia a situação foi um pouco diferente. Tenta-se comparar o que se passou no Leste europeu – as movimentações populares, o desmoronar dos regimes e a alegria posterior das massas – com o que se passou na Tunísia e no Egipto, e com o que hoje se está a passar, com maior ou menor intensidade, em grande número de países árabes.
Tenho para mim que a queda do “socialismo real” resultou de facto da acção popular, do descontentamento que lavrava naqueles países, da impossibilidade da “nomenclatura” manter por mais tempo uma ficção em que já não acreditava e do desejo da direcção soviética de deixar de controlar aqueles povos. Mas estes acontecimentos não originaram uma saída progressista e de esquerda. Admito que desembocaram numa democracia de tipo ocidental, mas tal como no Ocidente, e sem as mesmas defesas de que dispõe a classe operária desta área geográfica, as disparidades sociais aumentaram, a corrupção também, as minorias étnicas têm tido problemas graves (veja-se o que sucede nos países Bálticos com a minoria russa), a perseguição aos antigos membros e aos partidos comunistas é uma realidade e até, como no caso da Hungria, a supressão da liberdade de informação. Posto isto, acho estranho que alguém de esquerda ache que as duas alterações que se verificaram são do mesmo sinal. Em sociedades tão desiguais como são as árabes, sem uma intervenção forte dos sindicatos, se o caminho a seguir for o da Europa de Leste facilmente se instalará um capitalismo selvagem, ultraliberal, tal como se instalou nesses países. Este é portanto o meu primeiro cepticismo.
O segundo tem a ver com a alegria existente também em alguns blogs e parece que transparece de um artigo que vem no Público, do seu enviado ao Cairo, Paulo Moura, que glorificam a espontaneidade das massas, libertas das burocracias sindicais e políticas. Como se percebe, estou-me a referir aos sindicatos e aos partidos de esquerda que para certos revolucionários não passam de burocratas, sempre prontas a refrear a espontaneidade das massas. Tenho para mim que a ausência de sindicatos e partidos de esquerda fortes são indispensáveis para que seja possível haver uma saída progressista, democrática e de esquerda para a crise que aqueles países atravessam. Se as massas não tiverem palavras de ordem que as conduzam nesse sentido, facilmente os Irmãos Muçulmanos as poderão arregimentar. No entanto, já li artigos em que as principais acções que se verificaram no Egipto não foram as que tiveram lugar na Praça Tahrir, mas sim as greves que se realizaram em diversos locais daquele país.
Em próxima oportunidade voltarei a este assunto, que pelos vistos vai, nos próximos tempos, ser inesgotável.