27/06/2009

Como se fossemos todos potenciais terroristas


Quando estava no activo, viajava frequentemente até Bruxelas, por isso fui assistindo aos logo dos anos às alterações das medidas de segurança que se verificavam nos aeroportos, incluindo o nacional.
Que eu me lembre, comecei por conhecer no aeroporto da Portela um controlo de segurança para cada conjunto de portas de embarque. Esse controlo era assegurado por polícias, um deles entretinha-se, entre dois dedos de conversa e uma pendidela de cabeça, a visionar ronceiramente a televisão que tinha à frente, onde se via o conteúdo das nossas malas, outro verificava se despejávamos devidamente os bolsos de moedas e da carteira para que o sinal de alarme não disparasse.
Depois do 11 de Setembro as medidas começaram a agravar-se. Assisti, ainda com os polícias a assegurarem a vigilância, à procura nas carteiras de senhora de tesourinhas e corta unhas e, nos homens, de pequenos canivetes. O trânsito ficou emperrado. Formaram-se bichas enormes junto de cada controlo de embarque. De certeza que houve aviões perdidos ou com atrasos consideráveis. Mas essa fúria passou. No aeroporto de Bruxelas comecei a assistir, quando a máquina apitava, à revista individual de cada passageiro. Uma vez implicaram com os pregos do tacão dos meus sapatos. Mas essa era mesmo assim uma fase civilizada.
Nos últimos tempos em que ainda viajei em serviço já se verificou a substituição dos polícias por seguranças contratados. O rigor começou a aumentar. Não tardou, que numa das vezes tivesse que passar no portal electrónico sem sapatos, só com meias. Situação extremamente desagradável, dado frio do chão e a sua sujidade.
Mas em 2005 deixei de viajar, reformei-me. Agora, para ir a Madrid, retomei novamente os caminhos do aeroporto. Já nem me lembrava como é que era a segurança e muito menos conhecia as últimas medias que tinham sido tomadas.
Presentemente, todos o passageiros são controlados numa passagem única, o que origina uma sensação de grande confusão. Por esse motivo acredito que os seguranças estejam sujeitos a grande pressão, visto ser enorme a quantidade de passageiros que têm que controlar nas horas de ponta. Mas o trato que nos dão é de nos considerarem potenciais terroristas, que ao primeiro descuido deles estaremos prontos a fazer-nos emular à bomba.
Na primeira ida para Madrid, esquecido de tudo o que já sabia sobre o controlo de segurança nos aeroportos, fui de peito feito. Tirei o casaco, pu-lo no tabuleiro, como vi toda a gente fazer e avancei resolutamente para a porta electrónica. Apitou. Como não vi ninguém a deter-me logo, pensei que não era comigo. Eis quando um segurança com ar imperativo me diz: “O senhor, faz favor.” Inocentemente perguntei: “É comigo”. “Com quem havia de ser”. Fiquei logo ao nível. Depois: “Ponha os braços no ar”. Pu-los. Começou a revista. Mas eu, a meio, lembrei-me que tinham ficado no bolso chaves e moedas. Baixei os braços e disse: “Já sei porque é que apita”. O que fui fazer, levei logo um raspanete por ter interrompido a revista. Desculpei-me. O segurança com ar severo, mas ao mesmo tempo permissivo, disse: “Um erro, qualquer um pode ter”. Fiquei esclarecido.
Depois foi a vistoria às malas de mão. A minha mulher tinha um medicamento para desentupir o nariz que tinha mais do que 100 ml, o limite máximo de líquido que se pode transportar num único recipiente. Depois de grande conversa, o segurança, com o aval do chefe e a seguir a uma demonstração pública da utilização do mesmo, lá transigiu e deixou passar o medicamento. É bom que se diga que a capacidade deste era de 125 ml e já não estava cheio. Depois virou-se para a minha espuma de barba que tinha 200 ml. Pensei que a tolerância continuasse. Nem pensar. Ficava já ali. Se quisesse que a metesse num envelope e a dirigisse por correio para casa. Custava de certeza mais caro do que a compra de uma nova. Lá vi tristemente a minha espuma ser levada, não sei para que sítio e para ser utilizada por quem.
Episódios destes com mais ou menos pormenores picarescos foram-se verificando sempre nas outras viagens. Por muito que eu pensasse que já sabia tudo sobre segurança havia sempre qualquer coisa que falhava ou que eu ignorava.
Triste sina a destes tempos modernos em que, apesar de terem sido abolido as fronteiras e os respectivos guardas alfandegários, espécie que eu abominava, continuamos, por razões que eu reputo obscuras e não verdadeiramente devidas ao terrorismo, a ser inspeccionados e aviltados na nossa mais íntima intimidade, que é o conteúdo dos nossos bolsos ou da mala que transportamos connosco.
Sei que para alguns isto não será problema, preferem viajar descansados – o que não me parece ser o caso – a serem tratados como potenciais terroristas. A mim, isto incomoda-me profundamente.

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